Miguel não acordou naquela noite, mas após ele ter falado meu nome (fato que fazia minhas pernas ficarem bambas sempre que me recordava), obviamente me recusei a sair do quarto.
- Pode deixar que eu passo a noite com ele aqui, Senhora M.
- Você tem certeza? Ele pode precisar de...
- Água caso ele acorde, a infusão que o doutor deixou preparada, pano se precisar limpar alguma coisa... Pode deixar comigo.
Senhora M me olhou por algum instante, receosa de deixar o filho.
- Tudo bem. Eu vou cuidar de minha mãe no quarto dela, qualquer coisa pode mandar me chamar que venho na mesma hora.
- Sua mãe? – questionei. Não me lembrava de tê-la conhecido.
- Sim, minha mãe... O ultimo quarto no terceiro andar é o dela. Sabe, minha mãe é bem velha na verdade. Mas nem por isso é fraca ou algo parecido. Ela poderia andar por um dia inteiro se quisesse, e com a teimosia dela, provavelmente conseguiria. As pernas dela são boas. O problema é a cabeça.
Um pouco na dúvida se continuava o assunto ou não, permaneci calado uns segundos. Senhora M entendeu como uma deixa para continuar a me contar. Admito que eu estava gostando bastante deste novo passo em nosso relacionamento.
- Ela é esquecida às vezes. Não consegue se lembrar de nomes, lugares... – uma sombra correu por seu rosto. – As vezes não se lembra nem dos nossos rostos. Em alguns momentos está plenamente lúcida, em outros, mal podemos reconhecê-la. Deixamos ela no quarto pra que não saia e se perca. Mas não fica lá sempre, é obvio. As vezes passeio com ela pela noite, ou algum dos meninos sai com ela durante o dia. É estranho na verdade que nunca tenha a visto.
- Sim... Mas imagino que oportunidades não faltarão.
- Claro que sim. Bom, estou indo então. Qualquer coisa, lembre-se, venho na hora.
- Tudo bem – assenti.
Ela se foi.
Corri ao meu quarto e peguei um travesseiro e uma manta qualquer pra poder me enrolar no chão e voltei ao seu quarto. Miguel não acordou no primeiro dia, mas não deixei aquilo me preocupar. O médico tinha dado remédio o bastante para derrubá-lo por dois dias. Eu, Senhora M, Clara, Marta, irmã de Maria e até mesmo Hector vieram passar o dia se revezando para acompanhar Miguel. Senhora M e Marta passaram algum tempo junto com a mãe a tarde. Imaginei se ela e Hector passariam a noite ali. Em um certo momento, Hector me fez passar por um interrogatório para saber quais as circunstâncias do nosso ataque. Estava lhe contando tudo sob seu olhar desconfiado pela, nas minhas contas, septuagésima vez, quando Senhora M o interrompeu.
- Deixe-o em paz, Hector! Em nome de Deus, mesmo com os dois dedos quebrados, Nicholas conseguiu colocar Miguel, que você bem sabe que não é nem um pouco leve, sobre o cavalo e trazê-lo aqui. O médico disse que por pouco ele não perdeu os dedos. Se Miguel está vivo agora, é graças a ele. E vai ser muito bem vindo aqui em nosso lar se não conseguir encontrar sua família! – disse ela, apontando um dedo para Hector. Depois voltou-se preocupada para mim – Claro que eu desejo do fundo do coração que encontre seu pai, mas se não encontrar... Você já sabe. – disse sorrindo, constrangida.
Agradeci aos céus quando pouco antes do escurecer, Marta e Hector se despediram e foram para sua casa. Lembrei-me de Senhora M comentando que sua irmã não enxergava bem à noite.
A verdade é que, após o acontecido, o pai de Miguel, que era o motivo do meu maior medo e receio de retornar para Monte Claro, (eu me lembrava muito bem das ameaças antes de sairmos em busca do meu pai) estava 1% mais amigável e receptivo. Salvar a vida do filho dele havia contado um ponto ao meu favor, aparentemente.
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TRAVELLER - Além do Tempo
Romance"Dois mundos opostos Uma guerra prestes a eclodir Um amor que ultrapassa as barreiras do tempo" O destino gosta de brincar com as pessoas; Nicholas é a prova viva disso. Prestes a completar 21 anos, resolveu fazer uma viagem com o pai para uma cidad...