CAPÍTULO 11

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Aldeia

          Artemísia anda sobre escombros. A Casa de Kûara era uma espécie de aldeia, construída dentro de uma grande clareira, formada por treze casas dispostas em círculo ao redor de uma grande área de treinamento. As casas tinham um formato de cristal e ficavam suspensas sobre o solo, pois usavam tecnologia antigravidade. Cada casa abrigava dez guerreiros. Agora, das treze casas, somente três ainda estavam de pé, as demais foram destruídas e Artemísia anda sobre o que sobrou delas.

          Após uma jornada de aproximadamente um mês terrestre, Artemísia chega a seu destino, mas ele já não pode abrigá-la mais.

          — De longe dá pra sentir que ela carrega uma maldição que atingirá a todos que se aproximarem dela. — Artemísia se lembra das palavras de Petra.

          — Desolador, né! — Artemísia ouve uma voz masculina, mas não se vira para ver quem é. — E pensar que essa já foi a maior Casa mercenária de Vênus! — O homem diz, enquanto vai se aproximando de Artemísia, então se posiciona de frente pra ela. — Sou Kamikia... acho que você trouxe algo pra mim! — Kamikia diz sorrindo e estendendo a mão. Artemísia hesita, mas pega a carta que Dandara lhe deu e a entrega a Kamikia; ele lê a carta e a guarda dentro da blusa.

          — Não se preocupe. Temos os melhores guerreiros de Apolo. Quando a guerra entre as Casas foi declarada, nos mudamos daqui, para proteger os novatos... queríamos evitar conflitos desnecessários. Antes mesmo da guerra, já havíamos nos decidido mudar de Vênus, Yby iria junto, mas... enfim, se houvessem guerreiros de Kûara por aqui, não haveria essa destruição, mas não somos apegados ao passado. — Kamikia diz e chuta um artefato, quebrado, no chão. — Dandara me disse que você estava a caminho, tentei te encontrar nas rotas principais, mas você parece não deixar rastros. — Kamíkia olha para Artemísia, sorrindo. Artemísia se lembra das estradas alternativas que pegou, para evitar que fosse encontrada por perseguidores. — Então, há sete ciclos decidi ficar por aqui e esperar. Por uma questão de costume, esperaria por treze ciclos, caso não aparecesse, estaria entregue à própria sorte. — Kamikia diz sorrindo, Artemísia sorri de volta, então olha, mais uma vez, ao redor, observando os escombros. Kamikia parece ler os pensamentos da filha do Clã. — Ei! Nada disso é culpa sua. Agora vamos... ainda temos que chegar ao porto.

          — Vamos a pé?

          — Claro que não. Há um veículo na clareira ao lado. Não trouxe minha nave para não chamar a atenção dos amigos de Heitor. Vamos logo! — O mercenário diz e segue em direção às árvores.

          — Artemísia já se encontrou com Kamikia. Ele disse que ela está bem. — Dandara diz a Yby, após receber uma mensagem de Kamikia na tela holográfica de seu bracelete.

         — Isso deixa minha consciência mais tranquila... Mesmo não podendo mais ser guardiã dela, seu destino me preocupa. Não a culpo pelo que aconteceu, mas olhar para ela me remete àquela sala cheia de corpos... — Yby diz, com os olhos cheios de lágrimas.

          — Também me preocupo com Artemísia, sinto que ela tem algo especial, mas não sei dizer exatamente o quê. — Dandara comenta. Yby limpa do rosto uma lágrima que não conseguiu reter, então sai da sala, anda até uma sacada e olha para o céu noturno. Dandara a segue.

          — Artemísia é uma descendente das Icamiabas, por isso senti que ela poderia ser minha sucessora. — A líder mercenária diz.

          — As guerreiras... — Dandara diz e é interrompia por Yby.

          — Sim, as guerreiras ancestrais. Última Nação Matriarcal da Terra. Elas resistiram ao avanço do patriarcado por muitos séculos, mas sucumbiram diante dos novos tempos que chegaram com uma guerra bárbara, trazida pelos povos contaminados pelas Sementes.

          — Sementes?

          — Sementes era como o grupo da minha mãe chamava um povo muito antigo, que espalhou o patriarcado por toda a Terra. No passado, nas terras da atual Atlântida, um homem, vindo do grupo das Sementes, levou o patriarcado para as Nações, que viviam segundo as leis Matriarcais. Esse homem ficou conhecido como Jurupari, se dizia filho do Sol, mas era só um homem e, mesmo assim, conseguiu levar o caos àquelas terras.

          — Por que Sementes?

          — Porque eram sementes do ódio, da guerra, da escravidão, da opressão, do abuso, da discriminação, enfim, eram sementes de todas as desgraças que assolaram o planeta Terra por milênios. Muitas Nações já haviam sido corrompidas quando Jurupari chegou naquelas terras do Atlântico e, enquanto as Nações dali iam se convertendo ao patriarcado, as Icamiabas resistiram. Hoje já não há o patriarcado em Apolo, senão naquela cidade patética do Clã, mas o sangue dessas mulheres ainda pulsa em minhas veias, como uma lembrança eterna do mal que o sexismo pode gerar.

          — Hum... entendo! Então, na Artemísia essa memória deve estar mais viva ainda, pois ela foi criada dentro dos portões do Clã.

          — Sim. Nela a força das Icamiabas é bem mais intensa, por isso ela é especial.

          — Agora compreendo por que aquela garotinha na chuva me atraiu. Mas uma dúvida quanto ao avanço do patriarcado. Conheço algumas lendas antigas que, supostamente, são do tempo do matriarcado e, nessas lendas, as mulheres abusavam do poder tanto quanto os homens abusaram, posteriormente. Não teria sido o avanço do patriarcado uma questão de equilíbrio?

          — Como você disse, são lendas, nada mais. As lendas e os mitos antigos podem nos dar dicas de como as pessoas viviam e do que era importante pra elas, mas levá-los ao pé da letra só traz confusão. As mulheres podem ter sido injustas e cruéis em governos matriarcais, assim como foram os homens, mas essa informação, preservada nos mitos e nas lendas, podem ter sido criadas por líderes patriarcais para justificar sua forma de organização social. Muitos mitos foram corrompidos ao longo das eras, de acordo com os interesses do poder vigente, logo, não servem como provas de nada. A verdade é que o passado sempre nos deixa pistas, mas nunca nos conta o que realmente aconteceu.

          — Bem... de qualquer forma, o que importa é que vivemos em tempos onde a humanidade já superou a questão dos gêneros. Não somos mais divididos em raças ou em grupos formados por orientação sexual, a exceção do Clã.

          — O Clã... O Clã nada mais é que a persistência das Sementes. E devemos ficar sempre atentos, pois essas sementes se espalham fácil, se não houver quem as contenha.

          — Heitor.

          — Sim. Quando um desertor do Clã criou sua própria Casa, fui totalmente contra, mas eu era só uma novata e não tinha voz ativa na Assembleia. Desde que a Casa de Heitor foi criada, ela tem apresentado sérios problemas, mas fechá-la indicaria preconceito, segundo os mais velhos. Agora...

          — Agora vamos fazer justiça e evitar que essa semente maldita dê frutos. — Petra diz, com ódio, ao se aproximar de Yby e Dandara.

          — Sim. Nem lendas sobrarão da Casa de Heitor. — Yby diz, com ódio. Dandara fica preocupada.

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