Capítulo 3

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Eu tinha encontrado a resposta. Eu estava louco, só podia ser. Não havia outra explicação. Pelo menos, não uma explicação racional. Tudo aquilo era muito real, não podia ser apenas um devaneio de minha mente. Conforme cavalgávamos, eu criava consciência de tudo ao meu redor. Tinha consciência de que eu não estava mais no mesmo lugar onde estava no dia anterior. Ou melhor, era sim o mesmo lugar. A estrada era a mesma, a paisagem era a mesma... Mas cavalgamos provavelmente por horas e não chegamos à cidade, o que só significava uma coisa. Não tinha uma cidade ali.

Uma coisa era as pessoas com quem eu estava terem sumido. Outra muito diferente era uma cidade inteira ter desaparecido da noite para o dia. E as conversas dos dois cavaleiros eram bizarras demais para que minha mente pudesse compreender. Reino, portugueses, ouro, roubos...

Meu cérebro se dividiu em dois durante aquela manhã enquanto fugíamos. Uma parte tentava convencer meu corpo de que tudo aquilo era provavelmente fruto de um delírio. Colocaram alguma coisa em minha comida, e agora eu estava deitado em alguma cama enquanto minha mente tinha refugiado-se em um mundo próprio.

A outra parte... Era muito difícil formular aqueles pensamentos... A outra parte pensava que eu estava no mesmo lugar, sim. Mas não na mesma época. De alguma maneira, eu tinha viajado através do tempo, caído até o passado.

Não sei dizer qual das duas ideias me assustava mais.

Eu tinha consciência do corpo de Miguel rente ao meu conforme cavalgávamos. Lembrei minha mente que há apenas algumas horas, ele tinha segurado um punhal contra o meu pescoço. Eu não podia confiar em ninguém ali. Aproveitei aquele tempo de silenciosa cavalgada para bolar uma história mais convincente em minha cabeça, com mais detalhes. Eles não podiam pensar que eu fosse realmente um espião. Se me prendessem, quem sabe quanto tempo mais eu ia ficar naquele lugar? Eu precisava fugir e voltar para...

A Pedra da Bruxa.

Droga.

De algum jeito, eu sabia que aquela pedra maldita tinha alguma coisa a ver com isso que estava acontecendo. Todos aqueles gritos e aquela sensação esquisita em meu estômago que depois se espalhou por meu corpo todo. E então eu a toquei... E vim parar nesse lugar. Eu precisava voltar e tocar nela de novo... Quem sabe assim tudo se resolvesse e eu voltasse para meu pai. Meu pai. O que será que ele estaria pensando agora? Será que pensava que eu tinha fugido, o deixado?

A ideia me acertou com a força de um soco no estômago, que se misturou com a fome crescente que eu sentia. Se meu pai pensasse que eu tinha fugido, não iria procurar por mim, não aqui.

Eu nem sabia onde era "aqui", o que complicava muito a minha situação.

Minha cabeça estava ficando zonza, como se todos aqueles pensamentos tivessem atraído uma nuvem tempestuosa em minha mente.

Não sei quanto tempo cavalgamos. Foram horas, com certeza, mas quantas? O sol estava alto no céu, então provavelmente estava perto do meio dia quando embrenhamos em um emaranhado de árvores e cavalgamos por mais um tempo até que chegamos a uma clareira, na qual havia uma pequena lagoa. Havia um pequeno cervo tomando água nela quando chegamos. Assim que nos viu, ele levantou-se, os grandes olhos negros assustados e saiu galopando para esconder-se em meio às arvores.

- Com sorte, conseguimos caçar alguma coisa para comer. – Disse Hector. – Vamos descer e descansar um pouco, depois providenciaremos algo.

- Vamos. Precisamos descansar um pouco. Cavalgamos a noite toda. Estou exausto.

- Claro. Vamos deixar os cavalos por aqui e esperar os rapazes.

TRAVELLER - Além do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora