Capitulo Três

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Sim. Minha esposa.  Alessandro confirmou, e sentiu uma pontada de desejo ao pensar que aquela mulher lhe pertencia.
Ele haveria de resguardar seu espírito e seu coração, pois nenhum membro da família Pulcinelli era digno de confiança. Isso, porém, não o impediria de possuir o corpo de Isabella e dar prazer a ambos...
Alessandro correu os dedos pelo colo alvo dela, tateando a carne macia, acariciando-lhe a nuca. Inclinou-se ligeiramente, e seus rostos ficaram muito próximos. Adrienne estremeceu.
No momento seguinte, seus lábios se uniram. Na boca de Alessandro, Adrienne sentiu o gosto de vinho frutado e amêndoas. E, ainda, outro sabor mais sutil, difícil de definir: o gosto da paixão. Uma paixão que se intensificava perigosamente e beirava a selvageria. Ela deixou escapar um gemido de protesto e ficou rígida. Alessandro reagiu automaticamente, desacelerando o compasso de seus próprios instintos para beijá-la com uma lentidão enlouquecedora. Adrienne fechou os olhos, acreditando que estava prestes a desfalecer.
Os lábios dele deslizaram por sua face, depois a língua. Alessandro inspirou o perfume de sua pele, que lhe recordava o perfume de rosas. Ele mordiscou-lhe o lóbulo da orelha, semicerrou as pálpebras, sentiu-se cada vez mais embriagado com a fragrância de rosas que atordoava seus sentidos.
O corpo flexível de Adrienne fundira-se ao de Alessandro, suas curvas suaves moldando-se à parede de músculos rijo suas mãos descansando na cintura estreita dele. Por um momento, Alessandro interrompeu o beijo para fitá-la. Adrienne descerrou as pálpebras, e seus olhos estavam enevoados pela paixão. Ele sorriu. Isabella podia ser boa atriz, mas agora era certo que não fingia. Alessandro conhecera muitas mulheres e sabia detectar os indícios inequívocos do desejo feminino.
As mãos dele escorregaram do pescoço para os ombros de Adrienne. Puxaram suavemente o tecido da camisola, que ficou deslizando pelos braços dela até revelar os seios nus.
Ao contato do ar frio com sua tez abrasada, Adrienne teve um arrepio. Alessandro afastou as mãos dela de seus quadris. A camisola deslizou para o chão. Adrienne suspirou quando tecido fino resvalou seu corpo como uma carícia.
Ela não teve tempo de raciocinar. Alessandro tomou-a nos braços e carregou-a até o leito. Adrienne permaneceu imóvel por um longo minuto, entorpecida na névoa do desejo que Alessandro lhe despertara. Observou-o mover-se pelo quarto com a graça de um felino. Ele atirou a corrente de ouro que usava sobre uma mesa. Enquanto desabotoava a jaqueta com fechos de rubi, apanhou um jarro de vinho, encheu uma taça de ouro e deixou-a displicentemente sobre a mesa.
Relanceando Adrienne, livrou-se das próprias roupas rapidamente. À visão de sua esplêndida nudez, que ele exibia com casualidade e sem a menor modéstia, Adrienne afinal caiu e si e deu-se conta de sua situação: estava deitada no leito núpcias de Isabella, nua, e dentro de instantes um estranho se apossar de seu corpo. Rubra de vergonha, sentou-se muito ereta e cobriu-se com a colcha de seda púrpura.
Quando Alessandro virou-se para ela, Adrienne ficou se fôlego, contemplando sua beleza máscula. Seu primeiro impulso foi baixar o rosto, mas não resistiu e fitou Alessandro. Ele apanhou uma maçã, enquanto com a mão livre segura a adaga, e acercou-se da cama.
Com o coração aos saltos, Adrienne acompanhou com olhar sua aproximação.
Inconscientemente, apertou a colcha contra os seios. A alguns passos da cama, Alessandro se deteve. Mordeu a maçã, mastigou devagar, seu olhar percorrendo as formas de Adrienne com fria insolência. Ela tornou a enrubescer, dessa vez de cólera.
De repente, com um movimento inesperado, Alessandro atirou-lhe a maçã. Automaticamente, ela soltou a colcha e estendeu as mãos para apanhá-la. A colcha escorregou para sua cintura, desnudando-lhe os seios. Tarde demais, Adrienne percebeu que essa fora exatamente a intenção de Alessandro. Indignada, arremessou-lhe de volta a maçã. Por pouco não o acertou no ombro.
Ele atirou a cabeça para trás e riu. Seu riso, de um timbre grave e rico, encheu o quarto. Sempre sorrindo, Alessandro avançou e sentou-se à beira da cama.
Deus seja louvado. Por um momento, eu temi haver desposado um ratinho assustado.
Como ousa...  Adrienne começou, mas de imediato se calou, sentindo a lâmina da adaga contra seu seio esquerdo.
Posso ousar o que bem entender.  Ele tornou a sorrir.
Seus olhos, porém, cintilavam com um brilho frio.  Eu a aconselho a não se esquecer disso, mia cara. Seu dever é aquecer meu leito e dar-me muitos filhos.
Assim dizendo, tornou a embainhar a adaga com desenvoltura e curvou-se para colocá-la debaixo do travesseiro.
Acaso está me ameaçando?  Adrienne perguntou.
Eu, ameaçá-la?  Alessandro arqueou as grossas sobrancelhas negras.  Por quem me toma? Por um bárbaro?  Ele segurou-lhe o queixo com infinita gentileza.  Não, Madonna. Não se trata de uma ameaça. É apenas um conselho amistoso.
Adrienne esqueceu-se de que não era Isabella, esqueceu-se de que aquele não era seu lugar nem seu tempo. Dominada pela raiva, afastou a mão dele de seu rosto com um gesto abrupto. Mais que depressa, Alessandro agarrou-lhe o pulso.
Encarou-a, furioso, é verdade, mas incapaz de esconder sua admiração. Aquela mulher era um mosaico de contradições. Decerto primava mais pela coragem do que pela sabedoria. Mesmo agora, quando seus dedos enterravam-se na carne dela com força suficiente para deixar marcas, a ira de Isabella não cedia lugar ao medo. Por que, então, ela insistia em fingir que era uma rapariga imatura, assustada com os rituais do leito conjugal?
Alessandro afrouxou a pressão dos dedos, mas não a soltou. Com o polegar, começou a acariciar a parte interna de seu pulso.
Calma  sussurrou-lhe, como se estivesse diante de uma fera prestes a ser domada.
Levou a mão de Adrienne aos lábios e cobriu-lhe a palma com beijos úmidos. Voltou ao pulso, onde seu polegar estivera, e mordiscou a pele sensível. Com o braço livre, circundou-lhe a cintura e trouxe-a para junto de si. Os seios de Adrienne comprimiram-se contra o tórax musculoso. Alessandro notou-lhe a respiração errática, o tremor que a arrebatava, e, inclinando-se, imprimiu uma trilha de beijos em seu pescoço.
Ele inclinou-se mais um pouco, forçou-a a estirar-se no colchão macio, imobilizou-a com o peso de seu corpo. Aí suas mãos, seus lábios, sua língua começaram a explorar todos os segredos de Adrienne, vagando na superfície da pele acetinada, perdendo-se em curvas e reentrâncias, embriagando-se com o cheiro adocicado de rosas recém-colhidas.
A pulsação de Alessandro se acelerou, mais rápido do que ele teria desejado, e os caprichos de seu corpo jovem roubaram-lhe todo o autocontrole. Inspirou profundamente e se forçou a refrear os instintos que ameaçavam dominá-lo. Apoiou-se no cotovelo e fitou Isabella. Inadvertidamente, seu olhar pousou no vale oculto entre as coxas dela, reacendendo-lhe o desejo. Os seios dela moviam-se na cadência de sua respiração, os lábios entreabertos pareciam um convite a beijos intermináveis.
Seu corpo inteiro, enfim, incitava aos maiores desatinos de que um homem seria capaz...
Adrienne tinha a sensação de estar flutuando. As carícias incandescentes de Alessandro haviam feito seu corpo vibrar, seus sentidos despertarem, a ponto de apagar de sua memória as palavras arrogantes que lhe dissera, a displicência do olhar dele, a adaga que lhe apontara.
Ela abriu os olhos e deparou com Alessandro fitando-a. Os olhos dele ardiam de volúpia, seu rosto estava transfigurado de excitação. Adrienne compreendeu então quanto Alessandro a desejava. E quanto ele estava perto de possuí-la definitivamente.
O pânico voltou a dominá-la. Ainda que aquele corpo não lhe pertencesse, como poderia permitir que um estranho o invadisse? Sim, pois apesar de Alessandro tê-la beijado, tê-la tocado e tê-la feito estremecer de prazer, ele ainda era um estranho.
Sem saber como encontrava coragem para afrontá-lo, Adrienne espalmou a mão em seu peito.
Alessandro?
Ele inclinou a cabeça e roçou os lábios em sua mão.
O que é?
Por favor... poderia esperar um pouco?
Ele franziu o cenho.
Esperar? O que está dizendo?
Adrienne tomou fôlego e, antes que perdesse a coragem, falou depressa:
Sim. Esperar para fazer amor comigo. Até que não se somos mais estranhos um para o outro.
Alessandro permaneceu estático. Seu olhar prendeu o de Adrienne por um longo, longo momento.
Vejo que não está gracejando  constatou, proferindo cada palavra com vagar.
Ela guardou silêncio. Seu olhar mantinha-se cativo ao dele.
Alessandro sentiu uma onda de cólera.
Cólera alimentada pela fúria de seu desejo, pela impossibilidade do pedido de Isabella. E por seu absurdo impulso de ceder à súplica dela.
Mas será que não compreende?  explodiu.  Nosso casamento deveria ter sido consumado perante testemunhas!
Ela continuou a encará-lo. O relato de Isabella reavivou-se em sua memória.
Alessandro me procurou cinco vezes durante a noite de núpcias e pouco me importei com os olhos invejosos que assistiam à nossa união. Eu vi o desejo estampado no rosto de Alessandro e tive certeza de que poderia torná-lo um escravo de meu corpo.
Adrienne ficou chocada ante a realização de que, se é que não estava vivendo um sonho louco, ela, Adrienne de Beaufort, já havia mudado a história de Isabella di Montefióre.
O que me diz disto?
As palavras de Alessandro ricochetearam em seu cérebro, trazendo-a de volta à realidade. Ele então guiou sua mão até o membro rijo. Adrienne estremeceu, sem saber que era pura volúpia que fazia seu corpo estremecer. Tentou retirar a mão, mas Alessandro não permitiu.
Responda-me! E o que me diz das testemunhas que virão amanhã para examinar nossos lençóis?  Ele empurrou a mão de Adrienne.  É óbvio que farão um exame especialmente acurado depois da pequena cena que promoveu esta noite!  Alessandro cerrou os punhos, lutando para não se descontrolar.  Acha que admitirei ser motivo de troça na cidade quando não encontrarem vestígios de seu sangue e de minha semente nestes lençóis?
Os olhos dele se estreitaram e rebrilharam.
Ou será que está tentando me evitar porque seu sangue virginal há muito já foi derramado?  Puxando-a pelos cabelos, ele trouxe-a para mais perto.  O que tem a dizer?
Havia desconfiança nos olhos dele quando me possuiu pela primeira vez. E sua desconfiança só desapareceu quando viu meu sangue manchando sua própria carne. Intimamente, eu me congratulei por minha astúcia. Fui sábia por resguardar minha virgindade durante os jogos amorosos que Piero e Alfonso me ensinaram.
Está me machucando, Alessandro.
Mas, em vez de soltá-la, ele segurou-lhe os cabelos com mais força.
Responda-me!
Acreditaria em mim se eu lhe afirmasse que sempre me conservei pura?  Adrienne sentiu um calafrio, ciente de estar dizendo a um só tempo uma verdade e uma mentira.
Jure!
Sim. Eu lhe juro em nome do primeiro filho que der à luz.  Ela ergueu o queixo.  Eu lhe juro em nome de nosso primeiro filho.
Alessandro soltou-a. Flexionou as pernas e abraçou os joelhos. Pensativo, estudou aquela mulher que agora era sua esposa. Estava completamente louco, censurou-se. Devia tê-la possuído logo, sem preliminares, sem dar-lhe tempo para comovê-lo com suas palavras e seus olhos da cor do âmbar. Agindo como agia, ele se tornava vulnerável à zombaria, à vergonha pública, à chantagem. Entretanto, mesmo enquanto assim refletia, Alessandro sabia que Isabella o havia derrotado. Adrienne acompanhou seus movimentos quando, sem dizer palavra, ele apanhou a adaga sob o travesseiro. Ela poderia ter entrado em pânico naquele momento; porém, uma espécie de sexto sentido lhe assegurava que Alessandro não lhe faria nenhum mal.
Firmando as mãos, ele passou a lâmina da adaga no próprio pulso. Calmamente, observou seu sangue gotejar no lençol e tingi-lo de vermelho. Adrienne ficou cabisbaixa, oprimida por um sentimento de inquietude, gratidão e culpa. Levantou-se e, com mãos trêmulas, pegou a camisola caída no chão. Rasgou uma tira do tecido e enrolou-a no pulso de Alessandro. Agora suas mãos também estavam manchadas de sangue. O sangue dele. Adrienne olhou para as próprias mãos. Era como se Ales-sandro houvesse lhe dado uma parte de si mesmo. E, doravante, ela sempre se sentiria inexplicável e irrevogavelmente ligada àquele homem. Apanhando a camisola rasgada, limpou o sangue de suas mãos e das mãos dele.
Obrigada. Muito obrigada.  Adrienne tocou-lhe a face, fitando-o intensamente.  Não se arrependerá disso.
Mal aquelas palavras saíram de sua boca, ela sentiu remorso. Como podia fazer semelhante promessa? Estava vivendo uma situação sobrenatural. A qualquer momento, a noite se encerraria tão inesperadamente quanto havia começado. Como podia fazer promessas que não seria capaz de cumprir?
Alessandro percebeu a sombra de dúvida e ansiedade que passou pelos olhos de Adrienne. Estava, porém, cansado demais para sequer pensar em interpretar as reações dela. Seus nervos tinham sido forçados até o limite máximo.
Para o seu bem, espero mesmo não me arrepender. Agora cubra-se antes que eu mude de idéia  acrescentou bruscamente.
Adrienne deitou-se, puxando a colcha até o pescoço. Alessandro deu-lhe as costas e estirou-se sobre o leito. Ela ficou contemplando-o, admirando seu torso bem torneado. E, embora não ignorasse que estava brincando com fogo, estendeu a mão para Alessandro. Precisava, de alguma modo, reafirmar para si mesma que tudo aquilo era real. Tocou então o ombro do esposo de Isabella. Ele se retesou, mas não a repeliu.
Sandro?
Ninguém me chama por esse apelido.
Ótimo. Então é assim que eu o chamarei. Boa noite.
Dito isso, Adrienne sorriu e acariciou-o de leve. Alessandro virou a cabeça ligeiramente.
Seu perfil ficou recortado contra a penumbra do quarto.
Não me toque, Isabella, a menos que queira me fazer um convite.
Isso é outra ameaça?
Ele percebeu o tom de gracejo na voz de Adrienne. A admiração e o bom humor varreram o que restava de sua cólera, e foi também em tom de gracejo que replicou:
Não,Isabella. Não é uma ameaça. Apenas outro conselho amistoso.
Enquanto jazia ali, os olhos abertos e o corpo tenso, Alessandro ouviu a respiração lenta e ritmada dela. Virou-se e estudou a mulher adormecida a seu lado. Com os cabelos esparramados sobre o travesseiro e os lábios entreabertos, Isabella mais parecia uma criança. Sua pele, branca como o alabastro, tinha um brilho translúcido que contrastava com a colcha. E, sob as delicadas dobras da seda púrpura, os contornos de seu corpo eram como as colinas e planícies de um território de delícias.
A urgência que tomou conta dele era tamanha, que quase quebrou a promessa que fizera a Isabella. Recostou-se à cabeceira, imprecando contra sua estupidez e seu tolo sentimentalismo. Contudo, fizera uma promessa. Selada com seu próprio sangue. Embora nunca fosse admiti-lo publicamente, seu senso de honra nivelava a promessa feita a uma mulher com o juramento de fidelidade feito a um aliado de guerra. Não podia voltar atrás.
Com o olhar fixo em Isabella, tocou o próprio corpo e concluiu a farsa da consumação de seu casamento.
Adrienne emergiu do sono assaltada por sensações pouco familiares. Abriu os olhos e notou que estava impossibilitada de se mover. A mão máscula e possessiva de um homem descansava sobre seu flanco, as pontas dos dedos resvalando-lhe o seio. As pernas dele entrelaçavam-se às suas, num contato bastante íntimo. Adrienne soergueu-se. O homem deitara a cabeça no travesseiro dela,e seus cabelos negros ocultavam-lhe parcialmente o semblante. Ao reconhecer Alessandro, Adrienne experimentou um momentâneo alívio. Logo a seguir,porém, seu coração disparou. Deixou a cabeça cair no travesseiro e fechou os olhos. Então a noite passada não fora um sonho.
As cenas desenrolaram-se diante dela com inegável veracidade ricas em sons, texturas e detalhes. Não, não fora um sonho.
E agora? O que fazer? O que fazer...? Aquela per reboava em seu cérebro e castigava-lhe o espírito. Não que poder oculto a havia trazido àquele lugar e àquele te mas era certo que não poderia ficar ali para sempre. Em à claridade difusa que se.filtrava pelas janelas cerradas, lembrou-se de tudo o que esquecera na noite anterior, do fora arrebatada em um turbilhão de sensações desencontradas.
Muita gente dependia dela. A viúva de Jean de Lambert a criança que se escondiam na câmara secreta morreria fome e de sede se não as resgatasse a tempo. E outras pe iriam ao castelo também, em busca de socorro. Se ela estivesse lá para acudi-las, cairiam nas garras do odioso Fabien.
Adrienne começou a se debater, lutando para se desveciliar de Alessandro. Ele murmurou algo ininteligível e estreitou sua mão fechando-se sobre o seio dela. Adrienne quedou-se petrificada, enquanto sucessivas ondas de d tomavam conta de seu corpo.
Fitou Alessandro. Sandro. Aquele homem não era um estranho que o destino colocara em seu caminho. Aquele um homem que ela conhecia por intermédio dos escrito Isabella. Um homem com quem partilhara seu leito nupcial
Ele exibia uma fisionomia, relaxada agora. Adrienne tocá-lo, gravar na ponta dos dedos cada traço daquele tão belo. Aí lembrou-se do que Alessandro lhe dissera que não deveria tocá-lo, a menos que tencionou fazer-lhe um convite...
Ela recolheu a mão. Mas continuou a olhá-lo. Será Alessandro sabia a sorte que o destino lhe reservava? Será que ele sabia que jamais teria filhos? Que nenhum de seus sonhos se concretizaria? Que o aguardava uma morte terrível, tramada por sua própria esposa?
Forçando-se a desviar o olhar dele, Adrienne esquadrinhou o quarto. Se ao menos conseguisse encontrar uma pista de como chegara até ali, talvez descobrisse um modo de voltar para seu castelo. Deteve-se no retrato de Isabella, contemplando-o como que hipnotizada.
Quanto mais o olhava, mais agitada ficava. Sem que percebesse, entrou numa estranha sintonia com o quadro. Teve então certeza de que existia uma ligação entre sua vida e a de Isabella di Montefiore. Sim, ali talvez se encerrasse a chave de todo o enigma. O retrato era o único elemento que subsistia em suas duas vidas. Provavelmente fora ele que a conduzira até ali. E, se assim fosse, então poderia reconduzi-la a seu tempo, a seu castelo.
Mais irrequieta do que nunca, Adrienne lutou para se desembaraçar de Alessandro. Novamente, ele murmurou algo e não acordou. Adrienne deslizou para fora da cama e fechou as cortinas. Virou-se para o retrato, depois, como se uma força invisível a atraísse, tornou a abrir as cortinas. Precisava olhar para Alessandro pela última vez. E assim o fez, com o coração pesado, já lamentando o fim trágico que o esperava.
Isabella...
Horrorizada, Adrienne ouviu a voz sonolenta dele. Queria ficar ali para vê-lo despertar. Queria ficar ali para ser a esposa de que ele era merecedor. Mas sabia que não podia. Silenciosamente, pediu-lhe perdão. Depois precipitou-se para o retrato.
Começou a tatear a tela, percebendo vagamente que sua superfície estava lisa, sem a aspereza que três séculos lhe haviam conferido. Suas mãos moveram-se a princípio devagar, enquanto se concentrava ao máximo. Nada. Ela começou a entrar em pânico, as mãos pressionando a tela quase com violência.
Isabella! Onde está?
A voz rouca dele provocou-lhe sobressalto. Quase sufocando de apreensão, Adrienne olhou para o retrato.
Por favor...  sussurrou, invocando o poder desconhecido que a havia transportado até aquele lugar.  Por favor, me leve de volta para casa.
As mãos dela moveram-se de novo sobre a tela.
Isabella?  Dessa vez o chamado foi mais alto, permeado por uma nota de irritação.
Adrienne detectou um movimento atrás das cortinas. O pânico paralisou-a. De repente, quando já não sabia mais como proceder, mergulhou em um abismo de sombras

As Duas Vidas de Adrienne Onde histórias criam vida. Descubra agora