Acordei com o despertador tocando, avisando que era hora de levantar para ir para a escola. Ao menos não estava mais sozinha naquele lugar, tinha agora a companhia do Cauã.
Levantei da cama, mesmo que contra minha vontade. Fui me arrastando até o banheiro para fazer minhas higienes pessoais. Tomei banho sem molhar meus cabelos, pois o dia estava frio demais para isso. Ao sair enrolada na toalha, vesti a farda da escola e coloquei meu moletom sobre a blusa do uniforme. Vesti uma calça jeans e o meu inseparável AllStar. Prendi meu cabelo no rotineiro rabo de cavalo e fui para a cozinha tomar meu café.
Hoje minha mãe havia preparado um suco e um sanduíche. Ok, isso vai me ajudar a despertar mais rápido... Eu acho. Terminei de comer e voltei para o quarto. Escovei meus dentes, arrumei minha bolsa e então saí.
A caminhada até o ponto de ônibus estava fria e congelante. Essa época de frio em Porto Branco costuma castigar, ainda mais tão cedo. Sento-me no banco de madeira e fico a espera do ônibus. Passa-se 2 minutos e então estou a caminho da escola. Meu corpo pende pra frente ao passo que o ônibus freia bruscamente. Olho em direção a porta e vejo então Cauã entrar. Seu olhar cruza com o meu e seu sorriso então abre singelamente. Caminha rapidamente para o fundo do ônibus, onde estou, e para ao meu lado.
- Prometo que hoje não irei derrubar seu caderno. Ou ao menos tentarei deixá-lo longe de poças de água. - Olhei pra baixo e ri
- Tudo bem. Ele tá intacto, então está tudo bem. - Disse, por fim
- Eu pensei ontem e...
- Pensou o que? - acabei interrompendo-o sem pensar. - Ai desculpa. Acabei te interrompendo
- Eu vou te contar a minha história. O motivo pelo qual eu chorei ontem e o porque de eu estar em Porto Branco.
- Cauã, você não precisa falar nada. Sei que isso dói em você e eu posso esperar pra quando vc estiver mais forte pra falar.
- Eu sei. Mas é que eu sinto que posso confiar em você. E guardar isso pra mim dói, então talvez seja uma forma de diminuir isso.
- Tudo bem. - Apenas assenti
-Bom, tudo começou no final do ano passado. Meu pai tava estranho com a minha mãe. Tratava ela mal e chegava bem diferente em casa. Eu comecei a desconfiar porque ele sempre foi atencioso com ela, e de repente ele ficou indiferente, impaciente, arrogante e algumas vezes até agressivo. Acontece que, ele era o diretor da escola que eu estudava em Campos Nobres, onde eu morava antes de vir pra cá, aí blz. Teve um dia que eu tive que ficar depois do horário de aula pra resolver umas coisas do meu time de futebol. E como era muita coisa, acabou que não deu tempo de avisar a ele que eu ficaria mais até mais tarde e que voltaria com ele pra casa.
- Ai, meu Deus. Isso tá muito filme de terror, Cauã. Tu tá me deixando com medo
- Relaxa. Continuando, eu acabei demorando muito organizando as pendências que eu tinha. Fato é que, quando terminei fui até a minha sala, peguei minha bolsa e liguei pra ele. Mas ele não me atendeu. Só que eu sabia que ele ainda estava na escola, porque quando fui ao estacionamento, seu carro estava lá. Liguei novamente e fui até a porta da sua sala. Escutei barulhos estranhos e então uma voz feminina dizer "Olha, o bastardozinho tá te ligando de novo". Eu reconheci aquela voz, mas fiquei parado ainda ouvindo. Meu pai diz "Deixa ele ligar, tenho algo bem mais relevante pra fazer agora. Como por exemplo, pegar com gosto a namoradinha dele". Eu fiquei em choque. Sabia que a Beatriz era fútil, mas não a esse ponto. Com certeza foi assim que ela conseguiu passar de ano e manter as notas. Eu peguei meu celular pra registrar aquela cena linda que eu já imaginava encontrar dentro da sala do meu "pai" e quando abri, a cena mais que atendeu às minhas expectativas. Beatriz estava sem a parte de cima do uniforme, somente de sutiã e short, sentada sobre a mesa principal com as pernas abertas. Meu pai no meio das pernas dela apertando sua coxa enquanto beijava ela freneticamente. Tirei a foto que mostrava ambos os rostos, não dando brecha para um "Não sou eu nessa foto". E foi exatamente isso. O meu pai traiu a minha mãe com a minha namorada.
- Meu Deus, Cauã. Eu sinto muito pela sua mãe, de verdade. Como você contou pra ela, porque ela sabe né?
- Sim, claro. O único motivo de eu estar aqui em Porto Branco com ela é esse.
- Ela não falou que você estava louco ou vendo coisas, sei lá?
- Ela tentou negar no início. Mas depois que eu mostrei a foto que eu tirei ela se conformou, chorou muito, mas aceitou. Gritou, quebrou vasos, tudo. Doeu ver minha mãe naquele estado, mas doeria mais ainda vê-la se corroendo por dentro aos poucos e se autodenominando uma esposa ruim por não saber o que se passava com meu pai.
- Nossa, isso nunca passaria pela minha cabeça. Juro! Isso é muito roteiro de filme. Mas pena que não é. Sinto muito por você também. Não deve ter sido fácil ver sua namorada com seu pai.
- Não foi mesmo. Mas eu já estava abusado dela. Pra te falar a verdade, hoje fico pensando o que vi na Beatriz pra me encantar por ela. Sei lá, ela é tão fútil e superficial. Talvez tenha criado na minha cabeça que gostava dela porque meus colegas de time diziam que ela tava realmente interessada em mim.
- Mas o que aconteceu com eles? Quer dizer, você fez alguma coisa além de contar pra sua mãe?
- Fiz. Eu mandei a foto aos donos do colégio. Eles ficaram irados porque confiavam demais no trabalho do meu pai, tanto que ele era diretor da escola há mais de 5 anos. Quando os contei sobre o ocorrido, mostrei a foto e as notas de Beatriz que miraculosamente haviam aumentado sendo que a mesma gazetava a maioria das aulas. Fato é que, ele foi expulso da escola e de casa. Minha mãe preferiu mudar de hospital e pegou transferência pro posto daqui de Porto Branco. Eu não tinha nada que me prendesse àquele lugar, por isso cá estou.
- Uau. Minha nossa! Isso é mais que uma história. Sério, eu não sei o que falar. Mas foi um livramento pra vocês né. Porque pelo que eu entendi ele não estava cumprindo corretamente com nenhum de seus papéis. Estava sendo mau diretor, mau esposo e mau pai. Então isso foi bom pra vocês, né?!?
-Sem dúvidas! Bom, agora quem sabe um dia você me diga o que faz esse coraçãozinho doer.Quando ele falou isso, senti que talvez fosse a hora de contar. Mas ao lembrar de tudo, uma dor assolou o meu peito e as lágrimas desceram. Não consigo.
- Desculpa, Cauã. Eu não consigo. É que ainda dói muito. Me machucaram demais e lembrar disso me faz mal.
- Tudo bem. Não tô te forçando não. Tudo no seu tempo, minha nerdizinha.
- Obrigada.Me abraçou e apoiei minha cabeça em seu peito. Ele tem um cheiro tão bom. E aqui estou eu, mentalmente pedindo para que o cheiro dele seja forte o suficiente pra invadir minha camisa, para que eu fique com o cheiro dele. Por que ele tem que ser tão incrível assim?
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Sentimentos Guardados
Teen FictionTodos parecem viver sua vida comum. Mas Vivian é tão diferente. Não tem amigos de verdade, a não ser seu incrível e inseparável caderno. Caderno este que guarda todos os sentimentos e pensamentos de uma jovem. Tudo parece rotineiro até a chegada de...