Capítulo XVII

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No dia seguinte acordou passava pouco das 11, pensou em ligar de imediato para Beatriz, queria ouvir a sua voz, mas acabou por lembrar-se que em Lisboa passava pouco das 7 da manhã, ligou então para a recepção do hotel e pediu que lhe levassem o pequeno-almoço ao quarto, informaram-na que iria demorar mais ou menos 20 minutos, aproveitou esse tempo para tomar um duche, quando saiu da casa de banho abriu as cortinas e a janela estava um calor incrível e a praia estava cheia de gente, bateram na porta do quarto com o pequeno-almoço, após comer, pensou que iria acordar Beatriz só para lhe mandar um beijo.

A chamada tocou varias vezes, e quando Sílvia estava prestes a desligar ouviu do outro lado uma voz muito ensonada.

- Estou? Ai porra este telemóvel não é meu. – desligaram a chamada.

Sílvia gelou ficou a olhar para o telemóvel tinha ligado para Beatriz mas não tinha sido ela a atender, ficou ali sem saber o que pensar.

Instantes depois o telemóvel tocou, era Beatriz.

- Querida bom dia desculpa.

- Quem é que atendeu o telemóvel?

- Ah, tenta entender, fiz merda bebi demais ontem a noite, eu não queria que nada disto acontece-se.

- Ó pá vai a merda! – Sílvia desligou o telemóvel.

Reconhecia aquele sentimento, lembrou-se de entrar no quarto de sua casa e ver Paula deitada ao lado de um homem.

Num acesso de raiva pegou no tabuleiro onde estava os restos do pequeno-almoço e atirou contra a parede.

O telemóvel voltou a tocar era Beatriz novamente, rejeitou a chamada e desligou o telemóvel.

Silvia levantou-se da cama e olhou-se ao espelho não reconhecia a expressão que via no espelho era uma mulher de semblante triste, desgostoso mas acima de tudo carregado de uma desilusão de tudo e de todos, sentiu-se só e as lagrimas começaram a percorrer-lhe o rosto a revelar-lhe as rugas que teimavam em aparecer.

Começou a questionar o seu discernimento em relação às escolhas que tinha feito durante a vida, porque estava ali agora, porque tinha deixado Beatriz sozinha em Lisboa, se não tivesse vindo nada disto tinha acontecido, a culpa seria dela?

- Não – disse em voz alta – nada disto é culpa tua, ela é que escolheu ir para a cama com outra!

Respirou fundo, limpou as lagrimas despiu o robe que tinha e viu o seu corpo nu em frente do espelho, pela primeira vez na sua vida sentiu vergonha de si.

Mas nesse instante uma brisa marinha fez mexer as cortinas e entrou no quarto uma excecionalmente bela borboleta, pequena, com asas de um lilas e azul que nunca antes tinha visto, pousou em cima do espelho ao lado do reflexo do seu corpo nu, não conseguiu deixar de sorrir perante a singular beleza daquele ser, a borboleta vagarosamente bateu as asas duas vezes e das mesma forma que entrou voltou a sair, deixando por incrível que pareça um inebriante cheiro a flores por todo o quarto.

Sílvia sentiu como que uma injeção de energia percorrer o seu corpo, e só pode pensar nas palavras que uma vez Rodrigo lhe tinha dito "...tu és uma mulher maravilhosa, por quem te apaixonares nem sabe a sorte que tem, mas estás a precisar de viver um novo amor", nesse instante teve a certeza que Beatriz não era o seu novo amor, era apenas uma pessoa que tinha feito parte das páginas que contam a história da sua vida, ainda tomada por esse novo alento que desconhecia a sua origem vestiu-se , simples de ganga e camisa branca, mas com uma aura renovada.

Pouco depois o telefone do quarto tocou era da recepção avisando-a que encontravam-se pessoas à sua espera.

Desceu no elevador e assim que as portas do elevador se abriram para a entrada do hotel foi contemplada com uma luz, uma luminosidade que ultrapassava as paredes de vidro do hotel de uma tal intensidade que se viu obrigada a colocar os óculos de sol, assim que abriu os olhos viu Ana e a sua assessora aguardando-a, Ana ao vê-la sorriu de uma forma tão genuína, tão única que todos os seus pensamentos esvaziaram-se e por segundos naquele movimentado hotel só existiam as duas, tudo parou.

Saiu do elevador e correspondeu o sorriso de Ana com um beijo na face que deixou Filipa boquiaberta.

- Oi, você está reluzente! – disse Ana meio atónita.

- É a tua presença!

- Ainda bem! -disse Ana acanhadamente e Silvia apostava tudo em como a viu corar.

Entraram então as duas no carro e seguiram viagem até ao aeroporto, Ana sentada ao seu lado olhou para ela e disse.

- Posso perguntar que te aconteceu? Eu não te conheço mas você está diferente de ontem, mais solta, sei lá mais livre.

- É precisamente isso livrei-me de pesos supérfluos que me impossibilitavam de ver o horizonte, de ver o amanhã.

- Bem a noite te fez muito bem então! – disse Ana sorrindo mas não entendendo bem a resposta.

- Tu fizeste-me muito bem e a tua cidade e tudo o que ela representa! Estou-te muito grata por estar aqui hoje.

- Não tem nada que agradecer! E ainda bem que tive esse efeito em você! Desconhecia ter esse efeito nas pessoas. – disse Ana em tom de brincadeira.

- Mas tens e ainda bem que tens! – Silvia enquanto falava olhava profundamente nos olhos de Ana.

Será que estava ali na sua frente tudo o que sempre procurou?

- Silvia você é casada?

A pergunta apanhou-a de surpresa, sim o clima era de intimidade, de descoberta mas com algumas reticências.

- Não! Já vivi em tempos idos uma relação que para mim foi como que um casamento, mas não correu bem.

- Então que aconteceu? – perguntou Ana.

Silvia hesitou, dizia a verdade ou não? Porque não, o que tinha a perder?

- Ela traiu-me!

- Ela? Você é gay? – disse Ana surpreendida com a crueza da resposta.

- Sim sou! – Silvia teve que se controlar para não perguntar o que lhe apetecia, mas quis respeitar, se Ana lhe quisesse contar contava, afinal já não havia o que esconder, tinha dito a uma praticamente estranha aquilo que muitas vezes não contara a pessoas com quem se relacionava há anos.

- Acho de uma enorme coragem o que você acabou de fazer! Demonstra uma liberdade de mentalidade que infelizmente não se encontra com muita facilidade aqui no Brasil.

- É mais fácil ser verdadeira com aqueles que o seu juízo não têm um efeito directo sobre a nossa vida, é-me muito mais difícil este despreendimento lá.

- Entendo, sabe as pessoas invejam os artistas como eu que ganham muito dinheiro e têm uma vida muito badalada, e têm razão em invejar, viajamos muito, conhecemos o mundo, se queremos comprar um bom carro uma boa casa não temos que parcelar ou levar anos juntando, é uma vida boa mas ser alguém que todo o mundo reconhece rouba-nos um direito adquirido por cada ser humano quando nasce, o direito ao anonimato a puder andar por onde quiser com quem quiser, fazer o que quiser sem haver sempre alguém a tirar fotos e falar as coisas mais loucas, muitas vezes e contra a minha vontade fujo do meu país para poder sentir isso mesmo, esse anonimato que tão importante se torna quando somos privados dele e quando estamos apaixonados por vezes sentimo-nos capazes de abrir mão de todos os outros valores materiais em prol desse anonimato.

- Não abra, sei que não é fácil mas o caminho é mostrar que aquilo que fazes é a tua vida tens direito a vive-la como tu achares melhor desde que não prejudiques ninguém, esse mudar de mentalidades está nas tuas mãos és mulher para ganhar essa guerra o teu trabalho diz isso mesmo! Sei que és capaz de não vergar perante as adversidades, por isso mantem o olhar no horizonte porque esse, esse é infinito.

Ana tinha agora os olhos marejados de lágrimas, estava visivelmente sensibilizada com as palavras de Sílvia, paravam então o carro na pista do aeródromo, Ana agarrou na mão de Sílvia delicadamente encostou-lhe as costas da mão no seu peito e Sílvia sentiu o bater do seu coração, olhou-a nos olhos a única palavra que conseguiu proferir foi – Obrigado. – colocou os óculos de sol e abriu a porta do carro.

Simplesmente Aconteceu (romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora