As vozes dos amigos lhe chegavam aos ouvidos como ecos distantes, enquanto olhava a paisagem passar preguiçosa pela janela do vagão. Sentia a cabeça leve demais e de certa forma se acostumara com aquela sensação estranha, afinal desde o término do ano letivo anterior passara a se sentir dessa forma.
Pela milésima vez tentava encontrar o fio perdido, mas não o achava. Aquela tarde em que Harry a encontrou adormecida na biblioteca depois de horas considerada desaparecida era um branco em sua mente. Tentara retirar todas as informações dos amigos sobre aquele dia, mas nada a ajudava. Tinha esperanças de que agora, voltando ao castelo, algo pudesse a fazer entender.
- Está pensando no último dia de aula de novo, né? – Era Gina, delicada como sempre, encostando em seu ombro. Olhou para dentro do vagão, percebendo que todos estavam calados a encarando, sentiu-se estúpida.
- Desculpem... mas sim.
- Você não precisa se desculpar Hermione, mas acreditei que você tivesse superado isso. – Harry sorriu.
- É difícil superar algo que não se entende. Eu apenas queria entender. – No seu intimo sentia que algo muito importante a estava escapando, mas não fazia ideia do que era, o que a angustiava ainda mais.
- Você ficou muito estranha ano passado, quer dizer.. nos últimos meses. Mudava de humor com facilidade e estava mais ausente. Estava até normal você sumir por horas e sabe, a gente já tinha desistido de entender. – Rony ficou vermelho com a cara infeliz que ela fez para ele, mas continuou. – Você podia desistir de entender agora também.
- Tentei as férias inteira, mas não deu certo. – Suspirou. – Lembro do meu ano letivo inteiro, só não lembro desse dia. O último dia! Por quê?
- Obviamente você foi vitima do obliviate amiga. – Gina disse simples, o que assustou os meninos, mas não a Hermione.
- Sim Ginny, cheguei a essa conclusão também, como lhe disse nas cartas, mas por quê? E quem faria isso comigo?
- Hermione, você disse que se lembra do ano letivo todo? – Harry a olhava intrigado.
- Sim, por quê?
- Porque não é bem assim. Comentei sobre você até dormir fora da Grifinória mais de uma vez e você riu dizendo que estava louco. Também sobre ter brigado comigo e Ron mais de algumas dezenas de vezes por nada e sumir em seguida também. Disso você não se lembra. – Ele não a estava acusando, mas ela se envergonhou mesmo assim.
- Oh! Você reafirmou com muita ênfase.. eu realmente não me lembro.
- Então não se lembra do ano letivo todo. – Rony concluiu.
- Lembro-me das aulas, todas! Lembro dos almoços e conversas. Lembro de todo nosso esforço contra Umbridge, Armada de Dumbledore, a Batalha da ala dos Mistérios, até porque tenho as cicatrizes.. – todos ficaram muito sérios, aquele dia havia sido o pior para cada um deles.
- Talvez seja consequência da batalha! – Rony exclamou com os olhos brilhando. Hermione sorriu desanimada.
- Por que eu iria esquecer apenas um dia?
-Hermione, é apenas um dia!
- Gina, um dia que eu sumi e apareci dormindo no local que fora o primeiro que foram me procurar e não me encontraram?! Há algo de muito estranho nisso.
- Tudo bem Hermione, mas há algo que você deveria se preocupar agora que é mais urgente.
- O que Ron? – Do que ela estava esquecendo desta vez?
- Temos reunião daqui 20 minutos sobre nossas primeiras tarefas como monitores. – Ele falou aquilo com orgulho.
- Oh! Preciso colocar uniforme.
Então ela pegou seu malão que estava encostado perto de suas pernas o abriu e tirou o fardamento cuidadosamente dobrado desde duas noites atrás. Saiu meio apressada em direção ao banheiro mais próximo para que pudesse se trocar.
Vacilou um milésimo de segundo quando, próximo das portas do banheiro unissex, avistou um rapaz loiro olhando pela janela com as mãos nos bolsos de sua capa, de costas para ela. Rezou para que ele não percebesse sua presença, não queria ter que lidar com Malfoy antes mesmo de chegar a Hogwarts. Talvez se fosse nas pontas da sapatilha sobre o carpete conseguiria passar por ele e fechar a porta do banheiro antes que ele desse conta da sua presença. Mas Hermione sempre soube que sorte era algo que corria dela como formigas fogem da água.
-------
Draco Malfoy estava absorto olhando a paisagem pela janela daquele corredor já havia mais de vinte minutos. Com a desculpa de que precisava se trocar, foi até o banheiro mais longe do seu vagão apenas para poder fugir de todo aquele barulho e conversas sem sentido. Eram as mesmas conversas de todos os anos e ele sempre fora muito feliz em participar de cada uma delas, inclusive a parte dos preconceitos e como seria realmente bom que os boatos fossem reais, que fosse verdade o retorno do Lord das Trevas.
Mas ele já não era mais o mesmo garotinho dos últimos seis anos e talvez pelo fato de os boatos serem reais isso agravava ainda mais sua mudança intima. Sentia-se tão cansado e havia ainda tanta coisa a se fazer. Precisava voltar para seu vagão, precisava começar a criar suas desculpas e precisava disfarçar melhor seu estado de ânimo, mas não tinha a menor vontade de nada.
Respirou fundo e seu corpo instantaneamente travou. Seus pulmões não o trairiam e só por isso forçou os olhos para o vidro da janela e pode verificar que era verdade. Hermione Sangue Ruim Granger estava atrás dele, aparentemente andando devagar em direção ao banheiro, talvez, quem sabe, na esperança tola de não ser percebida por ele. Poderia dar essa colher de chá para ela e fingir que não a percebeu, mas um momento daquele seria ímpar demais para deixar passar.
- Percebeu finalmente que é como ratos e passou agir como eles, Granger.?- Draco nem se deu o trabalho de olhar para trás, até mesmo porque, não queria que ela visse seu rosto, seus olhos. Ela arfou.
- Por que não fez de conta que não me viu, Malfoy? Não seria mais fácil? – Ela cruzou os braços na defensiva, apertando seu uniforme contra o peito, sentindo o coração disparado.
- Mais fácil? Em qual mundo paralelo eu facilitaria as coisas para você? – Ele continuava de costas para ela, coisa que a estava irracionalmente irritando.
- Talvez no mundo paralelo dos mais doces sonhos, naquele em que você nem existe.
Hermione deu de ombros e resolveu acabar com a distância entra ela e o banheiro, não esperando nem desejando ouvir qualquer nova ofensa vinda de Malfoy.
Deu certo, pois quando finalmente conseguira encostar a mão no metal frio da fechadura da porta ele ainda não a tinha respondido, porém o sentiu passando atrás de si e instantaneamente sua nuca queimou. Não entendeu o silêncio dele, mas a dor apenas deixava claro como a presença daquele garoto a estressava demasiadamente.
Draco Malfoy voltou finalmente para seu vagão sentindo-se uma arroba mais leve, ignorar Granger era algo ao qual ele não estava treinado, mas conseguir fazer isso apenas lhe provou que estava ficando bom em ser frio e controlado, o que era essencial em seu novo posto. Mas o que estava mesmo o deixando menos amargo era o fato de, na verdade, não ter ignorado tanto assim, afinal um feitiço fora lançado e apenas mais tarde seu efeito seria sentido.
Chegou a sorrir com a ideia, afinal, a pobre garota, sem querer, o havia lhe dado a ideia, e começara a perceber alguma vantagem em ser um dos primeiros menores de idade a receber aquela tatuagem de mal gosto no braço esquerdo, passar aprender tipos de feitiços antigos, pouco usados, mas com grandes poderes.
Talvez aquele ano pudesse ser um quinhão menos pior.