CAPÍTULO 21

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O Caminho no Deserto

          Jove atravessa, imponente, o enorme salão de sua casa e segue para a biblioteca, onde conversa com um dos governadores.

          — Peço desculpas, mas não poderemos atender a esse pedido do Governo. Nosso Conselho compreende que nossa situação em Apolo é bem delicada, já que somos vistos como párias por onde passamos, assim, decidimos ficar de fora desses conflitos entre os demais grupos mercenários.

          — Somos gratos por atenderem prontamente aos chamados de emergência, já que a maioria das missões ficou sobre a responsabilidade de vocês nessa crise, mas precisamos pôr fim às guerras entre os mercenários... ela pode trazer o caos para o Sistema. — O governador diz.

          — Entendemos, nobre governador, mas não podemos colocar em risco nossa única cidade em Apolo. Vênus foi o único lugar que nos acolheu e não podemos abrir mão disso. Se entrarmos na guerra, a cidade do Clã ficará vulnerável, já que há muitas Casas mercenárias em nosso planeta.

          — As Casas já não existem, caro Jove... os mercenários agora se organizam através de guildas, como você bem sabe.

          — Sim, mas mesmo assim não podemos nos arriscar. Contamos com vossa compreensão, nobre governador! — Jove diz, irredutível. O governador interrompe a comunicação sem se despedir.

          — Sem educação! — Jove comenta. Um soldado do Clã entra na biblioteca

          — Me perdoe, senhor, mas há um chamado urgente do Conselho. Solicitam sua presença imediatamente.

          — Vamos! — Jove diz, os dois saem da biblioteca.

          Yby e Dandara andam em meio à confusão de um dos mercados subterrâneos da Lua. As duas usam um longo manto escuro, com capuz que cobre boa parte de seus rostos. Agora, assim como Heitor, elas são consideradas foras da lei pelo Governo.

          Dandara vê, ao longe, uma barraca de tamanho médio, com um dragão dourado no topo.

          — Yby!

          A líder mercenária olha para a direção indicada por Dandara.

          — Vamos! O que seria de mim sem você, nobre guerreira! — Yby diz, enquanto passa por Dandara, se apressando em direção à barraca com o dragão.

          Em uma das idas aos mercados barulhentos e sujos da Lua, Yby encontrou um velho sábio, que já foi um mestre na arte da música um dia. Foi ele, Epîakara, quem lhe contou sobre a Relíquia dos Deuses, um antigo amuleto que, segundo os Sábios, tem o poder de transformar seres humanos com energia vital intensa em avatares de divindades de todos os tempos. Alguns deuses podiam mesmo ressuscitar os mortos através desses avatares. Yby se interessou pela história, pois poderia usar a relíquia para trazer Petra de volta, isso a levou a preservar o corpo da guerreira em sua casa provisória na Lua.

          Epîakara convenceu Yby de que encontrar a relíquia estava em seu destino, ela perguntou como poderia fazer isso, ele simplesmente lhe disse para confiar no Dharma. No mesmo dia, uma conversa em uma praça foi o suficiente para que a líder mercenária encontrasse sua primeira pista, que lhe colocou no caminho que a levaria a encontrar a barraca com o Dragão dourado em um dos mercados menos conceituados da Lua.

          Andyrá atravessa, imponente, o grande jardim central do templo. Ele segue para a casa dos visitantes, lugar em que o templo recebe os peregrinos e os candidatos a discípulos que ainda não se sentem muito seguros em trilhar o caminho dos sábios. Quando atravessa o grande portal que leva até um pequeno jardim ele vê Artemísia treinando, com roupas leves, iluminada pelos primeiros raios de sol da manhã marciana. O sábio para um instante e aprecia a cena. A bela filha de Jove, que o mestre recebeu no templo como sua própria filha, inspira esperança naquele velho coração endurecido pelo tempo.

          Andyrá sorri. Artemísia percebe que está sendo observada e para, constrangida, fazendo a devida reverência ao mestre do templo.

          — Não pare, menina... só vim saber se está precisando de alguma coisa, mas vejo que está muito bem aqui. Continue seu treino. — O sábio diz e se vira, com seu caminhar imponente, que não toca o chão. Artemísia chama por ele.

          — Mestre! – Andyrá para e, sem virar o corpo, olha para trás. – Me desculpe... sei que não sou discípula do templo. — Artemísia diz, de cabeça baixa. Andyrá se vira e segue até ela.

          — Não há porque se desculpar, minha querida! — Enquanto Andyrá diz, um dos discípulos passa e estranha a forma carinhosa como o mestre trata a menina. Ele, que é sempre sério demais. O sábio ignora o discípulo. — Há algo que posso fazer por você?

          — Já estou aqui há um mês... sei que não posso ficar pra sempre, mas no momento não tenho pra onde ir... queria saber se...

          Andyrá interrompe Artemísia.

          — Não se preocupe, pode ficar o tempo que precisar! — O mestre diz, com um sorriso paternal. — Tenho que voltar para o templo, para a casa principal... Sempre haverá discípulos por aqui, o que precisar, basta pedir a eles.

          — Muito obrigada! — A filha do Clã agradece, com respeito.

          Andyrá se afasta. Artemísia retoma seu treino, sozinha, perto de uma bela cerejeira.

          Após alguns minutos treinando, um discípulo chega ao jardim, atordoado, procurando por uma mulher, também discípula de Andyrá. A mulher está perto da cerejeira da qual Artemísia aproveitava a sombra. Quando o homem a encontra, um nome chama a atenção da menina.

          — Heitor? — A discípula pergunta, quase sussurrando.

          — Sim... Ele procura... — O discípulo se cala, então olha para Artemísia, depois segura a mulher pelo braço e se afasta, fazendo com que Artemísia não pudesse mais ouvir a conversa.

          Um mal estar toma conta da venusiana. O pouco que ouviu da conversa a levou a crer que Heitor procurava por ela, mais uma vez, e isso despertou a lembrança do massacre na Casa de Yby. Artemísia começa a temer pela vida dos discípulos do templo de Andyrá.

          Um vento forte faz Kamikia fechar os olhos. Ele está de pé, no alto de uma montanha em Vênus. É noite. O vento faz os cabelos do guerreiro se moverem para trás, assim como as partes do tecido leve de sua blusa que não estão protegidas pelo colete resistente que usa por cima dela. Quando o vento se torna menos intenso, ele abre os olhos e vê o céu escuro de Vênus, com suas estrelas extremamente brilhantes.

          O antigo líder da extinta Casa de Kûara se lembra do momento em que soltou as cinzas de Malik, ali mesmo, no alto daquela montanha.

          — Que sua consciência possa me guiar em meus dias aqui nesse mundo, meu amigo... e que ao fim deles, eu possa encontrá-lo novamente.

          Na Lua, Dandara é afetada pelas lembranças de Kamikia e também se lembra do sábio mercenário, a quem amou em silêncio. O mantra que Yby recita perto do corpo de Petra, já de posse da relíquia, faz Dandara voltar sua atenção à cerimônia que poderia trazer a general de volta.

          Em Marte, Artemísia espera todos dormirem, então, vestida com seus trajes de mercenária, a filha do Clã pula o muro do complexo anexo ao templo. Já do lado de fora, ela olha para os portões, depois olha para o céu e segue em frente, sem rumo no vasto deserto marciano.

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