Pesadelos de sangue e fogo

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Yin Kong Shi estava de guarda.

Era um trabalho que ele costumava gostar, apesar de tudo. Passou anos de sua infância treinando com espadas antes de descobrir que tinha magia e sempre se imaginou como um protetor para o irmão, guardando suas costas em batalha.

Mesmo assim, naquele momento, ele estava irritado. 

Sentado no telhado ele ainda podia sentir a presença da Rainha do Fogo dormindo tranquilamente no andar de baixo. Mesmo que ela tivesse as janelas fechadas ele ainda podia sentir o cheiro dela se espalhando pelo ar. Era tão diferente do que tudo costumava ser na tribo do gelo. Provavelmente era esse o motivo dele ficar tão perturbado. Shi decidiu que odiava flores tropicais.

A neve começou a cair naquele momento, se acumulando nos ombros de Shi. A pele dele era fria o suficiente para que ela não derretesse.

Naquele momento ele começou a prestar mais atenção aos seus sentidos, mesmo tentando ignorar tudo a sua volta. Foi por isso que percebeu a aceleração do coração da rainha abaixo de si. Podia ouvir a respiração dela ficando mais alta, até arfante. Ela começou a rolar na cama também, e ele pode ouvir o baque dos cobertores caindo no chão depois de um tempo. Ela provavelmente estivera soterrada por várias mantas antes. A respiração dela se acalmou novamente.

A neve ficou mais forte, acompanhada de uma neblina fina que estava deixando sua pele úmida. Havia gelo nos cílios dele.

Ele havia decidido manter distância, mas o pensamento de que ela estaria com frio não saia de sua mente. Ela não havia acordado para pegar os cobertores. Ele se perguntou se havia alguma chance dela ficar doente, mesmo sendo uma divindade poderosa. Ele mesmo já havia ficado doente quando era criança, mas KaSuo nunca havia pego um resfriado. Shi não teve mais nenhum problema depois que sua magia desperto, então ela também não teria.

Não era da conta dele se ela ficava doente ou não, de qualquer maneira.

Se ela estivesse mesmo com frio, acordaria a qualquer momento para puxar as cobertas.

Além disso, havia uma lareira acesa no quarto.

Ele escutou um novo suspiro dela, dessa vez um pouco trêmulo.

Shi suspirou com raiva. Desde quando ele era o tipo de homem que escuta o suspiro de mulheres escondido do lado de fora de suas janelas? Nem se ele mesmo tentasse conseguiria se colocar em uma posição tão humilhante novamente.

Mesmo assim, não pode deixar de notar que cada respiração dela indicava tremores. Ela estava congelando com a neve, mesmo tendo uma lareira dentro do quarto. Ele se deu por vencido.

Levantando de seu posto e batendo a neve que se acumulava nos ombros ele resolveu descer até lá. Bateria na janela e falaria para ela quão insuportável era escutar uma mulher tremer de frio. Quem sabe ela não ficasse envergonhada o suficiente para voltar para o reino dela.

Ele desceu, se enroscando no parapeito com uma mão e pousando os pés na sacada dela. A neve deixou o local levemente escorregadio, mas ele manteve a postura enquanto caminhava para a janela. Yin Kong Shi bateu levemente no vidro enquanto olhava pelo vidro.

Yanda já estava encolhida como uma bola, as mãos abraçando os joelhos finos e pálidos. Ela usava uma camisola longa de um tecido quente, mas ela havia subido o suficiente para que ele visse mais do que gostaria. Os lábios dela estavam de uma cor levemente azulada.

Ele bateu novamente no vidro, dessa vez mais fortemente. Ela não reagiu aos toques, mas ele pode notar que ela sonhava com alguma coisa. As feições passavam de sofrimento para preocupação, suas sobrancelhas se juntando e seus lábios apertando enquanto ela tremia e suspirava. 

Quando lágrimas apareceram em seus olhos ele resolveu abrir a janela e entrar no quarto. 

Ele sentiu a diferença de temperatura assim que entrou. Estava vários graus mais quente do que o lado de fora, por isso ele se apressou em fechar a janela para não deixar o ar frio de entrar. Depois, ele se aproximou um pouco.

- Majestade? - Ele parou a dois passos da cama.

Yanda se encolheu, mas não deu sinais de que despertaria. Ele se aproximou um pouco, colocando levemente a mão sobre o ombro dela.

- Yanda... - ele não sabia o motivo de ter chamado a Rainha pelo nome, mas o impulso o vez pronunciar daquela maneira.

Ela desatou a chorar, soluços quebrados como o de uma criança. Shi demorou apenas meio segundo para agir, colocando a mão no pescoço dela e a puxando para perto enquanto sentava na cama, carregando Yanda para seu colo. Ela acordou em algum momento e as mãos dela envolveram o pescoço dele enquanto suas lágrimas caiam em seus ombros. A vontade dele era de chorar junto com ela, por algum motivo que ele não conseguia entender Shi se sentia responsável por aquelas lágrimas. Ele pegou uma manta do chão envolveu Yanda, ainda em seu colo, tentando aquecê-la sem dizer uma palavra.

Não parecia certo falar nada naquela momento. Ele continuou passando a mão levemente por seu braço envolto no cobertor, consolando-a da mesma maneira que a mãe dele faria com ele quando era criança. 

As lágrimas dela pararam de cair aos poucos, tornando-se um choro silencioso. Ele enxugou todas que conseguiu depois que ela soltou seu pescoço, com seu coração um pouco mais leve ao ver que ela se acalmava. Mesmo assim, ela não fazia nenhum movimento para se afastar dele, como se ainda estivesse parcialmente desacordada. 

- Yanda... - falou Shi novamente, imediatamente se repreendendo por chamá-la pelo nome. Não tinham intimidade para tanto, e ela era uma rainha. 

- Tudo bem. - Disse ela, como se lesse os pensamentos dele. - Por essa noite, tudo bem. 

Ele relaxou e a abraçou mais forte, apoiando o queixo no topo de sua cabeça. Ele sabia que iria se arrepender na manhã seguinte, mas no momento aquilo parecia certo. Parecia correto. Um lugar onde ele deveria estar. Ele não deixaria ela sozinha noite a dentro por nada no mundo.

Nenhum deles contou o tempo que passaram assim, mas o sol logo começou a surgir no horizonte. Shi percebeu que as luzes da manhã refletiam nos olhos de Yanda em uma cor de ouro derretido, como se a íris dela respondesse diretamente à luz no qual se encontrava.

Ele provavelmente nunca havia visto nada tão bonito quanto aquela mulher pela manhã.

- Você deveria ir. - Disse ela, finalmente. 

- Eu deveria. - Concordou ele.

Nenhum deles fez nenhum movimento ainda por um longo tempo.


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