Capítulo 10- Vivian

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Eu não vou mentir, fiquei nervosa quando ouvi ele falar sobre 'amizade colorida'. O que esse garoto está sugerindo? Bom, eu não entendi. Mas acho que ele estava brincando, afinal Cauã sendo Cauã. Ele me fez comer primeiro pra ver minha reação ao comer o 'Melhor Dogão de Porto Branco' (atribuição dada por Cauã ao cachorro quente).
- Você não vai comer? - Perguntei para ele.
- Ainda não. Vou esperar você comer primeiro. Sou um cavalheiro.
- Ah tá. Mais uma piadinha pro dia. - Ele riu
- Não, é sério. Quero ver tua reação.
- Ah não Cauã. Odeio as pessoas me olharem comendo. -Revirei os olhos
- Vai logo. Se não eu como o meu e o teu.
- Tá bom, tá bom. Você me convenceu. - Conclui o que dizia e abocanhei um pedaço.
- E aí? É o melhor né? Confessa.
- Olha, já comi melhores. -Ele fez cara de reprovação e isso me fez rir. -Brincadeira, esse é realmente o 'Melhor Dogão de Porto Branco'. - Repeti o que ele havia me dito
- Agora eu vou comer né.
- Só vai.
Terminamos de comer e acabou que queríamos mais, mas nenhum dos dois tinha espaço na barriga para comer outro.
- Eu comeria outro tranquilamente se houvesse espaço na minha pança. - Disse ele
- Eu também. - Falei rindo. -Acho que eu nunca comi com tanto gosto um cachorro quente
- Eu sei, eu sei. - Levantou a mão chamando o garçom
- Pois não. - Disse o garçom
- A conta, por favor. -Disse Cauã
- Só um minuto que já trago.

Eu peguei minha bolsa com o dinheiro e deixei guardado para pagar o meu. O garçom retornou com a comanda e entregou ao Cauã. Ele deu o dinheiro ao garçom antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
- Pera, eu vou pagar o meu. - Disse ao Cauã
- Não precisa, eu já paguei a conta.
- Cauã!
- Relaxa, tá tudo bem.
- Eu ia pagar o meu, não precisava se incomodar.
- Não tem problema então. Da próxima vez você paga a conta e aí ficamos quites.
- Ok, aceito.

O garçom voltou com o troco dele e saímos. Aquele instante foi repleto dos mais diversos sentimentos. São raros os momentos em que sentimos isso. Se não sentiu ainda, você está perdendo. São raros os momentos compartilhados com alguém que você não quer que passe. Você só quer que o mundo pare ali e nunca acabe, e quando acaba o gosto insaciável de quero mais preenche nossas bocas. É pra isso que se vive, é pra isso que vale a pena a vida.

Estávamos voltando pelo mesmo caminho. Ambos sem abrir a boca e falar sequer uma sílaba.

- Então, até agora não entendi porque você inventou de estar com dificuldade em física. -falei francamente, não entendi mesmo.
- Ah, sim. Bem lembrado. É que eu cheguei aqui há pouco tempo. E assim, meu aniversário é daqui a duas semanas e minha mãe quer porque quer que eu faça meu aniversário. Eu achei meio sem nexo, porque eu não conheço quase ninguém daqui. Quer dizer, conheci você e outras pessoas hoje, então já dá pra fazer uma coisa e tal.
- Tá, não é sendo grossa nem nada. Mas onde que eu entro nisso?
- Eu preciso da ajuda de alguém, cara nerdizinha. E olha só, você é a grande sortuda.
- Deixe-me ver se entendi... Você me fez concordar em passar a tarde na escola com você, pra te "ajudar em física". Tá me fazendo andar isso tudo só pra me pedir pra te ajudar a organizar teu aniversário? É sério isso?
- Me senti um idiota desse jeito. Mas é isso. Pelo amor que nós sentimos pelo melhor dogão de Porto Branco, diz que vai me ajudar. - Disse quase implorando
- Tá bom, só porque você pediu em nome do melhor dogão de Porto Branco. Só por isso mesmo.
- Que consideração comigo hein Vivian.
- Ok. Eu vou te ajudar e ponto.  Agora eu posso ir pra minha casa?
- Vamos fazer o que? - como assim 'Vamos'?
- Bom, EU vou pra casa. Você eu não sei.
- Nossa, que grossa você hein. Tudo bem então. - Ele começou a me deixar pra trás

Eu fui atrás dele e disse:
- Ei, o que você ainda quer fazer?
- Não precisa, eu me viro. Pode ir pra casa.
- Se tu me fizer ir pra casa a essa altura do campeonato eu não pago o próximo dogão. Tô falando sério. - Cruzei os braços numa tentativa de parecer séria.
- Ok. Podemos começar a organizar as coisas da festa né?
- Ok, ok. Primeiro: tu pensou em algum tema?
- Vivian, eu vou fazer 16 anos meu caro pão de ló, e não 6. - Ele riu
- Sua besta, não precisa ser tema infantil. Até que combinaria mais contigo com essa tua cara de palhaço. -Confesso, me arrependi dessa parte do comentário. Ele começou a correr atrás de mim. Quando me alcançou me torturou com cócegas.

- Vamos, repita comigo "Cauã, você não parece com um palhaço. Palhaços são feios e você é um pitelzinho"
- Para Cauã... POR FAVOR. - implorei
- Repete que eu paro
- Tá bom, tá bom. Cauã você é bonito e palhaços são feios...  Ahhhh - Ele parou e finalmente respirei tranquilamente
- Eu sei que eu sou lindo
- Nunca mais faz isso, eu tenho asma. - Senti o ar faltar mais forte. Foi aí que me sentei no chão já perto da escola
- Ei, você tá bem? - Me perguntou preocupado
- Tô. - Tava piorando. - Não, não tô. Me ajuda. Tá faltando ar muito forte.
- Vem comigo, vou te levar em casa.

Levar em casa? Que casa? Como assim? Meu Deus, por que eu não nasci respirando perfeitamente que nem a maioria das pessoas normais?
O ar agora era rarefeito. Senti minha cabeça pesar. Só me lembro de sentir ele me carregar e me pôr em um táxi com ele. Deitou minha cabeça no seu colo.
- Me desculpa, isso tudo foi culpa minha.
- Não... Você não... Sabia de nada... Não se culpa... por isso - Falei compassadamente. Não porque quisesse, mas porque o ar estava curto demais
- Shiii. Não fala nada, fica quieta aí mocinha. - Deixou um beijo na minha testa, eu não esperava. Isso me deixou corada, espero que ele não tenha notado.

Fiquei pensando o que os pais dele iam pensar, meu Deus. O que eles iriam achar de uma menina que já chega na casa deles passando mal?

-Chegamos. -Ele disse. Pagou o taxista e me ajudou a descer do carro.

Era uma casa simples, mas muito bonita. Pegou as chaves no bolso e abriu a porta. Entramos. Ele fez menção para eu sentar no sofá, e o fiz.

- Fica aí nerdizinha. Eu já volto. - Passou pelo corredor e e sumiu da minha vista.
- Que momento lindo pra passar mal hein Vivian. Logo quando você tem que parecer saudável e radiante, você tem logo uma fucking crise de asma. - Pensei comigo mesma, ainda com a respiração fraca.
- Por que você teria que parecer saudável e radiante? -Ele apareceu me perguntando. E foi aí que eu percebi que pensei alto demais.

- Não é nada. É só que fica meio chato a pessoa me conhecer e eu já saio envolvendo ela nos meus problemas sabe... As pessoas não gostam disso.
- Fale isso pelos outros. Não me incomodei nem um pouquinho.
- Obrigada mesmo. Mas eu acho melhor eu ir embora.
- Não, minha mãe tá chegando e ela vai saber o que fazer pra te ajudar.
- Meu Deus Cauã, eu não quero incomodar mais. -Falei me levantando

Ele veio até mim e pegou nos meus braços.
- Olha pra mim Vivian. - Levantei o olhar encarando seus olhos castanhos médios. Ai universo, me ajuda. - Presta atenção. Eu tô te ajudando tá. Então você vai sentar seu corpo neste sofá enquanto minha linda mamãe chega. Ok?
- Tá bom Cauã.
- Fica aqui que eu vou ligar pra ela de novo pra saber o que eu faço com você. Não saia daí.

Por que ele insiste em me querer bem? Não seria mais fácil ter ligado prós meus pais ou me levar pro hospital e me largar lá? Sei lá. Fazer o que qualquer pessoa faria? Mas ele não fez. Ele me trouxe na casa dele. Pediu ajuda da mãe dele, que pode estar trabalhando, ou ocupada com qualquer outra coisa mais importante do que uma garota problemática com sua infeliz crise de asma.

Sentimentos GuardadosOnde histórias criam vida. Descubra agora