4 CAPÍTULO - Uma encenação

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Eu estava completamente extasiado após ouvir aquela mulher cantar. Era algo no modo em que a sua voz enrouquecia ou como ela fechava os olhos ao escorregar os dedos pelo microfone. Eram tantos "prós" e só um "contra": eu sabia que, no fim, aquilo tinha que ser proposital. Não havia possibilidade de uma mulher tão parecida com o meu tipo cair de paraquedas, justo em uma das noites que resolvo dar uma rápida passada na Sede.

Mais ainda quando sei que ela não passou na forminha criada pela Whiter-filha, a Emily, que levou as três melhores dançarinas consigo. Eu as conhecia muito bem, tanto que as ajudei fugir com os lucros da boate, fazendo questão de apagar seus rastros e também auxiliei o Antony, pai da Emily, a encontrá-la. Às vezes, meu papel de Encarregado-Agente-Especial se confunde com um de "mediador". E eu me sinto em um caso de famílias da vida real.

Só espero que ninguém surte e faça um espacate ao som de "Sweet dreams, are made of this..."

Enfim, voltando ao princípio, dei uma leve driblada na segurança e consegui entrar no camarim. Obviamente não havia nada lá, só um rastro adocicado de perfume. Eu não estava obcecado, a tal Nadine ― um nome falso quanto uma nota de três ― tinha despertado a minha curiosidade. O lado "Sherlock-Holmes" sentia sede de descobrir mais sobre aquela incógnita em forma de mulher. Uma forma bem gostosa, só para acrescentar.

Um pouco desapontado, ando até a saída do clube, me chutando internamente por deixar o carro tão longe do lugar. Teria que caminhar quando a única coisa que eu queria fazer era agarrar o meu travesseiro e dormir o máximo que conseguisse.

Resmungando baixo, comecei a fazer o caminho até o meu lindo carro e até estava em uma boa discussão comigo mesmo ― eu falo só, apenas para clarear a mente, sabe? ― quando algumas vozes me interromperam:

― Vamos, gata... ― aparentemente um homem falou. ― Libera aí, a gente sabe que você tá louquinha... ― continuou.

― Me. Solta. ― a mulher respondeu. A voz estava firme, mas parecia bastante assustada. ― Não vou liberar nada pra ninguém! Não tem o que liberar! ― ela chiou e grunhiu com algo que eu não sabia, pois não conseguia ver. ― NÃO ENCOSTA EM MIM! EU ESTOU AVISANDO! ― falou ainda mais alto.

― Vê que gostosa, mano... ― outro completou e eu passei as mãos no bolso, revirando os olhos por não ter trazido nenhum dos meus apetrechos a La Keller. ― Toda arisca assim, a gente come ela todinha... Um amigo nosso disse que adora tirar fotos dos outros... Que tal depois que te estraçalharmos de canto a canto, fazer umas fotos?

― É, imagina... Meu pau entrando nessa belez...

Eu já estava prestes a entrar e resolver as coisas no murro, mas o que ouvi em seguida me parou no mesmo lugar.

― Ava... ― a mesma voz, antes amedrontada, agora altiva e tranquila soou. ― Olha, eu não estou com paciência pra lidar com vocês. Me disseram que aqui tinha dois estupradores e que eles gostavam de universitárias ou colegiais indefesas. Mas vocês só sabem falar e falar...

Ok.

Não consegui acompanhar.

O que ela era?

― O quê? ― a mulher continuou. ― Acharam mesmo que iam me assustar? ― o tom parecia debochado. ― A única coisa que me deixa bem assustada são os filmes de terror. Mas em relações a dois faladores como vocês... ― suspirou. ― Acho melhor correr ou tapar os ouvidos, porque eu vou chutar o rabo dos dois e jogá-los na prisão, pedir para uns coleguinhas darem o gostinho de ser violado sem permissão... ― a voz declinou em um rompante agressivo e eu percebi que estava reconhecendo-a de algum lugar.

― ELA É TIR... ― escutei o som de socos a ser distribuídos e protelei alguns segundos, pensando de onde eu poderia reconhecer aquela mulher. O som de umas coisas quebrando me fez suspirar. Porém, a única coisa que realmente me fez entrar na confusão foi aquilo:

O som de um engatilhar.

― Agora a gente vai te comer e te matar que nem uma puta sem valor!

― Ok.―  parecia um pouquinho perturbada ―Uma arma na equação... ― ela sussurrou. ― Eu não calculei isso. ― suspirou. ― Eu poderia te dar um chute duplo, derrubar a arma... ― a mulher só poderia ser louca, certo? ― Ou quebrar o nariz do seu colega e levar um tiro de raspão enquanto te imobilizo... Argh.

O que me assustou foi reconhecer os longos fios castanhos e olhos amendoados.

Era a garota do bar! A de quântico!

Caminhei em silêncio até os dois e ela me encarou. Jurei ter visto um pequeno sorriso, porém ninguém sorriria naquela situação. Ninguém em sã consciência, né. Ela provavelmente não tinha os parafusos no lugar.

Cutuquei o ombro do homem musculoso e quando ele se virou para olhar, acertei com a minha direita de mão levemente aberta, escutando o maxilar destender e ele trepidar, batendo a cabeça perto da escada, a arma caiu com o ele e antes que o outro pudesse cogitar em sair para pegá-la, a maluca executou uma série de golpes complicados que eu só aprendi após muito treino na Ônix e o derrubou.

Ela suspirou e bateu as mãos.

― Ainda bem que apareceu! ― comemorou, pisando em um dos caras antes de passar. ― Eu estava tão indefesa... ― começou e eu podia sentir o sarcasmo em sua voz. Então, apenas cruzei meus braços, fitando-a com curiosidade. Ao passar do meu lado, seu braço esbarrou no meu. ― Desculpa! ― e andou na frente.

Eu não sabia o que perguntar.

Ainda mais quando notei a roupa que ela vestia. Uma saia curta e rodada, com meia calça e uma camiseta branca extremamente folgada, deixando a imaginação trabalhar. Ela era como uma peça rara e bem doida. E eu só parei de divagar quando ela se encostou no meu carro mais a frente.

Enruguei a testa ao me aproximar.

Olha... ― ela falou, apontando para a própria testa. ― Isso dá rugas precoces... Você vai me dar carona.

― Não vou, Srta. Chaves ― neguei veemente.

Ela assentiu, dando de ombros, os longos dedos foram ao decote e eu franzi, mais uma vez, o cenho. Mas resolvendo ignorar tudo aquilo, só deixei minha mão procurar a chave do carro.

A chave não estava ali.

O esbarrão.

― Senhorita...

Daiane bufou dramaticamente, apertando a chave automática. Seu corpo desconhecido escorregou para dentro do meu lindo carro..

―  Sem chiar. ―  reclamou  ― Temos que conversar muuuuuito

AGENTE KELLER - Ao seu dispor.Onde histórias criam vida. Descubra agora