De todos os desdobramentos que eu tinha pensado para aquela noite, ela transcorreu de acordo com o que já era esperado. Nada aconteceu. Devo admitir que uma parte minha ficou secretamente frustrada com isso. Não sei quanto tempo levou até que dormi, apenas lembro-me de ter acordado provavelmente umas dez vezes durante a noite, a consciência do corpo de Miguel tão próximo ao meu sugando-se de meu sono.
Quando o céu começou a exibir sinais de que o sol estava começando a nascer outra vez, o azul escuro lentamente tornando-se cinza, eu acordei novamente. Sentindo algo estranho, como se alguma coisa estivesse diferente. Precisei de alguns segundos para atestar o que era, e quando o fiz, meu coração disparou.
A mão de Miguel estava repousada calmamente em minha cintura. Fiquei seriamente dividido entre qual seria minha reação. Levantar-me e acordá-lo ou esperar que ele mesmo acordasse? Como se aquela fosse uma das questões existenciais da filosofia moderna, resolvi ficar parado no meu lugar. Com os olhos abertos como pequenas frestas, vi a baixa grama verde que cobria a pequena clareira em que estávamos como se fosse um pequeno tapete, embora sob a luz opaca do dia que estava nascendo ela parecesse mais cinza do que verde. Vi os troncos grossos das árvores que nos cercavam. Lentamente, fui tomando consciência do ambiente que nos cercava. Volta e meia – a cada dois segundos, mais especificamente – eu era tomado pela lembrança da mão de Miguel em minha cintura, grossa e quente, com o seu calor penetrando em minha pele através do tecido fino da camisa que eu vestia. Fiquei naquela posição, praticamente imóvel, por cerca de dez minutos até que a mão de Miguel estremeceu levemente. Ele estava acordando. Fechei os olhos novamente. Tão subitamente quanto eu havia percebido sua mão em minha cintura, ele pareceu fazer o mesmo. Hesitou por alguns segundos, até que tirou sua mão dali. Minha pele esfriou rapidamente, como se aqueles breves segundos fossem o bastante para sentir falta do seu toque.
Mas a mão só ficou longe de meu corpo por poucos segundos. Logo em seguida, senti novamente sua mão pousando em minha cintura e acariciando levemente, como se temesse que eu acordasse. O toque foi tão suave e tão pessoal que eu fiquei sem saber o que fazer. Alguns minutos depois, fazendo um teatro que impressionaria até Angelina Jolie, despertei de meu sono lentamente. Mexi os pés por uma distância que precisaria ser enxergada por uma lupa, depois estremeci levemente o corpo, como se estivesse sendo sugado de maneira demasiado lenta para o mundo real. A mão deixou rapidamente minha cintura. Teatralmente, virei meu corpo, ficando deitado totalmente sobre minhas costas e espreguicei-me, esticando os braços e as pernas, uma digna princesa. Virei-me para Miguel em seguida, espantando-me ao perceber que ele estava mais perto de mim do que na noite anterior, com certeza. Centímetros separavam nossos rostos.
- Bom dia – sussurrei, não conseguindo conter um sorriso ao ver que ele já sorria.
- Você acorda sempre assim? – Miguel perguntou.
- Assim como?
Miguel estendeu a mão e apontou em minha direção.
- Assim – riu.
- Eu acordo sempre sendo eu, na maioria das vezes, se era a pergunta – falei, percebendo que tinha exagerado na teatralidade dos meus movimentos. Miguel deu uma risada, sentou-se e espreguiçou-se, erguendo os braços para cima. Em um ágil salto, ele colocou-se de pé, caminhou até seu cavalo e trouxe para mim um cantil com água.
- Pode usar essa água para lavar o rosto.
Levantando-me também, abri o cantil e joguei um pouco de água na boca. Como, para meu terror, as escovas de dente ainda não existiam, a única limpeza possível de se fazer na boca era usando água e fazendo gargarejos. Agradeci aos céus porque era uma limpeza útil, pelo menos. Esse, inclusive, era um método meu que eu havia feito questão de ensinar para a família Alvares. Vi Miguel fazendo o mesmo alguns metros à frente. Os dentes dos mais velhos eram todos desgastados, amarelados e cariados, mas pelos dentes dos mais novos eu ainda podia fazer alguma coisa.
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TRAVELLER - Além do Tempo
Romantik"Dois mundos opostos Uma guerra prestes a eclodir Um amor que ultrapassa as barreiras do tempo" O destino gosta de brincar com as pessoas; Nicholas é a prova viva disso. Prestes a completar 21 anos, resolveu fazer uma viagem com o pai para uma cidad...