3. Ir ou ficar

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Selene Haurn estava carregando um cesto de roupas limpas de volta para o quarto de sua senhora quando entreouviu uma conversa pela porta aberta. Sua ama, Elian Hammar, filha do último regente de Gondor, Darno Hammar, conversava com seu esposo, o jovem Maeron. Selene não queria ser pega ouvindo o diálogo; isso já acontecera uma vez e o resultado não fora nada bom. A moça ainda carregava as cicatrizes da chicotada que recebera do próprio Maeron; na parte inferior das costas, chegando perto de suas partes íntimas, de maneira que, se ela sequer ousasse contar para alguém, ela não seria corajosa o suficiente para mostrar o lugar onde recebera o castigo. Sua senhora a conhecia bem demais, mais do que ela imaginava. Selene se afastou depressa, decidindo rumar para o próprio quarto, deixar as roupas lá e só voltar para o quarto de Elian depois de um bom tempo. Faltava meia hora para o almoço, e sua senhora costumava ser pontual.

Selene deixou as roupas em cima de sua cama, dobradas. As peças exalavam um perfume doce. A moça, sem ter o que fazer até a hora de servir o almoço, optou por se arrumar um pouco melhor. Naquela manhã ela havia acordado com pressa, pois Elian começara a berrar do quarto ao lado, pedindo chás para que suas dores na barriga passassem, e desde então a jovem não havia parado um segundo sequer; Elian nunca a deixava em paz, mandando a moça fazer tudo que houvesse, desde limpar as janelas de sua casa até cortar a grama do quintal, embora essa sempre estivesse impecavelmente aparada. Elian não aguentava ver Selene sem fazer nada, não conseguia ficar um segundo sequer sem mostrar que tinha poder, que podia fazer o que quisesse com a sua servente.

Selene olhou-se no espelho. Cabelos pretos como uma noite sem lua, cortados na altura dos ombros e uma franja mal cortada que cobria sua testa, olhos tão pretos quanto, um pouco grandes demais, e um nariz afinado que se destacava por combinar com suas bochechas. Os lábios cheios se destacavam ainda mais. Pegando uma escova na penteadeira, Selene tentou domar o cabelo da melhor forma possível, mas nada adiantava com a franja. A moça amarrou uma fita no cabelo para que não ficasse caindo em seu rosto, especialmente quando ela ficava horas varrendo os salões de Minas Tirith.

A aparência estava apresentável o suficiente, e mesmo que não estivesse, já estava quase na hora do almoço, faltando quinze minutos. Selene correu para as cozinhas, pegando pratos, copos e talheres para servir no salão principal. As cozinheiras deram um bom dia rápido, sem se incomodarem em conversar mais, já que claramente Selene estava muito atrasada. Todos ali sabiam o que acontecia quando ela irritava Elian de alguma forma, embora Selene não tivesse conhecimento disso. Ela pensava que o que Elian fazia com ela era segredo, que ninguém havia notado, mas era exatamente o contrário. O problema era que os outros criados também não tinham o menor poder para se unir a Selene; provavelmente todos iriam acabar mal, por isso nenhuma ação era feita.

Elian chegou ao salão pontualmente ao meio dia, seguida pelo seu séquito de amigos e pelo próprio noivo. Maeron encarou Selene como se ela fosse uma pulga e a ignorou, tomando seu lugar ao lado da noiva, enquanto a própria Elian mal se dignou a olhar na direção da criada. Selene achava que era bem melhor assim; os olhos azuis de Elian a faziam congelar quando disparavam em sua direção, por isso ela achava uma benção quando sua senhora simplesmente fingia que ela não estava ali.

O almoço foi o mesmo de sempre: Selene esperava, à porta do salão, todos comerem, observando se sua senhora iria chamá-la, e só quando todos saíssem ela poderia comer, junto com as cozinheiras. Nesse dia em particular, a barriga de Selene já estava dando voltas ao ver os outros comendo, pois ela mesma não havia tomado o café da manhã. Elian geralmente esperava ela comer para começar os serviços diários, mas a infernal dor no estômago de Elian fez a serviçal perder a primeira refeição, e a senhora não estava com paciência para ser gentil com Selene depois.

Quase uma hora e meia após começarem a comer, Elian e os outros se levantaram da mesa, conversando e rindo. Selene estava tão concentrada em ocultar a fome diante daquele banquete que nem prestou atenção no que eles conversavam. Mas ela ouviu várias vezes as palavras "regente", "rainha" e "injustiça", a maioria delas pronunciada por Elian. Selene sabia vagamente o que isso significava: com a morte do antigo regente, Gondor estava sem ninguém no governo. O Conselho havia se reunido há poucos dias, mas ninguém sabia o que eles tinham decidido ainda, e aparentemente Elian também não. Apesar de ter quase 30 anos de idade, ela não tinha permissão de entrar no Conselho nem de saber do que se tratavam as reuniões.

A RAINHA DE GONDOR - Contos da Terra Média (Livro 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora