Cinco.

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Tal como Francisco tivera proferido na noite anterior junto aos balneários lá se encontravam os dois jovens sentados no Terreiro do Paço prontos para um novo capítulo da obra de Saramago. Ao contrário dos dias anteriores, desta vez era a voz de Valentina que ecoava no Terreiro sobre o olhar atento do rapaz que tinha a sua mão sobre o braço da morena, tal e qual, como Reis fizera com Lídia, a empregada, mas Geraldes não deixou que o toque terminasse até a morena terminar a sua leitura.

Valentina lia sobre as notícias nos jornais "de cá", as notícias de um Portugal em plena ditadura, lia sobre o primeiro toque entre Ricardo Reis e Lídia, fala sobre o passeio de Reis pelo local onde os jovens se encontravam, o Terreiro do Paço, lia sobre a súbita aparição de Fernando Pessoa.

Mas, Francisco pouco ouvia das palavras ditas na obra prima de Saramago, ele encontrara uma obra prima muito mais interessante para observar, a morena à sua frente. Francisco olhava atentamente o rosto da jovem pálida que tinha os seus olhos castanhos vidrados no livro enquanto os seus lábios moviam-se lentamente consoante as palavras que proferia, uma madeixa rebelde do seu cabelo teimava em cair sobre o seu rosto e Francisco apressou-se a metê-la atrás da sua orelha quando se apercebeu que Valentina não o conseguia fazer através do sopro que abandonava os seus lábios.

- "Quase num murmúrio, atrozmente banal, sedutor ridículo, Acho-a muito bonita, e ficou a olh-" – a jovem interrompeu a leitura quando sentiu Francisco a colocar a madeixa do cabelo atrás da sua orelha e sorriu – Obrigada Francisco.

- Sabes, eu também te acho muito bonita. – O moreno disse com um sorriso nos lábios levando Valentina a esconder o seu rosto com os cabelos e corar.

- Não digas essas coisas, Geraldes. – A jovem resmungou empurrando ligeiramente o corpo do jogador que continuava com um sorriso brincalhão estampado no seu rosto.

- Eu só estou a constatar o que o Ricardo Reis achou! – levantou as mãos em rendição e uma gargalhada soou vinda de ambos.

- Tu sabes é muito Francisco de Oliveira Geraldes.

- Ui, que alguém já sabe o meu nome todo, senhora stalker!

- Em minha defesa, foi o meu primo que me disse e não eu não perguntei!

- Vou fingir que acredito, vou.

- E eu vou continuar a ler que foi para isso que aqui viemos. – Valentina afirmou e voltou a abrir o livro na página onde tinha interrompido.

;;;

- Não queres entrar? – Valentina perguntou ao moreno quando este estacionou em frente à sua casa. – Encomendávamos uma comida e víamos um filme, não sei.

- Parece-me uma ótima ideia! – Francisco sorriu e apressou-se a tirar o cinto e sair do carro para acompanhar a morena até à entrada da casa. - Mas cá para mim tu queres é dar numa de Lídia e dormir comigo.

- E cá para mim tu queres dar numa de Ricardo Reis e pensar se deves ou não beijar aqui a Lídia. - Valentina pára bruscamente e vira-se para Francisco que estava à sua frente.

Encontram-se ambos frente a frente enquanto um sorriso genuíno dançava em ambos os rostos e ali passou pela cabeça de ambos juntarem os seus lábios num só.

- Talvez... - Francisco dá de ombros quando vê que a morena abana a cabeça negativamente e continua o caminho até à porta.

- Tu andas muito saído da casca, Francisco Geraldes.

Assim que Valentina gira a chave na fechadura e uma gritaria é ouvida assim que a porta é aberta esta arrepende-se imediatamente de ter convidado o jogador a entrar em sua casa quando se apercebe que era dia do campeonato de FIFA dos rapazes da equipa vermelha e branca.

- Foda-se...

- Está tudo bem? – Francisco pergunta após entrar na casa.

- Tudo ótimo, anda. – Valentina tentou ir até ao seu quarto com Francisco sem ser notada pelos rapazes, mas assim que deu dois passes no hall de entrada ouviu logo o seu nome ser chamado.

- Valentina, finalmente! – o seu primo gritou fazendo todos os presentes olharem para os dois e esta apressa-se a largar a mão do jogador da equipa rival.

- Rapazes, olá! – a morena caminhou até à sala repleta de jogadores de futebol e fez sinal para Francisco a acompanhar.

- Val, meu amor. – Amaral puxou a morena para o seu colo e abraçou-a sobre o olhar atento do jogador leonino que se sentia incomodado com tanto contacto entre os dois. – Oh, olá Chiquinho.

- Francisco Geraldes, bons olhos te vejam desde ontem. – Rúben falou levantando-se para cumprimentar o moreno.

- Dias! – Geraldes cumprimentou o defesa do Benfica e seguiu-se nos cumprimentos aos restantes jogadores da equipa vermelha e branca.

- Eu quero jogar. – Valentina resmunga levantando-se do colo de Pedro e tirando o comando da mão de Guga.

- Quem quer jogar contra a Val? – Carvalho pergunta levantando o comando que é logo agarrado por Geraldes.

- Ohhhh tu queres perder! – Valentina gargalhou sentando-se em frente ao ecrã da televisão enquanto esfregava as mãos maliciosamente – Benfica vs Sporting? – a morena interroga.

- Por mim sim, mas era melhor arranjares uma equipa do calibre da minha porque depois não sou eu quem vai limpar as lágrimas da menina. – Francisco provocou

- Desculpa? Disseste alguma coisa? É que aqui de cima não dá para ouvir coisas de clubes inferiores, fofuxo.

- Ui Geraldes não te metas a pau que ela hoje está assanhada. – Horta gozou.

- Não tens legumes para ir cultivar? - Valentina ripostou com um sorriso brincalhão.

E a partir daí todos os olhares focaram-se no jogo que os dois estavam a jogar, mas o silêncio foi coisa que não imperou naquela sala visto que todos se tornaram treinadores de sofá.

- Com o número 10? – Valentina levantou-se gritando a plenos pulmões enquanto fazia uma dança alegre e sobretudo desengonçada.

- Jonas! – os restantes rapazes gozaram.

- 10?

- Jonas!

- Pronto, pronto, já percebi que estou em desvantagem. – Francisco riu.

Saramago || Francisco GeraldesOnde histórias criam vida. Descubra agora