Não Senhor

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   Quando voltamos da cachoeira, o dia já havia raiado e a cidade já tinha acordado. O caminho todo foi silencioso, a não ser por Rita que tentava nos animar e ver o lado positivo das coisas, falando sobre coisas abstratas e o quanto ela queria beber alguma coisa. Gabriel estava melhor, às vezes ele me olhava e sorria, mas não dizia nada... Aquilo já era o bastante para me confortar.

Tínhamos que nos separar, Rita levaria Gabriel até sua casa e eu teria que ir para a minha encarar a Gabriele.

- Hoje à tarde eu passo para te buscar, vamos até a minha antiga cidade, preciso ver uma pessoa e quero que você esteja junto. Deve ter algum ônibus que nos deixe pelo menos perto, damos um jeito. - Eu disse para Gabriel. Ele não me disse nada, apenas concordou com a cabeça.. Me despedi de Rita com um abraço e agradeci por ela estar sendo uma ótima amiga para Gabriel, depois encarei ele e nos abraçamos.

Segui pra minha casa, estava cansado e com sono, porém aliviado; afinal, as coisas não saíram tão fora do controle assim, ainda dava tempo de consertar alguns erros. Quando cheguei em casa, já havia alguém acordado. Entrei pela porta dos fundos sem fazer muito barulho. Meu pai estava sentado à mesa, fardado, com uma cara de poucos amigos. O encarei por alguns segundos.

- Sente-se meu jovem. - Disse ele. Eu sentei e as pontas dos meus dedos estavam formigando. Eu poderia jurar que tinha umas 100 borboletas no meu estômago. - Aonde o senhor pensa que está? Acha que está em uma colônia de férias Bruno? Quero explicações!! Quero saber o que você fez à sua irmã. Que palhaçada foi aquela ontem na rua?? - Eu estava gelado, Gabriele devia ter contado para meu pai enquanto fui até a cachoeira, ele continuou. - Eu trabalho com muita gente Bruno, já conheço metade da cidade, e hoje cedo chegou aos meus ouvidos que meus filhos estavam gritando no meio da madrugada, perturbando a ordem e o descanso dessas pessoas que dormiam enquanto vocês estavam por aí como desordeiros. Eu não criei meus filhos para serem desordeiros. – Gritou ele comigo, batendo sobre a mesa, fazendo seu café pular um pouco para fora da xicara.

Me aliviei por um momento, pois ele não parecia saber o motivo da discussão, mas ainda tinha que lidar com aquela situação.

- Gabriele está trancada no quarto e não quer sair. O que você fez à ela? - Disse ele em um tom de voz ríspido.

Tomei um fôlego e me levantei, esperei por esse dia os meus 17 anos inteiros.

- Por que o senhor não sobe e pergunta pra ela? Por que o senhor não me pergunta "– E o que ela fez para você Bruno?", Gabriele é sempre a coitada dessa casa, pai. Eu não sou um soldado que o senhor dá ordens e dispensa. Eu sou seu filho. SEU FILHO, GENERAL!

Meu pai era tão duro na queda que não moveu sequer um músculo facial.

- Estou cansado, nessa casa fazemos tudo o que o senhor quer e nunca o que queremos se não fizermos da sua maneira, nós somos punidos. "Arrume, limpe, chegue cedo, não se porte com má índole..." Sabe pai, o senhor não vê a hora de eu ter 18 anos e me alistar, seguir seus passos... O senhor quer mesmo que eu passe por isso na minha vida? Eu já passo por isso TODOS OS DIAS da minha vida... Eu sou um soldado desde que eu tenho 10 anos de idade, e o senhor acha que vou querer seguir isso para o resto da minha vida, ser uma pessoa desalmada igual a você? Se chegou aos seus ouvidos que SEUS filhos estavam na rua, como desordeiros como o senhor mesmo fala, por que sou o único filho a levar bronca! Vá lá bata na porta do quarto dela, pergunte à ela, cobre dela, dê um sermão nela. E PARE DE ENCHER O MEU SACO, pois eu não aguento mais! - Fiquei o encarando, sentia um alivio enorme, mas ao mesmo tempo, eu sabia que tinha acabado de assinar a minha sentença de morte.

Meu pai agora estava em pé, ele me encarava de tal forma que eu nunca havia visto. Ele ergueu a mão para me dar um tapa.

- Não pense em bater no meu filho, não enquanto eu estiver viva! - Minha mãe estava parada no portal da cozinha para a sala. Meu pai se virou e baixou o braço no mesmo instante, pegou seu cap e saiu pela porta da cozinha batendo com tanta força, que os vidros das janelas estremeceram. Fiquei estático, meu pai nunca tinha levantado a mão pra mim em toda a minha vida. Ele nunca nos bateu, aplicava a sua pressão psicológica e seus castigos torturantes, mas bater nunca. Minha mãe me encarava como se pudesse enxergar além de tudo que estava acontecendo. Passei por ela e quando estava ao pé da escada, me virei e agradeci.

Peguei minha mochila, joguei meu material largando em cima da cama, peguei uns pacotes de bolachas, meus fones, uma camisa e soquei dentro dela. Fui até meu armário, e atrás das camisetas alcancei uma pequena lata de biscoitos, dentro dela estava o dinheiro que tinha guardado para comprar uma bicicleta nova, mas aquela situação era muito mais importante do que uma nova bicicleta. Quando me dei por conta minha mãe estava na porta do meu quarto.

- Aonde você vai, Bruno? - Perguntou ela. Continuei pegando mais algumas coisas...

- Preciso ir ver Yara. E tenho que ir hoje, volto daqui alguns dias. – Respondi ainda sem olhar para ela.

- E a escola? - Ela me perguntou no mesmo tom de voz.

- Não se preocupe, mãe. Eu vou voltar, a não ser que o General não queira. - Minha mãe veio em minha direção e me abraçou, então eu desabei... Chorei tudo àquilo que estava entalado desde a madrugada. - Mãe... Estou confuso, preciso muito ir vê-la. - Continuei chorando. Ela me abraçou forte e não me largou, me sustentou naquele abraço forte. Minha mãe sabia que algo estava errado, que eu estava passando por algo que estava mudando a minha vida, ela afastou meus cabelos da testa e me deu um beijo.

- Vá, deixa que cuido do seu pai... te espero em três dias, depois disso eu vou te buscar, entendeu? - E ela começou a rir... Levantei o olhar pra ela, ela me soltou do seu abraço virou-se e disse: - Tem mais biscoitos no armário de cima na cozinha, caso precisar! Pois parece que vai sobreviver apenas de bolachas!

Eu sorri em meio às lágrimas, fechei a mochila e sai do meu quarto. A porta do quarto de Gabriele ainda estava fechada, o silencio era tão grande na casa que parecia não ter ninguém. Fui até o banheiro peguei minha escova de dente e voltei para o meu quarto. E fiquei deitado lá olhando para o teto por algumas horas.

Por volta das três horas da tarde fui ao encontro de Gabriel. Ele estava sentado com a sua mochila, seu costumeiro boné e me esperava ansioso.

- Tudo bem com a sua irmã? Na sua casa está tudo bem? - Perguntou-me aquilo, pois notou a minha cara inchada. Respondi um sim falso, não queria deixar ele preocupado com os problemas da minha família nem com a raiva do meu pai que me aguardava quando eu voltasse para casa. Seguimos para a rodoviária, compramos as passagens e sentamos para esperar a chegada do ônibus.

Eu precisava ver Yara. Eu precisava ver ela para saber se o que eu estava fazendo era certo, para saber se aquilo era realmente o certo para mim. Isso iria confrontar minhas dúvidas cara a cara. Precisava de Gabriel comigo, tinha certeza que Yara iria saber o que dizer, ou aconselhar... Ela sempre foi tão boa com isso, pelos menos comigo.

Embarcamos e o ônibus estava vazio, sentamos mais ao fundo, Gabriel no corredor e eu na janela.

- Quem eu vou conhecer, Bruno? - Perguntou ele se virando para me encarar.

- Alguém muito especial para mim, bom... eu espero que ela ainda queira falar comigo. Mas não se preocupe! Aposto que vocês dois irão se der bem. - Respondi com um sorriso esperançoso.

Ele sorriu de volta. Parecia exausto, ambos estávamos, então ele segurou a minha mão e eu senti minha espinha gelar, sua mão era quente e segurava forte a minha. Estava tudo acontecendo tão rápido, mas isso não queria dizer que estava tudo errado, pelo contrario, tudo tinha que dar certo! O garoto do corredor, desconhecido, skatista, que me esperava na esquina da casa vermelha se tornou meu melhor amigo, logo se tornou a pessoa de que eu mais gostava. Apertei sua mão, virei para o lado e adormeci.

Enfim sós. (Um romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora