Capitulo Treze

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A consciência de que a vida de Alessandro estava em jogo renovou as forças de Adrienne. Sabia que, se demonstrasse medo ou fraqueza agora, só estaria colaborando para o êxito de Borgia. Assim, resolveu desempenhar o papel de esposa alegre e confiante do herdeiro do ducado de Siena.
Enquanto se encaminhavam para os assentos que lhes haviam sido destinados, Adrienne sentiu-se cada vez mais determinada. De repente, percebeu que já não precisava desempenhar um papel, pois estava realmente confiante.
As casas da praça haviam sido decoradas com bandeirolas festivas, cujas cores vivas sobressaíam nas fachadas de pedra marrom-avermelhada. Um palanque fora montado especialmente para eles, e ostentava um toldo com as cores dos Montefiore. Ao redor do Campo, espalhavam-se fileiras de bancos para acomodar os visitantes e membros ilustres da comunidade. A gente simples ficara relegada aos espaços atrás das barreiras de segurança que circundavam o local, e a tensão da massa espremida ali crescia a cada minuto.
Sobre o tablado, as cadeiras forradas de seda traziam o símbolo dos Montefiore: espadas cruzadas sobre um escudo axadrezado de azul e branco. Ao ocupar seu lugar, Adrienne sentiu orgulho. E, súbito, viu que tão importante quanto salvar a vida de Alessandro era assegurar que seu filho um dia o sucedesse.
Enquanto ela assim ia refletindo, uma voz elevou-se no burburinho da multidão:
E viva Montefiore! E viva il Duca!
Um coro ergueu-se repetindo aquelas palavras. O tributo repercutiu por toda a praça, amplificado pelas paredes de pedra do casario. O duque Francesco ficou de pé e levantou o braço em agradecimento. Em questão de segundos, a multidão se pôs a gritar "Alessandro, Alessandro!". E ele também se levantou, acenando para todos com evidente prazer. Seu plano funcionara até melhor do que tinha imaginado: Roberto, disfarçado de mercador, dera o primeiro grito e logo fora acompanhado pela multidão agitada.
Após um minuto, Alessandro ergueu o braço pedindo silêncio. Quando os brados cessaram, levou as mãos em concha à boca e gritou:
Agora às festividades!
A um sinal seu, o mestre de cerimônias ordenou que os tocadores de tambor fizessem soar seus instrumentos.
César Borgia olhou para o velh~ duque e fez um gesto de apreciação, entendendo muito bem qual era o propósito daquéle espetáculo.
O povo o ama, meu amigo  disse em seguida, virando-se para Alessandro.
Quando eu tinha quinze anos, fiz-me passar por cavaleiro e ganhei o palio para a contrada a que pertencia. Desde então...  Ele não completou a frase. Riu e encolheu os ombros com modéstia.
O sorriso de Borgia se alargou, encheu-se de amabilidade solicitude. Sim, ele pensou. Teria que agir com muito, muito tato. Alessandro de Montefiore estava se revelando ainda mais esperto do que a princípio imaginara. Não lhe seria tão fácil ludibriá-lo. .
A parada prolongou-se por um bom tempo, com as contradas apresentando seus melhores tocadores de tambor e portadores de bandeira. Finalmente, uma grande carroça puxada por quatro bois brancos adentrou a pista de areia, trazendo o Conselho dos Anciãos. O frenesi que tomou conta dos espectadores assinalava quanto estavam ansiosos para verem a corrida, à parte o genuíno respeito que devotavam aos integrantes do conselho.
Após alguns minutos a carroça terminou seu percurso e deixou a pista. Os cercados, que até então continham o avanço dos cavalos, foram abertos. Os animais, nervosos e agitados, foram conduzidos até defronte do tablado, onde ficava a marca que indicava o ponto de partida e de chegada. Os cavaleiros, cada qual envergando as cores de sua contrada, tomaram suas posições, empurrando-se uns aos outros na tentativa de garantir a dianteira.
Naqueles últimos instantes que precederam o sinal de largada, . houve troca de ameaças, insultos e gracejos entre os competidores. Armava-se uma cena tumultuada e rude, na qual prevalecia uma única regra: os cavaleiros estavam proibidos de tocar nas rédeas de outra montaria que não a sua. À exceção disso, a corrida era uma competição livre, sendo permitido aos cavaleiros lançar o chicote sobre os rivais ou as montarias destes e, inclusive, tentar derrubá-los da sela com empurrões, pontapés ou quaisquer manobras. Não raro, um cavaleiro era atirado ao chão e tinha que fugir às pressas para não ser pisoteado pelos cascos dos outros cavalos que vinham logo atrás. Também era comum uma montaria cruzar a linha de chegada com a sela vazia. Isso não invalidava sua vitória, pois naquela prova o que mais contava era a habilidade do cavalo.
Enquanto observava os animais alinhados, raspando os cascos no chão com mal contida violência, e sentia o cheiro do suor da multidão, Adrienne viu-se dividida na dualidade contra a qual sempre lutara. E seu pragmatismo francês foi varrido pela excitação quase sexual que ferveu em seu sangue, na antecipação da anárquica, selvagem corrida prestes a se iniciar.
Alessandro virou-se para ela. A expressão fascinada da esposa, seus olhos arregalados e algo desfocado, lembraram-no de que ainda havia muitas coisas sobre Isabella que ele ignorava, com as quais não atinava. De novo, as suspeitas rastejaram das profundezas de sua mente e voltaram à superficie. E, então, aquele novo sentimento que lhe preenchia o coração expulsou-as para longe. .
Ele pousou a mão no ombro de Adrienne.
Há algo errado? Sente-se bem, Isabella?
Não, Sandro, não se preocupe comigo. Estou ótima ela apressou-se em responder, afastando do íntimo o conflito que a deixara pálida e trêmula.
Adrienne sentiu-se, mais uma vez, dominada por uma crescente excitação. Nisso, foi dado o toque de largada.
Está tudo bem  ela reafirmou, respirando fundo e rezando para que aquilo fosse mesmo verdade. Dito isso, voltou-se para os cavalos que disparavam na pista. .
Com um farfalhar de sua túnica, Daria levantou-se do colchão de palha que ficava ao pé do dossel. A porta se abriu. Sua ama e o marido entraram no quarto.
A exaltação da corrida e o regozijo de ter dado a Borgia uma amostra do vínculo que unia os Montefiore e seus súditos contribuíam para alegrar o espírito de Alessandro. Quando fechou a porta, sentiu o perfume de rosas de Isabella; numa fração de segundo, sua exaltação e regozijo transformaram-se em ardente volúpia. Ele se deteve e atraiu a esposa para si. Logo percebeu quanto estava fatigada, e seu desejo deu lugar à preocupação.
Ficarei a seu lado até que durma  ofereceu-se, afa gando-lhe o rosto com a ponta dos dedos.
Adrienne balançou a cabeça.
Não é necessário. Vá descansar. Afinal, tivemos um longo dia.
Sim, foi longo. E muito bom também.
Alessandro sorriu e empurrou-a suavemente na direção da escrava. Sentou-se então em uma cadeira.
Adrienne evitou olhar para ele enquanto Daria a despia e lhe soltava os cabelos. Mas sentiu o olhar de Alessaridro acariciando-a de longe, com a ousadia do impensado. Toda a sua fadiga se desvaneceu como que por encanto, cedendo terreno para um imperioso desejo. .
Foi só quando se acomodou no leito que ela tomou a olhar para Alessandro.
Devo trazer um copo de leite para madonna?  Daria perguntou-lhe, puxando a colcha de seda.
Adrienne fez um gesto negativo.
Agora leve seu colchão para a antecâmara  ordenou, sem desviar os olhos do marido.
Nenhum dos dois notou quando a escrava apanhou o colchão e esgueirou-se para fora do quarto.
Estou com sede. Poderia servir-me uma taça de vinho, Sandro?
Com um meneio, ele encheu uma taça de vinho tinto. Ao aproximar-se do leito, viu que, embora ainda tivesse ar cansado, a esposa o encarava com um brilho convidativo no olhar. Sentou-se na beirada da cama, sorveu um gole de vinho e curvou-se sobre Adrienne. Cobriu os lábios dela com os seus, em um beijo que era a um só tempo sedento e refrescante. Repetiu o gesto uma, duas, incontáveis vezes, até que Adrienne estremecesse de prazer, embriagada pelo vinho e pela sensualidade daqueles beijos. A boca de Alessandro era a taça mais doce em que jamais bebera. Seu corpo latejou de desejo e antecipação. Sua respiração se acelerou. Suas faces ficaram coradas. Seus olhos enevoaram-se numa bruma de paixão. Os sentidos começaram a lhe pregar peças: parecia-lhe que flutuava, atordoada por uma poderosa poção afrodisíaca.
Mais vinho, tesoro? Alessandro perguntou-lhe com voz rouca, carregada de significado.
Incapaz de falar, ela limitou-se a assentir mudamente. E ele tomou a beijá-la com ardor, fazendo-a sentir o corpo em fogo.
Sandro... faça amor comigo...
Já estou fazendo  ele sussurrou e, levantando-se, despiu suas roupas sem, por um momento sequer, abandonar o olhar dela.
Quando a última peça caiu ao chão, Adrienne afastou a colcha e ajoelhou-se sobre o colchão. Desatou os cordões da camisola e desnudou-se também.
Porque seus instintos pareciam-lhe quase irrefreáveis, Alessandro obrigou-se a proceder com todo vagar. Sentou-se na beira da cama de novo e emoldurou-lhe o rosto com as mãos; deixou-as irem deslizando pelo corpo dela até pousarem no ventre que abrigava seu filho. A pontada de desejo que o atingiu foi tão aguda, que quase o fez retroceder, tamanho seu impacto.
Adrienne sentiu a volúpia dele, e o fogo em seu corpo ardeu ainda mais. Ela puxou-o 'para si.
Agora, Sandro. Agora...
Ele abraçou-a e entregou-se aos mais loucos desatinos.

As Duas Vidas de Adrienne Onde histórias criam vida. Descubra agora