Capítulo 5

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Eu me considerava um garoto normal, como qualquer outro. Nunca havia vivido grandes aventuras. Provavelmente a aventura máxima da minha vida tenha sido o dia em que resolvi que queria acampar. Não lembro ao certo quantos anos eu tinha, provavelmente uns sete ou oito anos. Eu tinha visto crianças acampando em um filme na televisão, provavelmente Diário de um Banana, e depois disso, tive a brilhante ideia de que queria acampar.

Peguei no pé de meus pais até que eles, de saco cheio, resolveram me levar para acampar durante todo um final de semana. Aquela provavelmente havia sido a ideia mais estúpida que eu havia tido em toda a minha vida. Eu havia detestado a experiência. Não gostei do aperto de dormir em uma barraca com meus pais, achei o espaço muito apertado para ser compartilhado. Não gostei de não haver eletricidade. Senti falta dos utensílios domésticos que eu tanto apreciava.

Aquele dia, tive uma conversa curiosamente bizarra com meus pais. Perguntei como as pessoas viviam antes de terem inventado a luz.

Foi minha mãe quem me respondeu.

- Filho, as pessoas viviam, simples assim. Tudo tinha te ser feito na raça. Sabia que quando a mamãe nasceu não tínhamos energia elétrica na nossa casa? Nossa família não tinha muitas condições. Morávamos numa área desprovida de energia elétrica e muita coisa. O chão sequer era asfaltado. Mas nós vivíamos bem. Não é possível sentir falta de uma coisa que não conhecemos – disse ela.

Minha mãe era uma mulher muito sábia. Eu sabia que as condições na casa onde ela nasceu e morava com seus pais não eram as melhores. Mas ela havia conseguido superar tudo aquilo. Mamãe me dizia para dar valor a tudo o que eu tinha, pois nada daquilo havia sido ganho de graça. Era fruto do esforço dela e de papai. Eu havia aprendido desde pequeno a dar valor às pequenas coisas, e após aquele acampamento, essa sensação ficou ainda mais impregnada em mim. Passei a valorizar ainda mais minha cama, meu lar, meus móveis, tudo. Valorizei a geladeira, a televisão... Imaginar um mundo em que as pessoas não tinham acesso a tudo aquilo parecia uma ideia inconcebível para minha mente infantil.

E agora, ali estava eu no século 18, como se aquela conversa infantil a mais de dez anos atrás tivesse ditado os rumos da minha existência. Mas é claro que eu não acreditava nisso. Caminhei com Miguel até a cozinha, com as ideias fervendo em minha mente.

Parecia inconcebível que eu estivesse no século 18, mas as evidências eram tantas que eu não conseguia mais negar, principalmente quando entramos no cômodo.

A primeira coisa que reparei foi a ausência de um fogão. Na verdade, eu não chamaria de ausência. Onde deveria estar o fogão, havia sido instalada uma estrutura arcaica de pedra e ferro, semelhante a uma fornalha pequena conectada com o lado de fora para que a cozinha não ficasse infestada pela fumaça. Como a lua já estava se erguendo no céu, a matriarca da casa já estava preparando o jantar, vagando de um lado para o outro. A cozinha era muito grande. Uma parede estava praticamente tomada por um magnifico armário de pedra, no qual era possível avistar muitas panelas, recipientes, talheres e alguns vasilhames. No centro do cômodo, ocupando um considerável espaço, estava uma exuberante mesa para refeições, com não menos do que dez elegantes cadeiras a circundando.

No centro da mesa, havia uma jarra de ferro sobre a qual repousavam frutas das mais variadas espécies. Meu estômago roncou alto, para meu constrangimento. Miguel olhou para mim, dando uma risada disfarçada.

- Vou pegar uma para você.

Tão fascinadas com as frutas quanto eu, estavam também algumas moscas que voavam de um lado para o outro, na expectativa de degustar alguma coisa. Miguel abanou-as, fazendo-as voarem para todos os lados, contrariadas com a expulsão.

TRAVELLER - Além do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora