Capitulo Dez

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Alessandro escutava o amigo Roberto Vanucci relatar sua última aventura amorosa enquanto cavalgavam de volta à cidade. Em seu íntimo ia crescendo uma inexplicável frustração, e mal prestava atenção à narrativa do companheiro. Não compreendia. Fizera um treinamento pesado com seus melhores homens e o resultado não poderia ter sido melhor. Então por que não estava satisfeito? Por que se sentia amagro e descontente? A ansiedade torturava-o, deixava-o com os nervos à flor da pele.
A causa disso só podia ser a inatividade forçada dos últimos tempos, justificou para si mesmo. E a perspectiva de continuar na inatividae durante as próximas semanas só piorava seu estado de espírito. Embora seu contrato para defender o papado ainda vigorasse, as chances de lutar eram muito, muito remotas. O mais provável é que seus soldados fossem permanecer ociosos, apreciando as paisagens campestres.
A Itália agora gozava um raro período de paz. Os rumores de que o rei Luís da Frnça estava planejando nova campanha na Itália eram exatamente o que eram: rumores, e nada mais. Alessandro sabia que só lhe restava, por ora, treinar os soldados durante o dia e providenciar-lhes vinho e prostitutas durante a noite para mantê-los calmos. Claro, a causa de sua insatisfação só podia ser aquele período de ócio forçado.
Entretanto, Alessandro mentia para si mesmo. E, no fundo, sabia disso.
Quando eu a raptei, seu pai e seu irmão aplaudiram à soleira da porta. Chegaram até a me acenar e desejar-me boa sorte  ia dizendo Roberto.
Eles... o quê?  Alessandro virou-se para seu tenente e franziu o cenho.
Roberto desatou a rir, colocando as mãos sobre o ventre.
Só queria ter certeza de que estava me ouvindo, Alessandro.
Eu estava ouvindo, ora.
Roberto tornou a rir. Inclinando-se, deu-lhe um tapinha no ombro.
Pode ser que sim. Mas seu pensamento estava muito longe daqui. Posso até adivinhar a causa de sua distração.
Alessandro endereçou-lhe um olhar enviesado e praguejou baixinho. Tinha que dar um basta naquela situação patética. Desde que entraranos aposentos de Isabella, na noite de núpcias, a imagem dela o perseguira sem trégua, povoando-lhe os pensamentos durante o dia e indo busca-lo em seus sonhos durante a noite. Sentia o cheiro dela aonde quer que fosse e, quando empunhava a espada, era a textura de sua pele que tateava na ponta dos dedos. O rosto de Isabella surgia-lhe diante dos olhos nos momentos mais inesperados. E ouvia-a murmurando-lhe palavras de amor que soavam como um sortilégio. Parecia viver a beira do sonho. Ou do pesadelo. Era uma agonia. Era simplesmente horrível...
Não entendo o motivo de seu conflito, Alessandro  Roberto disse, encarando-o com ar solidário.  Devia ficar contente, pois lhe deram por esposa uma linda mulher. Já imaginou se, em vez dela, lhe dessem uma megera gorda e vesga?
Mais uma vez, ele sesandou a gargalhar.  Para fazer filhos, teria então que colocar uma venda nos olhos e pensar nas meninas de Mona Diana!
Mas Alessandro não achou graça na brincadeira. Não confiava em Isabella, a despeito de sua aura de inocência, assim como não confiava em Piero e Alfonso. Não obstante, não conseguia ficar longe dela. Como explicar a Roberto que, em apenas algumas semanas, Isabella o dominara com um sentimento que ia muito além da simples paixão física? A perspectiva de perder o controle sobre si o aterrorizava.
Os olhos de Roberto brilharam travessos.
E, por falar em Mona Diana, o que acha de irmos visitá-la hoje à noite? Talves uma das meninas possa ajudá-lo a esquecer um pouco sua esposa. Se é que realmente deseja esquece-la...
Sim, é uma boa idéia. Vamos à casa de Mona Diana  Alessandro concordou sem muita convicção.
Na verdade, a ideia não o aprazia e não aliviou seu coração. As mulheres do bordel de Mona Diana eram bonitas, saudáveis e habilidosas. E ele não tinha vontade de se deitar com nenhuma delas...
Durante o trajeto até o palácio dos Montefiore, Alessandro acabou se convencendo de que talvez Roberto estivesse com razão. Talvez uma bela cortesã fosse tudo o que ele precisava para desanuviar o espírito.
Os dois atravessaram o saguão escuro e frio, suas botas ecoando no piso de mármore. Tiraram as capas e descalçaram as luvas, entregando-as aos lacaios que corriam para recebê-los.
E agora, Roberto, que tal uma taça de vinho e uma boa refeição após os labores do dia?  porpôs Alessandro.
Ele desapertou o cinto e foi se dirigindo para a escada. Estalou os dedos para um dos criados e pisou no primeiro degrau. Foi quando a viu.
Isabella estava parada no alto da escadaria. Acabara de retirar os cordões de pérolas dos cabelos, que reluziam em suas mãos como uma cascata de contas furta-cor. Ela não disse nada, mas sorriu-lhe e começou a descer as escadas.
Esquecendo-se de Roberto, das ordens que estava prestes a dar ao criado e de tudo o mais, Alessandro galgou a escadaria e deteve-se um degrau abaixo de Isabella.
Madonna  murmurou, cheio de remorso.
Não estava acostumado a ter aquele tipo de remorso e receou que a esposa detectasse a culpa que se escondia por trás de seus olhos.
Alegra-me encontra-lo, Dom Alessandro. Especialmente porque me parece muito bem-humorado hoje  Adrienne declamou, inclinando a cabeça de leve
Ele desviou o olhar para não sucumbir à tentação de arrancar o sorriso dos lábios dela com um beijo
Teremos o prazer de sua companhia para a ceia?
Não. Estou de saída. Roberto e eu temos certos assuntos a tratar.  Alessandro replicou secamente, irritado consigo mesmo por sentir necessidade de justificar sua negativa.
Sem se virar, tornou a estalar os dedos e passou por Adrienne. Sabia que, se ficasse ali mais um minuto que fosse, não resistiria à vontade de tocá-la.

As Duas Vidas de Adrienne Onde histórias criam vida. Descubra agora