Capítulo 3

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Minha vontade é passar o dia inteiro dentro do ginásio jogando vôlei, pois é um dos poucos momentos do meu dia que não tem sido um inferno. Segundo Ian, faz nove dias que estou no tal processo de desintoxicação. Meu psicólogo disse que com o tempo tudo ficaria mais fácil, porém não tenho notado nenhuma melhora. Tudo bem, talvez eu esteja sendo negativo demais. Cada dia que passo os meus surtos de abstinência tem sido mais "tranquilos" e em um intervalo de tempo maior, o que dá indícios de uma possível melhora. Sinto que aos poucos consigo voltar a ter o total domínio do meu corpo, coisa que há anos eu não tinha mais. Apesar de me doer no fundo da alma sinto que falta pouco para eu assumir que realmente preciso de ajuda.

...

Eu finalmente saí daquele quarto infernal. Passei vinte dias por lá, os piores da minha vida, e faz dois dias que voltei para o meu confortável quarto. Estou estupidamente ansioso, pois daqui alguns minutos irei reencontrar os meus pais. Nem sei mais qual foi a última vez em que vi eles, só sei que a saudade que sinto dentro de mim é tão grande que parece que a qualquer momento vai transbordar. Acordei pela manhã e fui direto fazer a minha higiene matinal, após vestir uma calça jeans de lavagem clara, e uma camisa branca, calcei meu tênis e chamei Luara para irmos tomar o café da manhã. Apesar de eu já ter saído da pior fase, a tal da fase da desintoxicação, Luara não tem esbanjado simpatia comigo, ao contrário de Ian, que mesmo eu tendo pisado na bola diversas vezes com toda a minha arrogância, ele continua sendo o meu maior incentivador e sempre confia em mim, sinto que vou ganhar um amigo para vida. Já Luara é somente profissional, no começo até tentou ser a minha amiga, mas como eu não colaborei ela nem insistiu, fica na dela, faz o seu trabalho e ponto.

Após tocar a campainha ela aparece com uma cara horrível, como se tivesse passado a noite inteira acordada chorando. Tento disfarçar a minha cara surpresa, a cumprimento com um curto bom dia e caminho para o refeitório. Faço o meu prato como de costume e sento-me no canto, começo comer e Luara senta-se ao meu lado com uma xícara de café. Ela nunca se alimenta bem, deve ser por isso que é tão magra.

-Por que não come alguma coisa? Minha vó sempre me dizia que saco vazio não para em pé - tento puxar assunto.
-Por favor Alex, hoje não tem sido um bom dia, não termina de acabar com ele, por favor - seus olhos verdes estão ligeiramente avermelhados e chego a sentir pena dela.
-Desculpe, só queria ser legal.
-Não tudo bem, me desculpe a grosseria, pode falar. Quer conversar?
-Não, eu estou bem, como não estive em anos.
-Sério? Fico muito feliz. Sua família vem hoje, né? - ela esbanja um discreto sorriso.
-Acredito que sim, estou nervoso - esfrego uma mão na outra e as sinto supergeladas.
-Vai dar tudo certo e no fim você vai ver como essa visita fará bem a você.

...

Luara estava certíssima. Após terminar o meu café da manhã, fui para a sala de visitas. Olho o local e sinto a preocupação da clínica em criar um ambiente confortável e íntimo ao mesmo tempo, é uma sala de tamanho médio, que lembra uma sala de estar de uma casa de classe média, é aconchegante e exclusiva para um único paciente, ou seja, daqui poucos minutos será apenas eu e a minha família. Sento-me no grande sofá vinho e bato o pé ansioso, meus olhos não saem da maçaneta da porta, aguardando que ela se abra e revele as pessoas que eu mais amo nesse mundo. Nem dez segundos após eu pensar isso a grande porta de madeira se abre exibindo os meus pais. Meu coração dá um pulo dentro do peito e os meus olhos se enchem de água. Quanta saudades, quanto amor, quanta falta, quanto arrependimento, meu Deus do céu. Corro para abraçá-los e quando ambos os braços me rodeiam cheios de amor e carinho choro feito uma criança. Mamãe e papai também choram desesperados como eu e nem temos forças para nos separarmos, permanecemos nesse ninho, coladinhos, agarrados uns aos outros. Após bons minutos e o choro ter acalmado um pouco, afasto-me para olhar dentro dos olhos de cada um. Minha mãe, uma mulher sempre tão elegante parece que envelheceu uns bons anos desde que a vi, olheiras mais fundas, alguns quilos a menos e um cabelo bagunçado resultam no novo visual da senhora Cecília. Meu pai parece compartilhar da mesma realidade e isso dói no meu coração, sei que tudo isso é culpa minha e constatar a verdade após seis anos me machuca, eu preciso me recuperar, senão por mim, por eles.

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