Ice Fantasy - recall

Bastardos e Planos

Yanda se olhava no pequeno espelho e estava bastante surpresa com o que via. E não de uma maneira boa.

Seu rosto estava murcho. Para ser sincera consigo mesma, ela nunca se sentiu tao mal com sua aparência em toda sua vida. Nunca ligou muito para o modo como se parecia, mas a aparência que tinha no momento era... doente. Estava magra, extremamente magra. Suas bochechas tinham sumido e agora tudo que restava eram covas profundas, alem de seus olhos parecem cavernosos e sua boca demais para o conjunto. Sua magia jamais a deixava esmaecer, tê-la debilitada tinha custado muito mais do que ela esperava.

Alem disso, suas roupas tinham caído dela quando ela foi tomar banho. Ela se sentiu como um cabide que tentava pendurar uma roupa grande demais. Seus seios haviam diminuído e ela conseguia ver todos os ossos de seu colo, suas costelas e clavícula. Como um esqueleto.

Ela desviou o olhar do espelho com um tremor, se vestindo rapidamente com as roupas novas que havia ganhado, se apressando para fazer tudo isso antes de Shi acordar.

Shi estava a dois metros dela, completamente apagado. Assim que eles chegaram na tribo uma senhora providenciou um quarto para eles e, na sequencia, um jovem trouxe uma banheira pequena completa de gelo. Pequena o suficiente para as canelas de Shi ficarem para fora. Como haviam se apresentado como casal eles haviam ganhado um quarto só, e Yanda ficou responsável por cuidar do príncipe, tirar sua roupa e jogá-lo na banheira. O rapaz que trouxe-a ali felizmente ajudou e pareceu não reparar em como Yanda tentava manter os olhos em um local respeitável enquanto mexia em seu "noivo", como haviam sido apresentados por Nana. 

Depois disso o jovem lhe entregou um balde de água fervendo, felizmente, e disse que ela poderia se banhar. E saiu, deixando-a a sós. Ela fez o que pode o mais rápido que podia, usando a água que ele lhe entregou junto com um pedaço de pano e um sabão com cheiro duvidoso, mas limpo.

A sensação, no fim, era boa, mesmo que não tenha lavado os cabelos como queria. Olhar no espelho, entretanto, a deixou perturbada. Ela percebeu que as roupas que haviam dado a ela cabiam melhor nela do que as antigas, que ela jogou fora. O rapaz havia deixado roupas para Shi também. Ela mesma deu um fim nas roupas antigas deles, se elas fossem limpas era possível que alguém reconhecesse elas como finas demais para pertencerem a dois andarilhos, e qualquer risco era evitável quando ele estavam ambos fracos e sem magia.

Yanda sentou na cama, a única do quarto que eles teriam que dividir, e olhou para Shi. O peito dele subia e descia levemente, parecendo mais calmo do que a urgência que ele enfrentava todo dia para respirar. Seu rosto também parecia mais saudável, perdendo a aparência enjoada e amarelada, migrando para um tom mais claro e rosado.

Ela levantou novamente, se aproximando. Ele parecia em paz, mesmo coberto de sujeira e dentro de uma banheira pequena demais. A rainha decidiu fazer um favor a ele, antes que o gelo derretesse completamente. Pegando a cadeira que havia no quarto Yanda se sentou atrás dele, deixando-o apoiar a cabeça, que pendia frouxa, em suas pernas. Depois, pegou o pedaço de sabão e o pano e começou a limpar seu rosto com cuidado, evitando que a espuma entrasse dentro dos olhos. Ele tinha bem mais água do que ela, por isso ela esfregou seus cabelos brancos até eles voltarem a ser brancos, mesmo que o sabão os deixasse um pouco duros demais. Ela enxaguou com cuidado, demorando-se para desembaraçar cada mecha depois de dias sem nenhum cuidado.

Ela percebeu quando ele acordou. A respiração dele mudou levemente, e ela viu os dedos dele se contraírem quando ela passou os dedos por seu couro cabeludo. Mas Yanda não disse nada, só continuou o que estava fazendo pacientemente. Shi provavelmente sabia que ela havia notado seu despertar, mas também se manteve em silêncio. 

Eles ficaram assim por tempo suficiente até a água perder todos os cubos de gelo. A água gelada havia deixado os dedos dela vermelhos, mas ela não se importava. Yanda queria fazer tranças naquele cabelo branco e longo, queria decorá-lo com todo tipo de pedra quando fosse possível. Shi estava sendo sincero quando disse que as mulheres brigavam por sua atenção, ele realmente tinha um ar delicado diferente de qualquer outro imortal. Ou talvez aquilo fosse somente a percepção dela, depois de todos aqueles anos guardando-o em seu coração. Tudo nele parecia intocável, imaterial.