Um.

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Francisco caminhava pelas gélidas ruas de Lisboa num dia típico de dezembro visto que, Domingos, Palhinha e Daniel após o treino haviam ocupado a sua casa para um típico jogo de FIFA 2018 o que os leva a fazer mais barulho do que uma tuna académica e consequentemente com que o dono da casa não se consiga concentrar na leitura de um dos seus livros prediletos levando-o a encaminhar-se para a biblioteca mais próxima da sua residência.

O ar quente proveniente do ar condicionado da biblioteca e o típico cheiro a livros fizeram com que o jovem jogador se sinta em casa. Como sempre que vem à biblioteca caminha até aos pequenos sofás onde as pessoas se podiam sentar e ler em sossego, após sentar-se num dos sete cadeirões livres, observa a única pessoa que se encontrava no local, uma jovem rapariga encontra-se vidrada no livro que tem na sua mão enquanto outro livro meio aberto encontra-se pousado sobre as suas pernas que balançam aleatoriamente.

A descontração com que ela brincava com uma das suas tranças que caíam sobre o seu rosto e posteriormente sobre os seus ombros cativara Francisco que não desviava o olhar da jovem desde que se tinha acomodado no local.

Quando o olhar da morena abandona o seu livro para encarar o rapaz que já a encarava há um tempo razoável, Francisco apressa-se a fazer o oposto e a levar os olhos a uma página aleatória do livro que deveria estar a ler.

- Porque lês isso se não estás no 12º ano? – a rapariga pergunta com uma sobrancelha levantada e há medida que gesticula veementemente com as mãos

- Porque gosto? – Francisco responde confuso e como se fosse óbvio

- Sabes, eu também devia estar a ler isso – a rapariga mostra o livro de Saramago entreaberto sobre as suas pernas – Mas... Pedro Chagas Freitas é muito melhor. – exclama mostrando o livro que lhe prendia a atenção, "Prometo Falhar".

- Como assim? Saramago é um, senão o, melhor escritor português. – Francisco afirma convicto enquanto fecha o livro e ajeita-se na cadeira talvez por sentir que esta discussão não terminaria tão cedo.

- Sim, claro, o "melhor escritor português", como tu dizes, não sabe utilizar a pontuação como deve ser? – a morena interroga gesticulando aspas com as mãos após pousar ambos os livros junto à sua mala.

- Isso faz parte da genialidade de Saramago – Geraldes responde como se fosse a coisa mais óbvia de sempre.

-Oh claro que sim, por ser Saramago a fazer é de génio, mas se eu decidir escrever assim tenho um valente rótulo de burra por não saber utilizar a pontuação. – A rapariga dá de ombros encarando Francisco profundamente e deixando o rapaz sem resposta – Ah, e para não falar que é uma confusão profunda ele fazer os diálogos todos seguidos – Francisco ri quando a morena leva as mãos à cabeça e bufa violentamente demonstrando o seu descontentamento pelo livro que estava a ser obrigada a ler.

- Tu vais te habituando, vais entrando cada vez mais dentro do enredo e vais adorar o livro tanto ou mais do que eu.

- Isso é que é confiança! Mas para isso acontecer eu tinha de ter uma motivação para ler Saramago.

- Oh que não seja por isso, a partir de hoje aqui, a esta hora, eu vou fazer com que gostes de Saramago.

A jovem morena levanta as sobrancelhas enquanto Francisco dá um sorriso vitorioso. "Ele estaria mesmo a falar a sério?" era a pergunta que passava vezes sem conta pela sua cabeça.

- E o que é te leva a pensar que tu me motivarás?

- Não sei, tenho aqui um feeling e aviso-te que os meus feelings são bastante bons!

- Assim fico mais descansada, sim senhor. Mas que devo a honra do grande Francisco Geraldes me querer fazer gostar de José Saramago?

Por momentos Francisco perguntou-se como é que a rapariga à sua frente sabia o seu nome, mas momentos depois lembrou-se que ele era Francisco Geraldes, o jovem jogador que acabara de regressar ao Sporting Clube de Portugal e era provável a jovem reconhece-lo caso gostasse de futebol, se fosse adepta do seu clube ou até mesmo se tivesse visto alguma notícia desportiva nos últimos dias.

- O grande Francisco Geraldes quer mostrar o quão errada está a menina... – o jogador arqueia a sobrancelha esperando que o nome da rapariga à sua frente seja revelado.

- Valentina, Valentina Carvalho.

- Então, o grande e maravilhoso Francisco Geraldes quer mostrar o quão errada a menina Valentina Carvalho está ao dizer que Saramago não é o melhor escritor português. E a menina Valentina Carvalho não vai ousar comparar um escritorzeco qualquer como Pedro Chagas Freitas com o único e incomparável José Saramago.

- 1. O Chagas Freitas não é um "escritorzeco" qualquer. 2. Se me vais fazer gostar de Saramago, o que eu não acredito, eu vou fazer-te ler Pedro Chagas Freitas. 3. Acho que alguém vai sair desapontado no final da história.

- Sim, tu, Valentina Carvalho vais sair muito desapontada no final da história.

- Primeiro, eu estou habituada a ganhar ao contrário de ti e do teu clubezeco. – A morena dá de ombros e ri com a expressão de indignado de Geraldes que leva a sua mão ao peito.

- Não me digas que Valentina Carvalho é uma lampiã que não gosta de Saramago? – Francisco faz uma expressão indignada fazendo a morena rir – Tu estás perdida, miúda! – o moreno tenta afirmar convicto enquanto faz um face palm.

- Porque é que no espaço de um minuto já disseste o meu nome umas quatro vezes? – a jovem inquire ajeitando os óculos no seu rosto

- Porque é um nome bonito, Valentina Carvalho. – O moreno ri roucamente

-"Não gosto de palavras bonitas. Acredito que todos temos um limite de beleza para gastar ao longo da nossa vida. Eu prefiro gastá-lo em atos e não em palavras. Quem fala o bonito depois fica sem saldo para fazer o bonito. Eu prefiro ser o poema, o romance, a literatura."

- Pedro Chagas Freitas?

- Sim, é só um cheirinho do teu futuro escritor favorito. – Valentina afirma convicta piscando o olho a Francisco.

- Duvido muito, Valentina Carvalho. Mas já que não posso elogiar o teu nome será que posso elogiar a portadora do mesmo? - Francisco questiona com um sorriso de orelha a orelha com uma súbita confiança que havia tomado conta de si.

A anti-Saramago tenta esconder o seu rosto corado com os seus longos fios de cabelo e dá um murro no braço de Francisco como se os dois jovens que conversavam há aproximadamente uma hora seguida conhecessem-se há anos.

Debruçando-se sobre o sofá a rapariga de cabelos castanhos pega na sua mala retirando de lá um pequeno papel vermelho no qual escreve algo apressadamente e dobra-o em quatro pousando o mesmo sobre o livro de Francisco.

-Até amanhã Chiquinho. – A morena coloca a mala no seu ombro e pega nos dois livros piscando o olho a Geraldes, que se apressa a abrir o papel que Valentina pousara, o seu número.

Antes da rapariga sair pela porta da biblioteca ouve Francisco a gritar "Amanhã, aqui, há mesma hora", recebendo como resposta um sorriso da morena enquanto ouve a bibliotecária a mandar vir com o jogador do clube de Alvalade.

Saramago || Francisco GeraldesOnde histórias criam vida. Descubra agora