Capítulo 4

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A lua estava começando a trilhar seu caminho pelo céu quando finalmente chegamos. Minhas pernas estavam dormentes e eu não sentia mais minha bunda, mas tinha consciência sempre que o corpo de Miguel esbarrava no meu e mais consciência ainda dos momentos em que sua respiração subia por meu pescoço, fazendo meu corpo todo arrepiar, mas tentei ignorar. Se eu realmente estivesse no passado, o que era uma ideia absurda por si só, tinha certeza de que a homossexualidade não seria vista com bons olhos.

Não havia placas indicando a fazenda nem o pequeno vilarejo. Ela ficava parcialmente escondida logo após uma pequena colina, e assim que começamos a descer a encosta do morro, já era possível ver a grande casa em sua totalidade. Tinha dois andares de altura e era toda pintada de branco por fora, em estilo colonial. As janelas eram de mogno escuro e reluziam com o brilho da lua sobre elas. Havia uma grande varanda rodeando a parte da frente da casa. No caminho, passamos por um cercado grande com muitas galinhas que cacarejaram sem parar, como se estivessem nos dando boas vindas. A cerca de dois quilômetros, afastadas da fazenda, havia algumas pequenas casas que formavam uma pequena vila, cada uma devidamente protegida com pequenas cercas de madeira ao seu redor. Eram casas humildes, algumas feitas de pedra batida e palha. Algumas mais modernas eram feitas de uma espécie arcaica de tijolo, o que me deu uma soturna sensação de que eu realmente não estava mais no meu tempo.

- Bem vindo à Monte Claro. - Miguel disse.

- Bem vindo? Você deve ter se esquecido que me sequestraram e me trouxeram pra cá.

- Não é exatamente um sequestro. Pense nisso como... Como algum tempo que você vai passar em um lugar sem que a princípio fosse da sua vontade.

- Acho que você definiu um sequestro. – Ele riu, seu corpo balançando contra o meu.

- Você é engraçado.

Eu não aguentava mais me perguntar onde estava, mas toda vez que eu via alguma coisa estranha demais para meu tempo, essa pergunta rondava minha cabeça. Eu tentava espantá-la, mas ela permanecia ali, infiltrada como um espinho em minha pele, lembrando-me sempre de sua presença.

Como se fosse alertado pelas galinhas, um menino saiu em disparada pela porta da casa e veio na direção dos cavalos. Uma senhora rechonchuda passou pela porta e colocou as mãos pela cintura.

- Andrey, volte aqui agora mesmo! – ela berrou. O menino que corria em nossa direção, Andrey provavelmente, fingiu não tê-la ouvido e correu mais rápido ainda. – Andrey Alvares Campos Resende! Meia volta, quero você aqui em cinco, quatro, três...

Ele parou de correr assim que ela começou a contagem. Virou-se para encará-la.

- Ah, mãe! O Miguel chegou!

- Não ligo se o rei estivesse aqui na porta. Volte para dentro, pois essa noite você não dorme sem seu banho!

- Mãe! – ele tentou protestar, mas foi obrigado a correr quando ela recomeçou a contagem. Assim que ele entrou em casa, num claro exemplo de "faça o que eu digo, não faça o que eu faço" foi a vez de a senhora correr em nossa direção.

- Filho! – ela berrou a plenos pulmões, correndo, suas saias volumosas sacolejando ao seu redor. Ela diminuiu a velocidade quando percebeu que um dos cavalos estava sem seu mestre. Hector não permitira que eu fosse montado no cavalo de seu irmão.

Miguel desceu do cavalo, o que me causou certo desespero. Se aquele animal começasse a correr comigo, eu não fazia ideia de como para-lo. Ele foi em direção à mulher, sua mãe, suspeitei. Eles se abraçaram com força, e tão logo ela o soltou, veio em direção ao nosso pequeno grupo.

TRAVELLER - Além do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora