Capítulo 19

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- Se não voltarmos logo, vão dar pela nossa falta – Miguel disse, dando-me outro beijo.

- Eu queria poder ficar aqui pra sempre – sussurrei. Meus braços estavam entrelaçados em seu pescoço. Meus olhos estavam perdidos no mar verde que eram os dele.

- Aqui no baile de Elena? – ele perguntou, sorrindo.

- Aqui nos seus braços – respondi.

- Nós teremos a vida toda – ele disse. Será? Pensei, mas não me atrevi a verbalizar o pensamento. Um tempo depois, ele perguntou. – Aquele dia em que conhecemos Elena e você ficou estranho... Era ciúmes?

Seus olhos sorriam para mim. Eu nunca poderia mentir para ele.

- Fiquei morto de ciúmes – respondi.

- Há quanto tempo você... Não sei. Há quanto tempo você tem sentimentos por mim?

Retirei as mãos de seu pescoço e dei um passo para trás, descolando nosso corpo por um momento para que eu pudesse vê-lo melhor. Relembrei nossa história.

- Na verdade, eu não sei desde quando. Naquele primeiro dia, você impediu que eu fosse morto. Então me levou até a sua casa e a sua família. E continuou ao meu lado. Acho que você foi o único que não desconfiou de mim desde o começo. E então eu passei a viver na sua casa, com você. Nós estávamos sempre juntos. Eu... Sentia que eu poderia ser eu mesmo ao seu lado, sem medo do que você pudesse pensar. Desde o princípio eu me senti assim. Mas não sei quando meus sentimentos por você mudaram e cresceram tanto. Assim como o dia se torna noite, lentamente, e então, de uma vez, eu acho.

Ele se aproximou e me deu um beijo rápido.

- Como foi isto para você? Sabe, você é homem, eu também...

- Bom, deixe-me eu te contar. No lugar de onde eu venho... Isto é normal. Aceitável. De onde eu venho, as pessoas tem mais liberdade. Não tanta como eu queria, na verdade.

- O norte de Minas? – ele questionou, a sobrancelha erguida.

- Mais ou menos – respondi. Ele me olhou, provavelmente se lembrando de suas palavras sobre me dar o espaço e tempo necessários para falar sobre este assunto em particular. – Mas mesmo sendo um lugar que aceita e respeita, só uma parte das pessoas é assim. A outra parte, uma grande parte na verdade, é cruel e má. Não muito diferente das pessoas aqui. – Ponderei. Mais de 200 anos haviam se passado, mas a mente das pessoas em pouco tinha mudado. – Muitos ainda agridem e matam aqueles que consideram diferentes.

- Nós somos... Diferentes? Eu sou diferente por ter estes sentimentos por você?

- Um pouco – pensei. Então falei, tomado por uma súbita epifania. – Não. Na verdade, não. Não somos diferentes. Nossos corpos são iguais. Todos nós temos um coração, sangramos quando nos ferimos. Ou choramos, se a ferida é no coração. Não somos realmente diferentes. Se abrirem nossos corpos, tudo o que acharão é o que acharão em qualquer pessoa. Nossas diferenças não podem ser vistas, então não sei se podem ser consideradas diferenças.

- Eu acho que eles podem ver sim. – Miguel me disse. – Agora que sabemos o que sentimos um pelo outro, creio que todos poderão ver. É só olhar para nós dois, para os olhares que trocaremos. Qualquer um que olhar para nós saberá que temos algo que não é normal. Algo que eles desejarão ter – Sua voz havia se tornado um sussurro, e ele me puxou para um ultimo beijo rápido. – Agora temos mesmo que voltar antes que venham procurar por nós.

TRAVELLER - Além do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora