Ao chegar na casa de sua mãe, mais lembranças apossaram-se de sua mente.
Charlie sentia uma dor profunda por não ter vindo visitá-la. Nem mesmo depois de virar um homem. Deixara que o poder e a ganância tomasse conta de suas ações. Ele caminhou até a simples casa e subiu os degraus de concreto para chegar na pequena varanda. Colocou sua mala no chão e observou ao redor.
A casa de sua mãe ficava um pouco afastada da cidade, e era tudo silencioso. Apenas barulho de árvores e animais ao longe. Uma tranquilidade que sua mãe adorava. Charlie respirou fundo e finalmente bateu na porta. Não sabia se sua mãe atenderia, se estava em condições de andar até a singela porta, ou se ainda estava viva...
A simples imagem de sua mãe morta sobre um colchão velho apertou-lhe o peito. Ele esforçou-se para abrir os olhos após fechá-los com força. Não podia suportar tal ideia. Já que ninguém tinha vindo atender, ele colocou a mão na maçaneta e girou, rezando para que ela estivesse bem. Ao entrar na casa, percebeu o silêncio. Nada havia mudado desde sua partida. O sofá continuava com os mesmos rasgos e poeiras, as paredes ainda eram brancas com seus riscos, o ambiente cheirando a mofo.
Tudo estava exatamente como ele se lembrava. Ao entrar no quarto de sua mãe, a observou deitada dormindo, aparentemente. Ele caminhou até a cama e analisou cada traço envelhecido no rosto feminino. Um sorriso singelo se formou em seu rosto ao perceber que sua mãe respirava, mesmo com dificuldade. Pelo menos estava viva, o que já era um bom começo. Charlie sentou-se na beirada da cama e continuou observando tudo. O quarto também era como antes, nada mudara, exceto pelas paredes que eram brancas e agora pareciam-se mais acinzentadas.
Ele ficou ali parado por alguns breves minutos, até que dona Esther se mexeu e despertou rapidamente ao perceber que havia um homem ao seu lado. Quando sentou-se na cama assustada, olhou os traços másculos do homem, e reconheceu na profundidade de seus olhos azuis, o filho amado que tivera de partir.
— Charlie?
Fora a primeira e única palavra que conseguiu dizer, pois a cada segundo tinha a certeza da confirmação de sua pergunta, apenas ao olhá-lo. Charlie sorriu com o reconhecimento da mãe e sentiu como se o coração fosse explodir de tanta saudade.
— Sim mamãe...
Ele se aproximou e deu-lhe um abraço apertado. Um abraço acolhedor e intenso. Que ele sentira falta em muitos momentos de sua vida. Um enorme vazio se preencheu com aquele simples abraço. Charlie não imaginava que um ato de afeto tão simples pudesse remexer suas lembranças e brincar com suas emoções.
Durante muito tempo sua mãe fora seu exemplo, sua maior e melhor referência. Ela era rígida, mas ao mesmo tempo carinhosa. Sabia colocá-lo na linha quando necessário e jamais ousou bater no corpo franzino do jovem para isto. Ao soltá-lo, Esther observou seu filho, percebendo os traços masculinos que agora faziam parte do homem que se tornara. O cabelo havia crescido, os olhos azuis estavam ainda mais belos e intensos, e uma barba agora fazia parte de seu visual.
Esther não mudara nada nos últimos anos, apenas a velhice que lhe alcançara, junto com a palidez e a magreza provocada pela doença. Charlie olhou para sua mãe e tentou moldar em sua memória o visual mais recente.
— Tens se alimentado mamãe?
De repente qualquer pergunta sobre os anos que passaram longe um do outro não tinha mera importância. Era como se ele tivesse vindo visitá-la há alguns dias. Antes que sua mãe respondesse Charlie levantou-se e caminhou até a geladeira.
A mesma estava acabada, com a tinta indo embora e descascando, e com um pé de apoio improvisado por uma pedra. Ao abri-la, Charlie se chocou com o que vira. Apenas uma garrafa de água e dois ovos na porta, nada mais. Ao olhar a dispensa não tinha nenhum alimento. Nem um grãozinho de arroz sequer. Como pôde deixar sua mãe viver em tais condições enquanto ele tinha tudo do bom e do melhor? Enquanto seu pai, um ladrão de quinta, levava uma vida luxuosa e farta? Raiva, dor e indignação se misturaram. Não havia cabimento de tamanha crueldade. Como ele deixara as coisas alcançarem tais rumos?
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Amor de Infância
Short StoryTodos nós, em um determinado período, já tivemos um amor, algo que floresce no peito. Quando encontramos o primeiro amor, é inesquecível e como todo o amor de verdade, é inabalável. Assim foi a história de dois amigos na infância, que não entendiam...