Capítulo 17

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Não sei quanto tempo o beijo durou. Sei que deixá-lo foi provavelmente a coisa mais difícil que já havia feito na minha vida até então.

Quando nos separamos, nossos olhos ainda estavam atraídos um para o outro como dois ímãs. A atração entre nós parecia preencher o pequeno cômodo em que estávamos como estática. Corri meus olhos por seu rosto numa tentativa de memorizar cada detalhe daquele momento.

Miguel me colocou suavemente no chão, suas mãos deixaram o meu corpo logo em seguida. Num esforço louvável fiz o mesmo, tirando minhas mãos que estavam sobre seus braços – após estarem por todos os lugares alcançáveis.

- Nicholas, eu... – ele disse. Nossos olhos ainda estavam fixos um no outro. – Eu não sei o que dizer. Me perdoe, eu...

Eu não confiava em minha voz para falar uma sílaba sequer. Minhas pernas estavam bambas, pensei que eu poderia desabar a qualquer instante como se fosse elas fossem feitas de papel. Miguel deu um sorriso sem graça.

- Acabou que no final não foi necessário, ele sequer abriu o quadro.

- O que? – consegui perguntar, a voz falhando.

- O que aconteceu... aqui, entre nós dois, era para o caso de o soldado entrar. Sabe, ele nos veria daquele jeito e... E provavelmente o que ele faria seria fechar a porta no mesmo instante e fingir que não havia visto nada.

Levei alguns instantes para processar. Ele havia falado que havia algo que podia fazer para despistá-los.

- Ah sim – falei. Engoli em seco, buscando palavras. – Não... Não tem problema.

Mas nossos olhares continuaram fixos.

- Será que já é seguro sairmos? – eu disse alguns segundos depois, desviando os olhos e olhando para qualquer lugar, menos para Miguel. Depois do que havia acontecido entre nós, estarmos tão próximos assim era constrangedor.

- Precisamos esperar mais algum tempo até que eles tenham saído da casa.

Não respondi. Mas naquele momento eu só queria sair daquele quarto o mais rápido possível. Miguel podia negar para mim o que havia acontecido. Podia negar para si mesmo. Mas naquele instante tudo havia mudado entre nós. Eu podia apostar minha mão direita que Miguel sentia algo por mim. O modo como o beijo havia caminhado... Havia ali mais do que somente um disfarce. Eu beijava Miguel com todo o desejo que eu havia suprimido nos últimos tempos. Acontece que Miguel me beijava da mesma maneira. E ele não podia negar a ereção em suas calças naquele exato momento tanto quanto eu não podia negar a minha.

O desejo entre nós dois naquele momento tinha sido real. As cinzas das nossas chamas ainda estavam ao nosso redor, eu podia senti-las ainda ardendo em minha pele. Sim, eu tinha sentimentos muito fortes em mim por Miguel. Os sentimentos mais fortes que eu já havia sentido em toda a minha vida. Mas naquele momento algo mudou em mim. Uma parte minha, uma parte considerável, passou a acreditar que Miguel nutria os mesmos sentimentos dentro dele por mim.

Mas qual o tamanho dos muros que ele havia construído contra esse sentimento?

Miguel e eu mal conseguíamos nos olhar nos olhos. Estragamos tudo, era só o que eu conseguia pensar. Algumas vezes ele abria a boca, decidido a falar alguma coisa e então fechava, como se tivesse mudado de idéia. Os próximos cinco minutos foram os mais constrangedores da minha vida, até Miguel decidir que era seguro e devíamos sair do esconderijo.

Ao sairmos dali, a avó de Miguel estava sentada na sua maquina de costura como se nada tivesse acontecido.

- Miguel, meu querido! – ela exclamou, como se não o tivesse visto antes. – O que você está fazendo aqui? Você... Você saiu da pintura? O que... E este belo rapaz, quem é?

TRAVELLER - Além do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora