Capítulo 1

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O ruído de vidro se estilhaçando acordou Camila.

Ela se sentou na cama num pulo, o coração batendo forte, e ouviu os últimos estilhaços da janela quebrada se espalharem pelo chão. Sem sequer respirar, espiou por entre o parapeito decorativo em madeira do mezanino onde ficava o quarto para a sala embaixo. Viu um braço se infiltrar pelo buraco na vidraça e tatear até encontrar a tramela. Paralisada de medo, acompanhou a janela sendo suspensa silenciosamente e a sombra de alguém entrar no chalé.

O invasor parou um instante, como que para se situar, e começou a andar, fragmentos de vidro provocando ruído sob seus pés. Sua perna esbarrou numa mesinha de centro, que deslizou ruidosamente pelo assoalho encerado, e a mulher murmurou um palavrão enquanto segurava uma lanterna de latão que ameaçou tombar.

Camila superou o choque inicial e saiu da cama como um gato, indo se agachar a um canto escuro, com o coração aos pulos. Jamais esperaria que algo assim acontecesse num fim de mundo como Cape Breton Island.

O telefone! Camila já estendia o braço para o aparelho sobre a mesinha-de-cabeceira em pinho quando se lembrou que a companhia telefônica só ligaria a linha na outra semana. O Hotel Seahaven era recém-inaugurado, com apenas dois dos quinze quartos reformados e mobiliados, e naquela noite encontrava-se literalmente deserto. Além de não haver nenhum hóspede no alojamento principal, os proprietários. — Taylor Jauregui e Erik Christensen — haviam partido cedo naquela manhã para Halifax e só voltariam no dia seguinte.

Camila voltou a espiar para baixo. Um facho de luz do luar se infiltrava pela janela alta voltada para o sul, cortando a escuridão como uma lâmina prateada. Nada se movia na penumbra. Talvez não houvesse ninguém lá embaixo, afinal. Talvez tudo não passasse de um pesadelo bem-merecido para alguém que ficara acordada até tarde, assistindo a um filme antigo de Hitchcock.

Sua dúvida durou pouco. O invasor reapareceu de repente caminhando confiante pela penumbra. Camila prendeu a respiração quando ela parou ao pé da escada sinuosa de pinho que levava ao mezanino. Então, como se desistisse de explorar o resto do chalé, a mulher se voltou para a porta. Camila soltou a respiração que retinha ao vê-la sair. O alívio também durou pouco. Por que alguém invadiria um lugar apenas para dar uma olhada? A menos que a sujeita tivesse um cúmplice de guarda do lado de fora ou saísse simplesmente para buscar o carro em que transportaria os objetos roubados.

Camila não perdeu mais tempo com hipóteses. Qualquer que fosse a sua intenção, a mulher  não sabia que havia alguém ali e ela poderia escapar ilesa. Descalça, desceu a escada, parando no último degrau com os ouvidos alertas. Ouviam-se apenas o sussurro do vento por entre os pinheiros que cercavam o chalé e o pio distante de um pássaro. Enchendo-se de coragem, ela correu para a porta.

De súbito, um vulto assomou à sua frente. Ela soltou um grito ao colidir com a mulher, que a abraçou instintivamente e deixou escapar um murmúrio de surpresa.

— Que diabo... — A voz feminina revelava espanto enquanto captor e presa cambaleavam, abraçando-se desajeitadamente na tentativa de manter o equilíbrio. Mas o medo cedeu lugar à indignação, e Camila se desvencilhou dos braços fortes.

— Solte-me! O que pensa que está fazendo?

— Calma, moça! Deve haver algum engano.

Camila recuou até a lareira, onde apanhou um atiçador de fogo e enfrentou a assaltante, assumindo uma pose ameaçadora.

— Não se aproxime de mim!

— Ouça — a mulher deu um passo à frente —  Não é nada.

— Não me toque! — Ela brandiu o atiçador e acertou no alvo, provocando uma exclamação de dor.

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