O Caçador

314 47 7
                                    

A dor de cabeça que Sarah sentia no momento era reflexo de seu péssimo estado de humor. Estava na casa de Ricardo, onde policiais e a equipe de perícia zanzavam de um lado a outro, deixando-a tonta e irritada. Lá fora, uma multidão de curiosos e manifestantes se aglomerava em torno do cordão de isolamento montado pela polícia para proteger a casa onde, fatidicamente, foram encontrados os pedaços de Vivian em um saco plástico.

Sarah e Luan faziam perguntas aos policiais que foram chamados para atender a denúncia anônima.

- Então... - ela perguntou a um deles. - Vocês vieram verificar a casa após receberem uma ligação?

- Sim, a central nos enviou - o policial disse. - Uma ligação anônima foi feita por um homem por volta das seis da manhã, informando que vira um rapaz carregando um saco plástico de onde saía o pedaço de uma perna humana. A descrição que ele fez bate com as características de Ricardo. O homem disse que ele estava sujo de sangue e "não parecia bem".

- Vocês têm essa ligação gravada? - Luan perguntou.

- Nós não, mas você pode ligar para a central e perguntar se eles liberam a gravação para vocês. Talvez tenham que abrir uma solicitação formal para o departamento...

- Não temos tempo para enfrentar essa merda de burocracia - Sarah falou, irritada. - Vocês ouviram a gravação?

- Ouvimos uma vez - disseram os policiais, hesitantes.

- Podem nos dizer se havia algo de diferente na voz? Alguma característica que não fosse comum? - a detetive questionou.

- Bem.. não sei - disse um deles, visivelmente relutante. - mas porque você iria querer saber disso? É uma denúncia anônima, não podemos identificar o homem nem se quiséssemos...

- Tenho uma teoria - ela se limitou a dizer.

Os policiais pareciam apreensivos, e Luan também.

- Sarah - ele a puxou de lado, falando baixo. - está se agarrando naquele padre de novo? Não pode! Sabe que vai levar uma represália dura do Marcos se continuar seguindo isso...

- É minha única alternativa, Luan - ela se desvencilhou dele. - Acredita que o Ricardo fez isso? Você veio aqui comigo interrogá-lo, você viu. Aquele garoto não é um assassino.

- E vai me dizer que o padre é o assassino? - ele questionou.

- Não estou dizendo que ele matou essas meninas - ela respondeu, na defensiva. - Só estou dizendo que ele sabe mais do que quis contar. Meu instinto me diz isso.

- Não importa mais - Luan disse, balançando a cabeça. - Você não entende? A mídia e o departamento acabam de encontrar um bode expiatório em Ricardo. Vão montar uma caçada nacional contra ele e o caso vai ser retirado de nossas mãos. Quer apostar?

- Eu não vou desistir tão fácil - ela retrucou. - mas você pode sair, se quiser.

Luan a olhou carrancudo, mas não se moveu. Sarah voltou-se novamente aos oficiais.

- E então, lembraram de algo sobre a gravação?

- Bem... - um deles disse. - foi uma ligação curta, e a voz dele não tinha nada demais. Não fez nada de interessante.

- Só bocejou - disse o outro.

- Ele bocejou? - Sarah perguntou.

- Sim, lá pelo fim da ligação. Devia estar com sono. Afinal, eram seis da manhã.

Sarah nada disse, pensativa. Luan anotou a informação no caderno.

- Bem, não acho que isso vá ajudar, mas obrigado. - ele continuou. - então, o que vocês encontraram ao chegar aqui?

- Bem, a porta estava aberta... chamamos e batemos, mas ninguém veio. Como era um possível caso de homicídio, decidimos entrar. E encontramos a casa revirada em partes... roupas jogadas com pressa, nenhum dinheiro... meu parceiro aqui foi até o quintal e lá encontrou os sacos plásticos.

O outro policial parecia prestes a vomitar.

- Foi horrível - ele disse. - Não sei como alguém seria capaz daquilo. Eu tenho certeza que não vou conseguir dormir essa semana.

Luan assentiu. Sarah só ouvia, pensativa.

- A que horas vocês a encontraram?

- Lá pelas sete da manhã.

Sarah olhou o relógio: faltavam quinze minutos para as onze.

- Onde o corpo está agora? - ela perguntou.

- Foi levado às pressas para a autópsia - disse o policial. - Nunca vi tanta rapidez nesse departamento.

- É porque a mídia está acompanhando o caso - Luan disse, distraído. - bem, vocês têm algo mais a relatar?

- Acredito que não.

- Então muito obrigado pelas informações - Luan agradeceu. - Tomem, fiquem com meu número, se lembrarem de algo mais nos contatem.

Os policiais assentiram e se retiraram. Luan guardou o caderno de anotações e pegou a chave do carro.

- Bem, parece que temos que ir até o instituto médico para saber a quantas anda a autópsia do corpo de Vivian, e quais informações eles podem nos dar... Sarah? Está me ouvindo? - Luan perguntou.

- Ah sim, estou - ela parecia distraída, perdida em pensamentos. - Vamos, vamos lá.

O trajeto de carro foi mais longo que o habitual porque o Instituto ficava do outro lado da cidade. Sarah ainda estava calada pensando, então Luan resolveu ligar o rádio para se distrair. Logo, contudo, a música foi interrompida para dar lugar a uma notícia urgente:

"Senhoras e senhores", disse a voz grave do locutor. "Temos um comunicado urgente e exclusivo: hoje pela manhã o corpo de Vivian Macedo, que é sobrinha do chefe de polícia, foi encontrado esquartejado no quintal do noivo, Ricardo Dutra. Ele está foragido no momento, e é o maior suspeito de seu assassinato. A polícia pede a todos que, se tiverem notícias de seu paradeiro, comuniquem imediatamente. Vocês podem encontrar a foto do suspeito acessando nosso site, radiolimoeiro.com.br ou em cartazes que estão sendo distribuídos pela cidade e nas delegacias"

Sarah colocou a mão na cabeça, desconsolada.

"Recebemos um comunicado da associação de pais de meninas desaparecidas que ele pode ainda estar envolvido em outros vinte e oito casos de sequestro de jovens. A polícia nega informações sobre isso, mas pelas ruas ele já é conhecido pelo nome de 'O caçador'. Pedimos a todos cautela se o avistarem. Pode ser perigoso".

Sarah desligou o rádio com raiva.

- O Caçador. Que nome ridículo. Esse lunático, seja quem for, está mais para 'O demônio' em pessoa. Fazer isso com uma pobre jovem, que absurdo...

Luan nada disse, enquanto cortavam as ruas da cidade.

O CaçadorOnde histórias criam vida. Descubra agora