Capítulo 5

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Me revirei na cama a noite toda, aqueles olhos de tigre povoou o pouco sono que tive, mas que merda! Aquele idiota mexeu comigo!. Olho no relógio, ainda são 5:30h. Tenho que me levantar em poucas horas para trabalhar e já sei que vai ser um dia daqueles!! Quando não tenho minhas oito horas de sono sou um bicho o dia todo e tenho que começar a ilustração de capa, inferno! Porquê aquele filho da puta tinha que rebater tão bem minha afiada língua?. O fato de estar algum tempo sem sexo também colabora. Decidido: Hoje a noite vou sair para a caça!!!.

- Cara péssima, Liz! Noite boa?
- Quem dera, Lari! Não dormi bem, e quando não durmo bem...
- ... vira um bicho o dia todo! Já sei. - Ela ri, eu reviro os olhos. -  Já te conheço, gata!
- Pôrra nenhuma! - resmungo e vou buscar um café antes de começar o trabalho.
- Nossa! Parei, estranha! - Ainda ouço Lariana murmurar e isso consegue arrancar de mim um esboço de sorriso.

Meia hora depois estou tentando fazer um esboço da ilustração mas as lembranças me invadem e não são boas...

- Caso a reclamante não saiba, o senador em questão, foi acusado de estelionato, não deixou nenhum testamento para a menor presente e todos o seu patrimônio foi embargado...
- Pelo amor de Deus, senhor juiz! Essa menina não tem mais ninguém nesse mundo a não ser a mim! E nem parente eu sou!
- Perdoe - me senhora. Devo lembrar que está em um tribunal, modere suas palavras e não se exceda. A justiça é clara, enquanto o processo não for resolvido nada podemos fazer.
- Vamos embora, tia Olga. Não temos mais nada a fazer aqui. - As lágrimas estavam presas em minha garganta, mas me recusei a deixá-las cair - Olhe bem para mim, senhor juiz, mas olhe com muita atenção! Essa menor aqui hoje não tem nada, mas o senhor ainda vai ouvir falar muito de mim.
- Não duvido, minha jovem.
- Não sou sua jovem! E a justiça não é clara, é cega como os porcos que dela se fazem! - E puxando tia Olga pelo braço, sai daquele lugar claustrofóbico, não sem antes me virar para o juiz Joaquim e dizer -  Tudo isso aqui é uma grande merda!!
- Modere-se, menina! Ou eu posso...

Não fiquei para ouvir. E foi ali, após atravessar as portas que a parte mais sombria da minha vida começou. O juiz ouviu falar de mim, algumas vezes mais, e não foram coisas boas. Depois de chorar dois dias seguidos e meu ódio aumentar sensivelmente, dei início a uma fase complicada que odeio lembrar, mas que hoje não estou conseguindo fazer parar. Me levantei, fui até a lanchonete, almocei uns sanduíches e retornando para a editora parei do barzinho da frente e pedi uma cerveja. Nunca bebo enquanto estou trabalhando, nem mesmo no estúdio, mas estou precisando. Em quatro goladas me livro da long neck na lixeira e sigo para a editora.

- Precisando ver o mar, Liz?
- Dá para ser menos hoje, Fernando?
- Te vi da janela no bar da frente... não preciso te lembrar que não foi conveniente, né?
- Estava no meu horário de almoço, chefe!
- Já entendi, Liz. Pega suas coisas, vai dar uma caminhada na praia. Te vejo segunda.
- Obrigada, Fernando. Segunda vou estar melhor.
- Que seja!

Saí do trabalho e com uma ligação para Rubem, desmarquei o cliente que atenderia no estúdio. Me conhecendo bem e sabendo que raríssimas vezes desmarco algum  cliente, ele me avisou que estaria com Paulina no nosso bar de sempre. Amo com todo meu coração aqueles dois!.
Caminhei por horas na areia fofa sem pensar em nada e depois fui direto encontrar meus amigos.

- Diz aí, garota!
- Aquelas lembranças, Rubem. Não sei porque estão vindo com tanta força.
- Não sabe? E aquela capa de livro?
- Tem razão, Lina.
- Que capa? Que livro?
- Esqueci de te falar, amor! Liz me contou no dia da cena com o bonitão do frenum.
- Então já pode me contar, né?
- Estou fazendo a capa do livro do Juiz Joaquim. - Depois de ouvir um assobio de Rubem, resumi a história. - E foi isso. Depois aquele imbecil ficou falando aquelas coisas e acabamos por esquecer de contar.
- E por falar nisso. "O bonitão do frenum" ligou e perguntou por você.
- O quê?! O pinto dele já caiu? - Dei uma gargalhada
- Não, ele está bem. Pedi que ele ligasse por qualquer dúvida, mas veio com uma história de que bebeu vodka que não colou, queria mesmo perguntar pela "bela encrenca"
- Vai a merda, Rubem! Você deixou ele falar assim de mim?
- Epa epa! O apelido não foi meu, mas até que gostei. - Ele riu para me irritar.
- Lina! Faz alguma coisa! - Ela só ergueu as mãos em rendição e riu também
- O que posso dizer? É o bonitão do frenum!
- O idiota do frenum! Um playbozinho de merda!
- Você fala assim porque ele foi tão afiado quanto você, Liz! Você não o assustou!
- Puta que pariu! Vocês são meus amigos mesmo?
- Para a vida, Liz.
- Merda, eu sei! Vamos beber!
Lá pelas tantas, o riso já corria solto e o rock estava alto. Eu dançava com Lina enquanto Rubem conversava com alguns caras à mesa. De repente senti uma coisa esquisita, parecia que estava sendo observada. Me virei e vi aquela velha cigana na calçada ao lado de fora e ela sorriu para mim.

- Deus! Essa louca novamente?
- Quem? - Lina perguntou olhando em volta
- A cigana dos poderes aleatórios! Procurando bêbados na rua, só pode! Para fazer seu dinheiro.
- Credo! Essa mulher me dá arrepios, não sei porquê!
- Bobagem, Lina! - Olhei novamente em sua direção e ela moveu os lábios e levou a mão ao coração e parecia dizer " Está chegando". Deixei pra lá, porque eu já estava alta e ela muito longe para que pudesse entender se era isso mesmo que ela dizia.
- Que bunda é essa, hein? - Eu senti um apertão?? Ah! Não! Comigo não!!!
- Você não viu nada, amor! - Falei toda melosa para em seguida concluir - Sente o peso da minha mão!!!!

Pronto! Confusão armada! Depois do gancho de direita no meio do queixo, o cara caiu tonto e eu sem me dar por vencida, montei na suas pernas, segurei seus braços e disse:
- Ninguém me toca sem que eu permita, pôrra!!!!
- Sai de cima de mim, sua louca!!! Como eu ia adivinhar que você é lésbica?
- Filho de uma puta, preconceituoso do caralho!!! O que uma coisa tem haver com a outra??
- Uma mulher com essa força? Só pode ser meio macho! - Não estava acreditando no que ouvia! Apertei mais seus braços e com minhas pernas juntei tanto as dele que o cara gemeu. - Meu saco, pôrra!
- Aprendi a me defender muito cedo de imbecis como você! E gostaria muito que nesse momento várias lésbicas estivessem por aqui porque ia fazer questão de juntar a merda que você é!
- Ninguém faz nada nesse lugar? A mulher é louca! - Imobilizado por mim ele só mexia a cabeça olhando em volta e pedindo ajuda enquanto o pessoal em volta gargalhava. Ouvi a voz de Rubem bem perto de mim.
- Solta o cara! Se ele estiver acompanhado de frangos como ele vão chamar a polícia e o resto você sabe...
- Ele já entendeu, amiga! Você não é mais assim! - Agora era Paulina que falava. Sabia que eu perdia o juízo quando algo assim acontecia e era difícil me parar.
- Eu vou te soltar, imbecil, mas nem ouse tentar nada! Ou vai sair daqui sem as bolas!!

Levantei devagar, olhando bem dentro do olhos do cara, sacudi a poeira da roupa e rumei para o banheiro. Sabia que as lágrimas estavam a ponto de cair. Que merda! Porquê, Deus, tantas lembranças do passado?

Uma cigana leu o meu destinoOnde histórias criam vida. Descubra agora