Verdes com pontos castanhos e dourados

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A garganta de Shi estava fechada, como se uma corda estivesse pressionada sobre ela. Era somente uma sensação, mas ele não podia evitar de passar as mãos pelo pescoço a cada minuto. A chuva havia começado há algum tempo e ele havia andado por quilômetros a fio - e nem um sinal de Yanda em lugar algum. 

A mente dele já havia imaginado milhares de finais horríveis para aquela história. Ele a encontraria ferida, provavelmente a beira da morte, e não poderia fazer nada a respeito. Esses pensamentos deixavam a corda imaginária cada vez mais apertada. O frio a faria ainda mais fraca do que já estava - e ele nem lembrava se ela havia comido alguma coisa no dia anterior. Ela havia se alimentado? Ela estava extremamente magra, provavelmente esgotada pela falta de magia, provavelmente morrendo de frio. Literalmente, morrendo. 

Shi subitamente ficou com raiva. Uma raiva pungente e gritante. Mesmo que ele tivesse falado algumas coisas duras para ela, ela poderia pelo menos ter revidado. Sair pela mata, sozinha, em um dia de chuva com a temperatura caindo era a opção mais absurda para uma criatura da tribo do fogo. Era estupidez. Tudo isso para esconder fosse lá o que ela escondia desesperadamente. 

Seus pensamentos foram cortados quando ele avistou uma caverna. Escondida o suficiente para ser um abrigo seguro durante a tempestade, seca o suficiente para uma criatura do fogo ficar longe da chuva. Mesmo assim, a corda em seu pescoço ficou duas vezes mais apertada e ele sentiu um arrepio na coluna, endurecendo sua postura. 

Alguma coisa estava errada.

Shi subiu rapidamente pelas pedras, pulando com facilidade para dentro da caverna. O cheiro de fumaça de um fogo recente foi sua primeira percepção, o fazendo relaxar um pouco. O segundo cheiro foi o de morte. E sangue. 

Um corpo estava esticado no fundo da caverna e Shi sentiu todos os seus nervos dispararem como flechas. Suas pernas se moveram sem comando, sua mente fria e limpa como gelo. Suas mãos tocaram no corpo, levantando sua face para que ele pudesse ver algo com a pouca luz.

Um homem.

O fogo correu pelas veias de Shi, algo que ele jamais imaginou que fosse acontecer. Ele se afastou rapidamente, caindo sobre os próprios joelhos. Seus olhos rapidamente ficaram turvos enquanto o ar finalmente saía de seu pulmão. Suas mãos estavam tremendo, e entre os dedos haviam pequenas chamas trepidantes - fracas, quase arredias, mas vermelhas e luminosas. 

Ele só notou que estava chorando quando o primeiro soluço escapou por sua garganta. 

Reconheceu o homem como sendo Fênix. 

Ele precisava achar Yanda. E rápido.

***


"Talvez eu devesse desistir dessa necessidade de... existir, sabe?" Resmungou Yanda, numa voz praticamente inaudível "Existir como algo além da minha essência, esse tipo de coisa. Seria mais fácil, sabe, o fogo... só consumir, entende? O calor vem da arte de consumir a coisa toda, destruir pra gerar energia, é isso. Acabei de fazer isso, é algo que eu posso fazer, então eu existo para isso, certo? Se eu não pudesse fazer, seria outra existência, mas você simplesmente nasce para esse tipo de coisa, sabe? Isso vem com você, do berço. Tenho quase certeza que eu destruí o meu berço... só estou provando meu ponto..."

Ele estava andando, sem rumo algum, há algum tempo. As ideias começaram a sair de sua mente e serem verbalizadas há algumas horas atrás. Parecia fazer sentido falar em voz alta, já que ela nunca tinha feito aquilo antes. Nunca tinha sugado a existência de ninguém antes daquele dia também. 

"Na verdade, eu suguei a existência do meu rei, entende? Mas era pra acontecer, foi o que eu combinei com a chama... e sempre foi assim mesmo, todos os reis chama sugaram o próprio poder do que veio antes, sabe? É normal, mesmo eu querendo falar que eu sou diferente, só falar não adianta muito, eu vou ali e faço as mesmas coisas, isso não me torna igual?"

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