Capítulo 2

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Eu estava morto.

Poderia ter passado um segundo, ou talvez mil anos. Eu não saberia dizer. Senti como se a dor de um milhão de pessoas estivesse correndo por minhas veias, infiltrando-se em cada poro e rasgando meu corpo em um milhão de pedaços.

Eu não podia ver, não podia ouvir, não podia sentir nada.

A sensação de formigamento passara. Eu não saberia sequer dizer se meus olhos estavam fechados ou abertos. Não saberia sequer dizer se estava vivo ou morto.

Até que, lentamente, comecei a tomar consciência de meu corpo novamente. Senti as pontas dos dedos, mexi meus pés... Senti o solo firme sobre meu corpo. Provavelmente havia sido algum desmaio.

Reuni força e abri os olhos.

Havia uma grama rasteira sob mim. Firmei a mão no solo e esforcei-me para sentar. Ainda era noite, apesar de o amanhecer já dar sinais da sua vinda. Minhas pernas estavam bambas, e a confusão parecia estar impregnada em minha mente. A Pedra da Bruxa ainda estava atrás de mim; menos mal. Desta vez, não olhei para ela.

Limpei um pouco de terra que havia sujado minha roupa e olhei ao meu redor. Nosso grupo deveria estar mais à frente. Dei alguns passos trôpegos a principio, até que consegui firmar minhas pernas e estabilizei minha cabeça, apesar de sentir uma leve tontura.

Comecei a caminhar, afastando-me da pedra.

Cheguei ao lugar onde nosso grupo estava dormindo.

Ou melhor: cheguei ao lugar onde nosso grupo deveria estar dormindo. Não havia ninguém ali. Olhei ao meu redor, procurando algum sinal deles. Será que já haviam se levantado para ver o amanhecer? Lembro-me de alguém colocar o celular pra despertar mais cedo, para não correr o risco de perderem. Mas ainda era noite, praticamente. Pensei que o amanhecer iria demorar ainda cerca de uma hora.

Outro detalhe ali me incomodou. Não havia nada no chão onde estávamos. Os cobertores em que estávamos dormindo não estavam mais ali. Até mesmo os restos do piquenique da noite anterior haviam sumido.

Comecei a me desesperar pensando na hipótese de termos sido roubados.

- Nicholas, se acalme – murmurei para mim mesmo. – Não aconteceu nada. Eles só saíram muito cedo pra ver o amanhecer – falei.

Onde será que eles iriam para ver o amanhecer? Olhei ao meu redor e vi uma parte da colina que parecia ser mais elevada. É claro que estavam lá. Caminhei até a pequena elevação, só para me frustrar quando não havia ninguém ali. Com um pequeno medo começando a serpentear por minha pele, olhei ao meu redor.

Espera, havia sim alguém ali. Naquela colina, tinha uma outra pedra, uma pedra menor, bem menor. Estava escuro, mas pude perceber que tinha alguém deitado com a cabeça apoiada na nela.

De repente ficou tudo muito claro. Estavam pregando uma peça em mim. Todos haviam se escondido e aquele lá, provavelmente meu próprio pai, iria me assustar e todos iriam rir de mim e gritar feliz aniversário. Era a cara do meu pai fazer aquele tipo de coisa.

Pra acabar logo com aquilo, fui até o homem que estava deitado, lentamente, para fingir que estava com medo. Não queria acabar com a graça da pegadinha.

Porém, quando me aproximei, vi que o homem que dormia usando a pedra como travesseiro não era meu pai. Sequer era alguém do nosso grupo.

Quem era aquele homem?

Aproximei-me mais. Era um homem com a pele negra e com a roupa rasgada. Usava uma camisa grosseira com um tecido que me lembrava bastante um pano de saco e um short que cobria até seus joelhos, do mesmo tecido. De onde aquele cara tinha saído? Agora que eu havia chegado ali e visto que aquele não era meu pai, não sabia o que fazer.

TRAVELLER - Além do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora