Capítulo 6

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Camila gostava de neblina, principalmente da neblina densa de Cape Breton, vinda do Atlântico Norte. Ela inspirou o ar úmido e enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta, apreciando a sensação de solidão. Na verdade, não estava só; David e um de seus cãozinhos exploravam tesouros deixados pela maré baixa. Por um instante, contudo, o resto do mundo deixou de existir.

Com os sapatos nas mãos e a calça arregaçada até os joelhos, ela caminhou à beira d'água, de olho nas ondas verdes que se formavam, frias como o gelo da região ártica que as gerava, e se quebravam na praia em declive.

Aquela praia era a favorita de Camila. Estendia-se por quilômetros ao redor da baía de Aspy, numa foice de areia fina e dourada aninhada entre Cape North e Cape Egmont. Um monumento de pedra com uma placa marcava o local onde John Cabot supostamente desembarcara em 1497. Naquele dia, porém, a neblina cobria até as montanhas que margeavam a baía. Como sempre, estava deserta. Mesmo em dias claros e quentes, poucos turistas se aventuravam para além da trilha de Cabot. A maioria se contentava em limitar as explorações daquele cenário de beleza rústica às lojas de beira de estrada; aqueles que transpunham a trilha, por sua vez, descobriam que as praias desoladas e varridas por ventanias de Cape Breton não se prestavam à natação ou banhos de sol. Naquele momento? por exemplo, ela dividia a praia com apenas inúmeros pássaros de pios estridentes.

— Ei, tia Camila! Venha cá, rápido! Olhe o que achamos — David apareceu de trás de uma duna, seguindo um rastro na areia, acompanhado por seu cachorro Pogo. — É um veado, acho.

Camila se juntou ao menino para examinar a fileira de pegadas homogêneas e frescas de veado deixadas na areia molhada.

— O animalzinho deve ter vindo das colinas ontem à noite. Pode até ser um dos que pastavam em nosso campo pela manhã.

— Não são bonitinhos? — David ainda se encantava com as peculiaridades da vida no interior. — Como ele vai voltar para onde mora? — As pequenas sobrancelhas se franziam, preocupadas. O menino herdara os cabelos pretos de Roy Kellner, mas os olhos castanhos, a boca firme e o queixo eram puramente Ames.

— Ele provavelmente se esconderá no pântano até o entardecer e atravessará a trilha Cabot quando o tráfego diminuir. Não se preocupe, David, o bichinho chegará em casa a salvo.

O menino assentiu confiante com a cabeça.

— Achei um disco voador. Vê? — Ele mostrou um velho disco de plástico, e Pogo começou a saltitar, pronto para brincar. — Quer atirar?

— Posso? — Camila achou graça. — Então olhe só! — Ela arregaçou as mangas e fingiu testar a direção do vento com um dedo molhado antes de arremessar o objeto achatado.

O disco de plástico passou rente à areia com Pogo latindo excitado em seu encalço. Com o vento, o objeto ganhou altura e tombou, mudando de sentido e enganando o cãozinho. David ria e correu para apanhar o brinquedo. Camila caiu na risada quando, em seu afã, o menino tropeçou no cachorro, ambos se esparramando na areia.

Uma onda se quebrou estrondosamente atrás de Camila. A água gélida se lançou sobre a areia, envolvendo os tornozelos em espuma. Ela soltou um gritinho e fugiu do alcance da maré com um riso ofegante. Ouviu-se uma gargalhada, e ela procurou indignada pela intrusa. Seu coração acelerou ao ver Lauren parada no barranco que seguia toda a extensão da praia. Com uma expressão cautelosa, ela a olhava em silêncio, as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta.

Camila tirou dos olhos uma mecha de cabelo úmida da neblina, sem saber se dizia alguma coisa ou continuava o passeio pela praia, ignorando a presença de Lauren ali. Ela o vira pouco desde a discussão na varanda há três dias. Nas raras ocasiões em que se encontraram, a conversa se limitara a uma troca de monossílabos e silêncios prolongados. David a salvou do dilema.

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