Capitulo Cinco

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O mundo pareceu então circunscrever-se àquele quarto. Ela conservou o olhar fixo em Alessandro. Era como se minúsculas estrelas de fogo dançassem no fundo das íris negras, executando evoluções hipnóticas, faiscando, apagando-se em um ponto e reacendendo-se em outro. A centelha de desejo brilhou tão intensamente no olhar de Alessandro, que Adrienne sentiu-se desarmada. Não pôde se impedir de estremecer. Fez mensão de retirar a mão do peito dele, mas Alessandro não permitiu. Cobriu-lhe a mão com a sua.
Esta retirando seu convite, Isabella?
Não  Ela sussurou-lhe quase sem voz.
O que houve então? Teve outro pensamento?
Adrienne quis se esquivar daquele olhar, daqueles olhos misteriosos que pareciam devassar-lhe a alma. Foi somente o orgulho que a impediu de recuar.
Sim  admitiu com simplicidade.
Alessandro notou que a mão dela tremia. Falou num tom quase terno, mas seus lábios curvaram-se em um sorriso zombeteiro:
Acaso está com medo, madonna?
Não existe motivos para se ter vergonha do medo. A única vergonha reside em fugirmos do que nos amedronta  Adrienne ergueu o queixo e sustentou o olhar. Fez uma pausa e acrescentou:  e não tenho intensão de fugir do senhor, messere.
Mas já fugiu antes.
Não do senhor.
Alessandro encarou-a, supreendido e um tanto aborrecido com a intensidade do ciúme que corria por dentro. Pois, aquele sentimento ia muito além da recusa, socialmente aceitável, de dividir sua esposa com outro homem. Tratava-se de um sentimento de posse pessoal, que encerrava algo de dor.
A mão dele deslizou para o pulso dela.
Onde esteve, Isabella?  a pressão no pulso de Adrienne aumentou.  Diga-me.
Não posso, não há mais nada a dizer a esse respeito  ela replicou, tomando fôlego.
Sabe o que acontece com as esposas infiéis, não sabe?
Adrienne reprimui um grito de dor quando Alessandro apertou-lhe ainda mais o pulso. De repente, o olhar antes ardoroso dele transformou-se em fria deliberação.
A espada do algoz está sempre de prontidão. Espero que não se esqueça disso, madonna.
A ira que transparecia nas palavras dele, glacial, inabalável, intimidou Adrienne. Olhou para o próprio pulso e em seguida tornou a fitá-lo.
Está me machucando.
Alessandro afrouxou a pressão dos dedos. Não a soltou, porém.
Não há necessidade de me fazer ameaças. Não lhe menti quando prometi ser uma esposa fiel.
Pois será a primeira vez que um filho da família Pulcinelli não mente ou trapaceia .  Dito isso, ele riu sem muita vontade. Depois seus olhos se estreitaram.
Algum dia, pedirá perdão por suas palavras  Adrienne declarou, a sombra de um sorriso passando por seus lábios.
É uma mulher valente, madonna... ou apenas petulante?
Espero que ainda viva muitos anos para encontrar a resposta para a sua pergunta.
Adrienne baixou o rosto, temendo que ele lesse em seus olhos as emoções as emoções que a assaltavam. Se ao menos Alessandro imaginasse quanto desejava que ele vivesse, quanto desejava lhe dar aqueles anos de vida roubados pela traição de Isabella...
Alessandro franziu o cenho. Flagara uma estranha inflexão na voz dela, como se houvesse uma mensagem velada em suas apalavras. Um sentimento inexplicável insinuou-se em seu íntimo, e se desvaneceu tão logo despontou. Ele segurou o queixo de Adrienne e sondou seus olhos castanhos. Todavia, aqueles olhos fitaram-no sem segredos, sem nenhum vestígio de hipocrisia. Neles havia apenas um sorriso silencioso, no qual Alessandro queria, absurdamente, acreditar.
Não consigo compreendê-la, Isabella  murmurou, e meneou a cabeça sentindo-se impotente, pouco acostumado que estava a ficar intrigado com as mulheres.
Terá a vida inteira para me compreender.
Ao ouvir a voz suave de Isabella, tão cheia de promessas, Alessandro deixou a mão deslizar pelo braço dela. Já esquecido de sua cólera, segurou-lhe a mãe e levou-a aos lábios, beijando-lhe as pontas dos dedos. Foi quando viu as marcas arroxeadas ao redor do pulso de Isabella. Foi tomado pelo remorso. Nunca anates marcara o corpo de uma mulher, exceto quando dominado pela turbulência da paixão. Como era possível que ele, que sempre se preocupara em proporcionar prazer às suas amantes, tivesse marcado aquela mulher antes mesmo que seu matrimônio se consumasse? Sentiu um princípio de raiva, dirigida a si mesmo por não ter sabido se controlar, dirigida a Isabella por força-lo além dos limites.
Adrienne obseervou a gama de emoções refletidas nos olhos dele. O medo que ameaçara dominá-la momentos antes dissipou-se. Ganhando coragem, ergueu a mão e afagou-lhe a face.
O gesto de Isabelle parecia tão espontâneo e verdadeiro, que comoveu Alessandro. Embora ciente de que tudo aquilo não passava de deliberada sedução, toda a sua raiva se esvaiu. Aprisionando-a com o olhar, beijou-lhe a palma da mão e aspirou o perfume de rosas que dali emanava, atiçando-lhe os sentidos. Depois sugou o néctar de seus dedos, um a um. Adrienne semicerrou as pálpebras, desfrutando a sensualidade daquela carícia. Seu abandono acirrou o desejo de Alessandro, e ele teve vontade de possuí-la ali mesmo, de pé, sem preliminares nem nada. A tentação era quase inresistível.
Soltou a mão dela. Seus dedos aferraram-se à colcha púrpura e desataram o nó que a sustinha. A colcha deslizou para o chão com um suave farfalhar. Por um longo minuto, Alessandro limitou a contemplar o corpo nu de Isabella, acariciando com o olhar a pele dourada e as curvas sinuosas que acenavam para infinitos prazeres. Ele estreitou-a nos braços fortes, puxou-a para si, suspendeu-a do chão.
Embalada pelo calor do momento, Adrienne não protestou quanto Alessandro a desnudou. Sentiu sua pele queimar ante o escrutínio dele e, antes que se desse conta do que estava acontecendo, as mãos fortes já a arrebatavam para si. Quando o membro rijo se comprimiu contra sua carne, Adrienne deixou escapar um gemido, num misto de surpresa, receio e deleite.
Alessandro, dominado pelo desejo, nada ouviu. Tudo o que ouvia agora eram os apelos de sua própria volúpia, o sangue correndo rápido por seu corpo, fazendo-o ter a sensação de que estava prestes a explodir de tensão. Mas, pressentiu o gemido abafado de Isabella. Já estava quase penetrando-a, quando se lembrou de que não era a satisfação solitária que buscava. Por alguma razão com que não atinava, queria algo mais daquela mulher, algo mais que apenas um receptáculo para a sua semente.
Coloque as suas penas em volta de minha cintura  disse com a voz rouca.
O que estamos fazendo?  Adrienne sussurrou, obedecendo.
As mãos dele escorregaram para sua nádegas.
Vou leva-la para a cama.
E foi o que ele fez. Deitou-se no leito, puxando-a sobre si. Adrienne sentiu o membro ereto roçar-lhe o sexo e estremeceu. Instintivamente, moveu os quadris devagar, na tentativa de recapturar o prazer que experimentara.
Eu te quero, Isabella.
As mãos de Alessandro erraram pelo corpo dela até que, com a ponta dos dedos, ele tocou a curva de seus seios. Aquele inexplicável sentimento que o subjugava era mais que um mero querer. Já desejara outras mulheres, mas nunca desse modo. Tinha necessidade de Isabella. Como se ela fosse seu ar, seu alimento. Tinha fome. E, logo que esse pensamento se formou em seu cérebro, Alessandro o rejeitou. Não permitiria que Isabella se assenhoreasse dele. Não se curvaria ao poder dela, pois isso seria o mesmo que dar as costas ao inimigo para receber uma punhalada à traição.
Tentou afastar-se dela. Adrienne, porém, ainda que permanecesse imóvel, atraiu-o de novo para si com uma força silenciosa. Quando Alessandro roçou os lábios nos seus, ela os entreabriu, encorajando-o a prosseguir, a fazer dela o que bem entendesse. Alessandro aprofundou o beijo, perdeu-se na doçura de sua boca. Sua boca, que tinha o gosto de um fruto proibido. A fome dele aumentou.
Adrienne lutou para não sucumbir ao sortilégio do toque de Alessandro. Sua consciência, ou o que ainda restava dela, relembrava-a de que não era Isabella di Montefíore, mas sim Adrienne de Beaufort, uma mulher vinda de outro lugar, de outro tempo. Com um princípio de pânico, ela se perguntou o que fazia ali, em meio àquela armadilha de forças sobrenaturais.
Mas então Alessandro aprofundou ainda mais o beijo, possuindo-a como se seus corpos já estivessem unidos. E, enquanto ele a inebriava com suas carícias, Adrienne repetiu a si mesma que escolhera aquele homem. Assim como escolhera pertencer a ele, e a mais ninguém.
Com um suspiro, entregou-se ao beijo, ofereceu-se a ele sem reservas. As mãos de Alessandro deslizaram por suas costas e trouxeram-na para mais perto. Seus corpos se amoldaram, Adrienne tornou a suspirar, convicta de que não existiria no mundo maior prazer do que aquele que desfrutava agora. Sem perceber, começou a corresponder ao beijo, entrelaçando sua língua à dele, provocando, tantalizando. Seu corpo ficou abrasado, suas mãos apertaram os quadris estreitos de Alessandro.
Com um movimento fluido, ele rolou para o lado. Separou-se de Isabella e apoiou-se no cotovelo. Ainda que seu corpo clamasse para se fundir ao dela, quis resistir. Mais um pouco. Só mais um pouco.
Adrienne entreabriu os olhos. Suas faces estavam coradas, seus lábios, úmidos com os beijos dele. Teve um arrepio ao ver o olhar de Alessandro pousado em seu corpo, incendiando-a com uma intensidade muda. Os olhos dele estavam enevoados, suas narinas fremiam levemente, sua respiração tornara-se pesada. Se Adrienne conhecesse a paixão de um homem, talvez tivesse ficado com medo. Mas, como não conhecia, afagou-lhe a face mais uma vez, desejando transmitir-lhe as emoções que a arrebatavam.
Ele segurou-lhe a mão e imobilizou-a.
Não me toque desse jeito.
Por quê?
Será realmente tão ingénua quanto aparenta, Isabella?
Ou não passa de uma atriz brilhante?
Ela estreitou os olhos, sem entender.
Mas não percebe que estou no limite de meu autodomínio? Se me tocar agora, eu a possuirei sem fazer caso de seu prazer.
Prazer? Adrienne guardava uma vaga lembrança das advertências da mãe a sua irmã mais velha, Antoinette, na véspera do casamento dela. Mas já fazia tanto tempo. Naquela época, Adrienne não passava de uma criança. Só conseguia se recordar que, naquele dia, sua mãe falara muito de obrigação e dor. Não fizera nenhuma alusão ao prazer.
 E, apesar disso, Adrienne estava certa de que não poderia existir maior prazer que o de abandonar-se aos beijos de Alessandro, sentindo a pele dele em contato com a sua. Quis expressar-lhe sua alegria, mas não encontrou palavras. Porém, quando Alessandro recomeçou a tocá-la, compreendeu finalmente o que ele quisera dizer quando se referira ao prazer. Compreendeu que tudo o que sentira antes fora apenas uma amostra de algo muito maior.
Ele acompanhou o contorno de seus lábios com a ponta dos dedos. Depois inseriu o indicador em sua boca, brincou com sua língua. Mas não ficou ali. Retirou o dedo úmido e correu-o pelo pescoço de Adrienne, descendo, descendo, resvalando o colo alvo, circundando a carne tenra dos seios. Aí ele se curvou para degustá-los.
O coração batendo desatinadamente, a sensação de vertigem aumentando, Adrienne arqueou o corpo, numa demonstração de sensualidade inconsciente que fez Alessandro arder de volúpia. Enquanto beijava-lhe o seio, deixou a mão vagar ao bel-prazer, mapeando-lhe cada curva, buscando novos pontos de sensibilidade para estimular, incitar, excitar. A mão deslizou pelas coxas bem torneadas dela e acercou-se de sua essência de mulher. Com um suspiro lânguido, Adrienne entreabriu as pernas, sem mais resistir.
Porém, em vez de tocar o sexo que ela lhe oferecia, Alessandro continuou palmilhando-lhe as coxas macias, subindo e descendo. Só quando Adrienne gemeu e se contorceu, fora de si, ele tocou as suaves pétalas que guardavam seus segredos mais íntimos.
Levantando a cabeça, Alessandro olhou a própria mão enquanto a acariciava. A excitação fez sua visão se turvar, sua garganta queimar.
Olhe para mim, Isabella  murmurou, e esperou que
ela abrisse os olhos.  Diga-me o que quer.
Eu... não sei  Adrienne respondeu, mas seus quadris moveram-se quase imperceptivelmente.
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Alessandro estremeceu. Perguntou-se, mais uma vez, se Isabella não o estaria ludibriando. Já se teria deitado com outro homem? Já teria enlouquecido outro amante com aquela sedutora combinação de timidez e abandono? A simples possibilidade de que ela houvesse se entregado daquela forma a outro homem fez Alessandro se enfurecer. Entretanto, ao invés de apagar a chama do desejo, sua fúria só fez reavivá-la.
Amparando-a Adrienne, ajoelhou-se diante dela. Momentaneamente distraída pela visão dos músculos salientes no peito moreno, Adrienne esqueceu-se de si mesma. O desejo tomou conta dela com redobrado ardor. Inclinou-se, roçou a face nos pêlos negros que se espalhavam pelo tórax de Alessandro, aspirou o cheiro dele misturado ao seu, embriagou-se de volúpia.
Depois levantou os olhos para ele. Viu em seu semblante indícios de ira, de suspeita, e soube que Alessandro tinha todos os motivos para temer Isabella. A outra Isabella. Mas não Adrienne. Adrienne, nunca. Impossibilitada de revelar-lhe a verdade por meio de palavras, tentou exprimir-se por gestos. Por carícias. E assim o fez, correndo as mãos pela coxas musculosas, indo e vindo exatamente como ele fizera. Quando Alessandro respirou fundo, parou e seu olhar procurou de imediato o dele.
Já a avisei para não me tocar.
Me desculpe. Sinto necessidade de tocá-lo.  A mão
de Adrienne expandiu-se em outra carícia.  Preciso lhe mostrar...
O quê?  Alessandro cobriu a mão dela com a sua.
O que precisa me mostrar?
Ah, havia tantas coisas que gostaria de lhe dizer! Coisas que nem sequer tinha verbalizado para si mesma. Coisas que nunca teria coragem de confessar. Ela meneou a cabeça, cheia de frustração.
Que eu lhe pertenço, Sandro.
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Ela então o abraçou. Com seu movimento, os dedos de Alessandro aprofundaram-se em seu sexo úmido. Adrienne gemeu, arquejando ao seu ouvido.
Incapaz de esperar mais, ele empurrou-a para o colchão. Beijou-a selvagemente, já antecipando o momento em que penetraria seu corpo. Posicionou-se sobre ela, sentindo que estava pronta, que o acolhia em cada suave tremor, em cada suspiro. Mesmo assim, imobilizou-se.
Olhe para mim  murmurou roucamente.  Quero ver
seus olhos quando a estiver possuindo pela primeira vez.
Adrienne obedeceu. Alessandro penetrou-a até sentir a barreira de sua virgindade. Então foi invadido por uma onda de alegria e de puro orgulho masculino. Emoldurou-lhe o rosto com ambas as mãos.
Agora sei que é minha, Isabella. Minha.
Afastando-se um pouco, ajoelhou-se entre as pernas dela,
suspendeu-a e amparou os quadris de Adrienne com as próprias coxas. Acariciou-lhe o sexo com a ponta dos dedos e penetrou-a.
Quando o sentiu dentro de si, Adrienne se retesou. Mas então os dedos de Alessandro começaram a excitá-la até a loucura. Mal se deu conta da pontada de dor que a atingiu quando ele rompeu sua virgindade. Seu corpo inteiro vibrava na cadência de uma desvairada melodia.
Por um momento, Alessandro esperou que ela se refizesse. Depois recomeçou a se mover. Forçando-se a controlar seus instintos, moveu-se devagar, muito devagar, com toda gentileza, de que era capaz. Talvez nunca fosse admitir para si mesmo, mas a verdade é que não desejava alçar aquele vôo solitariamente.
Suas carícias provocaram uma onda interminável de prazer em Adrienne. Um prazer nunca antes imaginado. Então, de repente, algo mudou. As sensações que lhe assaltavam o corpo transformaram-se em espasmos de agonia. Sem aviso, ela se viu lançada em um redemoinho de luz e sombra, espiralando, espiralando fora de controle... Consumindo-se, consumindo-se em um ritmo vertiginoso.
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Sandro?  sussurrou, estremecendo. De súbito, Alessandro era a única figura familiar naquele universo recém-descoberto, e Adrienne agarrou-se a ele quase com desespero.
Alessandro sentiu que ela estava atingindo o clímax enquanto murmurava seu nome. Desejou ter a dádiva de assistir ao gozo dela, tentou se refrear. Porém, Adrienne arqueava o corpo mais e mais, as paredes de seu sexo fechavam-se em torno dele. Alessandro não resistiu. Com um gemido abafado, que era tanto de triunfo quanto de rendição, explodiu dentro dela.
Queria sentir o corpo dela junto ao seu. Curvou-se e, deslizando os braços sob as costas de Adrienne, trouxe-a para mais perto, aninhando-a em seu peito. Enterrou o rosto nos cabelos dourados dela e estreitou-a, enquanto ambos eram sacudidos pelos últimos espasmos do orgasmo.
Mesmo quando uma sensação de paz veio aplacar sua inquietude, Alessandro soube que queria mais. Sim, a voracidade que antes o dominara estava saciada. E ele queria fazer amor com Isabella, hora após hora, sem mais pressa, até que os dois transbordassem de prazer e de satisfação.
Mas não tornaria a fazer amor com Isabella agora. Não agora, quando ainda a desejava com tamanha intensidade. Tinha que resistir à tentação de possuir seu corpo. Tinha que provar a si mesmo que aquela mulher não havia se tornado vital para ele em tão curto espaço de tempo. Precisava se assegurar de que era capaz de se abster das delícias que ela lhe oferecia.
No fundo, ele não a possuía novamente por uma razão muito simples. Não queria saciar seus apetites rudemente nela. Mas, assim como jamais admitiria aquela sua fraqueza, tampouco admitiria que sua única vontade agora era aconchegá-la em seus braços e olhá-la enquanto dormia, no interlúdio da paixão.
Apertando-o contra si, Adrienne descansou a cabeça no ombro de Alessandro
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Parecia-lhe que flutuava, os membros anestesiados, um sorriso louco pairando nos lábios. Por outro lado, tinha a impressão de que todos os seus sentidos se haviam aguçado. A realidade explodia em volta dela. O cheiro de Sandro invadia-lhe as narinas. As batidas do coração dele ribombavam em seus ouvidos. Passou a língua nos lábios e sentiu o gosto dos beijos dele. Fechou os olhos, embalada por uma deliciosa lassidão.
Depois ergueu o rosto e encarou-o.
Será sempre assim?
Toda a indiferença com que Alessandro procurara escudar-se desfez-se como uma nuvem de fumaça diante da expressão sonhadora de Adrienne. Antes que pudesse se impedir, suas mãos acariciaram-lhe os flancos e foram repousar nos quadris arredondados. Sorriu, roçando os lábios na fronte dela. Seu membro enrijeceu-se só de ele pensar em possuí-la novamente.
Teremos que tentar outra vez para descobrir, Isabella.
Agora?
Mais tarde.
Adrienne riu baixinho.
Agora.
A lembrança do prazer que experimentara com Sandro tornava-a mais atrevida. Ela, que nunca antes havia conhecido um homem daquela forma, agora queria mergulhar, queria submergir e se perder nos prazeres que só ele podia lhe proporcionar. Afinal, não era mais Adrienne. Era Isabella. Ou... Qual: era a sua verdadeira identidade?
Alessandro correu as mãos por sua pele nua, varrendo para longe as dúvidas que lhe martelavam o espírito. Adrienne moveu-se instintivamente de encontro a ele. Foi então que sentiu: seu corpo dolorido protestar. Deixou escapar um gemido.
Mais tarde  Alessandro reiterou, segurando-lhe os quadris e obrigando-a a se aquietar.
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Com todo cuidado, ergueu-a e deitou-a na cama. Isso, porém não abrandou seu desejo. Virou-se, lutando para recuperar o autodomínio. Deu-lhe as costas e apanhou uma toalha de linho para se limpar. Viu um filete de sangue em seu sexo parcialmente ereto. Para outros homens, aquela seria a prova irrefutável da virgindade de Isabella. E era por isso que os maridos geralmente defloravam suas mulheres como bárbaros. Para se certificarem de que haveria sangue suficiente nos lençóis. Porém, para Alessandro, tal prova já não era mais relevante. Ele sabia que Isabella viera intacta para seu leito.
Estava se deixando levar pelas emoções de novo, pensou alarmado. Precisava impor uma distância entre eles. Uma distância segura. Foi então até a mesa de bebidas e iguarias. Recostando-se a ela com displicência, escolheu uma pêra suculenta. Prometeu a si mesmo que não se dignaria a deitar sequer um olhar a Isabella. Seus olhos o desobedeceram, no entanto. Ela estava deitada de lado, encolhida. Os cabelos esparramados sobre seu corpo cobriam-na como um manto dourado.
Isabella conservava-se completamente imóvel. Porém, sem saber por que, Alessandro teve a certeza de que chorava. As lágrimas que as mulheres derramavam com tanta facilidade nunca o haviam enternecido até aquele dia, mas ele se viu compelido a estancar o pranto de Isabella. Deixou a pêra meio mordida sobre a mesa e apanhou um punhado de confetti, as amêndoas cobertas de açúcar que eram uma tradição em todas as cerimônias de casamento. Esquecendo-se completamente de sua decisão de manter distância de Isabella, voltou para a cama.
Adrienne sentiu Alessandro afagando-lhe os cabelos. Resistiu quando ele tentou fazê-la se virar. Afundando o rosto no travesseiro, fungou baixinho e tentou refrear as lágrimas. Em seu lugar, será que a verdadeira Isabella também estaria chorando? Perguntou-se, incapaz de abafar seus soluços.
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Quando Alessandro se afastara, deixando-a sozinha na cama com as lembranças de uma paixão compartilhada, será que a verdadeira Isabella também teria se sentido tão exposta, tão usada, tão descartada? Teria sucumbido às lágrimas?
Não chore.
Ele afagou sua longa cabeleira e beijou-a atrás da orelha. Ali, também, a pele dela exalava uma tênue fragrância de rosas. Esquecido de que sua intenção primeira fora consolá-la, Alessandro beijou-lhe a nuca. Depois a curva do ombro...
Já começava a fraquejar, degustando a textura da pele acetinada, adocicada como mel. O murmúrio de Isabella lembrou-o de que estava ali para reconfortá-la, de que não pretendera tocá-la daquele jeito. Endireitou-se, irritado com a situação que lhe escapava ao controle.
Não pensei que fosse mulher de chorar com tanta facilidade.
Adrienne captou a nota de censura e de irritação na voz de Alessandro. Enxugou o rosto rapidamente, virou-se para olha-lo. Sua voz ainda soava embargada, porém firme.
E estava certo. Não costumo chorar com facilidade.
De repente, pareceu-lhe terrivelmente importante que ele compreendesse isso.
Por que chorou então?  Alessandro indagou.
Dobrou as pernas e apoiou o queixo nos joelhos, esperando que Adrienne sorrisse, balançasse a cabeça, enfim, mudasse o rumo da conversa sem maiores consequências. Contudo, ela continuou a encará-lo, muito séria.
Como explicar a ele quanto precisava de seu abraço? Adrienne se perguntou.
Chorei porque queria que continuasse me abraçando... depois do que aconteceu entre nós.
E por que não me pediu?
Acaso teria me atendido?
Alessandro demorou um pouco a responder.
Não  admitiu com simplicidade.  Quando a viu dar-lhe as costas, segurou-a e forçou-a a encará-lo.  Eu não poderia abraçá-la sem possuí-la novamente.
Adrienne sorriu.
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É verdade?
Por que eu lhe mentiria ao reconhecer que não teria resistido à sua proximidade?
Ele soltou-a, virou-se para a parede e apertou os lábios com desgosto.
Adrienne sentou-se e recostou-se ao travesseiro. Quis tocá-lo, mas lembrou-se da advertência de Alessandro e deixou a mão no regaço.
Isso o deixa zangado?
Sim, que diabo.  Ele torceu o corpo e fitou-a, enfurecido. Já vira muitos homens pagarem caro por sua imprudência.  Afinal, é minha inimiga.
Sou sua esposa.
Ah, com efeito. E por quanto tempo acha que minha esposa  aqui, ele acentuou a palavra com um tom desdenhoso  esperará para me entregar a seus irmãos? Ou, talvez, a alguém que pague um preço mais alto?
Aquelas palavras atingiram-na como uma chicotada. Então Alessandro estava ciente do perigo. Ainda assim, fora voluntariamente ao encontro da armadilha. Mas era óbvio que ela, Adrienne, que não lhe desejava mal, não representaria uma ameaça para ele.
Nunca se esquecerá de que nasci no seio da família Pulcinelli? Será que não pode me aceitar pelo que sou?  inquiriu com suavidade.
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Pelo que é? Pois se não passa de uma perigosa sedutora. Como Dalila, que sustentou uma farsa até ter oportunidade de cortar os cabelos de Sansão e aniquilá-lo.
Ele enroscou no dedo uma mecha dos longos cabelos loiros. Sua mão forte então desceu para a nuca de Adrienne. E, porque Alessandro desejasse ardentemente acariciá-la, sua mão apertou ainda mais a carne dela.
É isso o que realmente pensa, Sandro? É só isso que vê em mim? Perfídia e traição?
Sem se acovardar, Adrienne espalmou a mão no peito dele. Alessandro quis protestar, mas, em vez disso, sua própria mão afrouxou na nuca dela.
Sei que é um homem corajoso. Corra o risco. Dê-me ao menos o benefício da dúvida.
Posso ser corajoso, mas não sou nenhum tolo, madonna. Tenho amor à vida e não gosto dessa espécie de risco.
Adrienne fez um gesto de assentimento. Por ora, teria de se conformar com o ceticismo dele.
Eu lhe provarei que sou digna de sua confiança. Não me importo de esperar.  Ela sorriu.  Enquanto isso, que tal fazermos uma trégua?
Alessandro estudou-a demoradamente. Não passava de um tolo, repetiu a si mesmo. Era evidente que, por trás daqueles olhos límpidos, escondia-se uma perversidade sem par. A despeito disso, queria acreditar em Isabella. De qualquer modo, não havia perigo em fingir que aceitava o jogo dela por uma hora, um dia. Que mal haveria nisso?
Ele apanhou um confeito do prato e levou-o à boca de Adrienne.
Muito bem. Uma trégua então. Veja, eu até lhe trouxe um presente para selar nosso acordo de paz.
Ela mastigou o confeito, os olhos fixos nele. Fascinada, viu-o oferecer-lhe outro confeito; dessa vez, porém, quando estava prestes a mordê-lo, Alessandro puxou-o de volta e abocanhou-o com um sorriso provocante, sugando o açúcar que ela havia mordiscado.
Será que pode me abraçar agora?  Adrienne perguntou, sentindo-se de súbito abrasada.
Está brincando com fogo, Isabella.
Sim, eu sei  ela murmurou, abrindo os braços para ele.

As Duas Vidas de Adrienne Onde histórias criam vida. Descubra agora