CAPÍTULO 1

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A Chuva

          O céu está escuro, mesmo sendo dia. A escuridão, causada pelas nuvens carregadas de chuva, é algo incomum naquela região de Apolo, pois Vênus é conhecido por ter o céu mais belo do Sistema, em seus longos dias, que duram, aproximadamente, dois meses terrestres, assim como suas noites.

          Artemísia caminha sobre uma rua calçada com pedras, que lembram os antigos paralelepípedos da Terra. Há lama em seus sapatos encharcados e suas roupas escuras, encardidas, sem estilo, escondem o seu gênero e a sua origem. Ninguém que a visse daquele jeito, com uma pequena manta sobre a cabeça, saberia dizer se é um menino ou uma menina, muito menos saberia dizer que aquela é uma filha do famoso Clã que vive isolado da população original de Vênus, atrás de grandes muros e portões dourados.

          Mas Artemísia não anda em uma das ruas da imponente cidade do Clã, ela caminha sobre uma rua simples, perdida em uma das cidades do interior daquela região de Vênus, a única região habitada por humanos. Embora não tenha sido possível povoar todo o planeta, aquelas cidades, pequenas ilhas de populações humanas, abrigavam corações cheios de esperança, diferente da cidade mais antiga do planeta, fora dos portões do Clã, onde havia muitas luzes, muita riqueza concentrada e muita miséria escondida. 

          A chuva continua caindo forte. Artemísia para e espirra. Uma jovem, de aproximadamente vinte at, sorri e se aproxima da menina. 

          — Ei, mocinha! O que faz perdida nessa chuva? Vai adoecer... — A jovem diz, olhando para Artemísia, que a olha de volta, mas não diz uma palavra. A moça fica séria. — Ei! Você é órfã? — Artemísia abaixa a cabeça e segue andando, em passos rápidos. — Droga! — A jovem pensa alto e vai atrás da menina.

          Um soldado do Governo vê Artemísia sozinha e vai até ela.

          — Criança! Onde estão os seus pais? — O soldado questiona, mas não recebe resposta.

          — Ela é minha irmã! Deixe-a em paz. — A jovem misteriosa diz. O soldado olha para ela, desconfiado, mas decide deixar a situação de lado, prefere ir embora sem dizer mais nada.

          — Obrigada! — Artemísia agradece.

          — Por nada, maninha! — A jovem diz, sorrindo. — E, a propósito, sou Dandara. — Artemísia sorri. — Venha, você precisa de uma cama quentinha e algo pra comer.

          Dandara usa uma calça preta, colada no corpo, botas longas, sem salto, e uma blusa curta, escura, também colada no corpo, com decote sensual e alças de largura média, com uma espécie de ombreiras. Carrega sempre o bastão do seu arco de energia na cintura. Ela tem uma postura muito firme e decidida, para a sua idade. Parece uma líder nata. Usa pequenas tranças, bem rente ao couro cabeludo, que desenham formas incríveis em sua cabeça e, como seus cabelos são longos, as tranças se prendem sobre o seu ombro esquerdo, caindo, juntas, para a frente.

         Na casa de Dandara, enquanto come, Artemísia admira aquela jovem de pele negra como o espaço sem fim.

          — O que foi, Artemísia? — Dandara pergunta.

         — Lá na rua, na chuva, como você descobriu que eu sou uma menina? — Artemísia questiona, enquanto toma mais da sopa na tigela que segura com as duas mãos. Dandara se levanta da cadeira, se aproxima de Artemísia e se abaixa, olhando nos olhos dela.

          — Só meninas são tolas o suficiente pra enfrentar perigos desnecessários, como andar sob uma tempestade aqui, em Abaeté! — As duas riem.

          Alguém bate na porta da cozinha. Dandara fica preocupada.

          — Espere aqui. — Dandara diz a Artemísia.

          Antes que que a guerreira chegue até a porta, alguém a abre com um pontapé. Um vento forte invade a cozinha, junto com a chuva, então, outra jovem entra, enfurecida.

          — Por Apolo! Quantas vezes já pedi pra não trancar essa maldita porta? Sabe que sempre esqueço os códigos da porta da frente e essa tempestade está me congelando...

          — Seja mais educada Yby! Não vê que temos uma convidada? — Dandara diz. As duas jovens guerreiras olham para Artemísia, que está assustada, sentada à mesa; um pouco de sopa escorre por seu queixo.

          — Mocinha linda, seja bem-vinda! — Yby diz, enquanto fecha a porta. — Não se assuste com meu jeito grosseiro, é que minha família nunca me ensinou bons modos. — A guerreira vai se aproximando de Artemísia. — Mas não se preocupe. — Ela se aproxima, de uma vez, do rosto da menina. — Eu não mordo! — diz ela, mostrando os dentes, intimidando Artemísia. A menina se assusta, a líder da Casa solta uma gargalhada.

          — Yby! — Dandara chama a atenção da guerreira.

          — Ah! Deixa de ser ridícula, Dandara... você sabe que gosto das novatas. — Yby diz, enquanto pega uma fruta e senta sobre a mesa, apoiando um dos pés em uma cadeira. — Qual é o seu nome, mocinha?

          Artemísia olha para Dandara, que lhe faz um sinal positivo com a cabeça.

          — Artemísia!

          — Artemísia? Nome diferente... Sou Yby e serei sua guardiã. — A jovem guerreira diz, pisca e, com um salto, se afasta da mesa, depois sobe as escadas que levam ao segundo andar.

          — Guardiã? — Artemísia pergunta para Dandara.

          — Sim! Parece que você agora é parte da família.

          — Família? — Artemísia questiona. Uma menina se aproxima, sonolenta, depois mais duas, e mais uma... De repente, a cozinha fica cheia de adolescentes se espreguiçando e procurando algo para comer.

          — Mais uma novata, Dandara? — Uma das adolescentes pergunta.

          — Sim! Essa é Artemísia, a nova discípula de Yby. — Dandara responde, algumas meninas reclamam.

          — Como assim? Estou aqui há mais de dois at e Yby sempre me diz que ainda não estou preparada para as lições que ela tem pra ensinar... — Uma adolescente loira, alta e forte, diz, enfurecida. Dandara sorri.

          — Parece que a nossa nova irmãzinha tem algo especial... — Dandara diz. — E, a propósito, qual a sua idade?

          — Dez at! Faço onze mês que vem... — Artemísia responde.

          — Quando terminar sua refeição, Petra vai te levar até o quarto das novatas. — Dandara diz. Petra, a jovem alta e forte, faz uma expressão de reprovação enquanto se senta para comer. — Agora, vou descansar, meninas! Se comportem... — Dandara diz e sobe as escadas.

          Uma menina, tão jovem quanto Artemísia, se senta ao lado dela.

          — Oi! Sou Kiki... não se preocupe com a Petra, tem cara feia mas é leal, como todas nós. Você vai gostar daqui. Temos uma casa, comida, proteção... enfim, somos uma família! — Kiki diz, sorridente.

          — E de onde vem os créditos pra manter tudo isso? — Artemísia pergunta.

          — Ora! De onde mais? Não vê que somos todas guerreiras? — Kiki diz, enquanto mostra um punhal em sua cintura.

          — Vocês são merce... — Antes que Artemísia complete a frase, Petra a interrompe, dando um soco na mesa.

         — Somos GUERREIRAS, e é isso que você será também. — Petra diz, e volta a comer.

At = anos terrestres.

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