Qual seu último desejo?

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P.O.V.


O que você faria se soubesse que aquele seria o seu último suspiro? Qual palavra diria para acalentar sua própria alma naquele momento especial? Para onde olharia quando percebesse para onde está indo? Pediria perdão, olharia para trás, apenas fecharia os olhos e sofreria em silêncio?

"Qual seu último desejo?", era o que aquele homenzarrão perguntava enquanto passava as narinas pelo meu pescoço. Naquele fim de noite, com o cansaço tomando conta do meu corpo usado, extremamente suado e rasgado, sequer notei que a pergunta era muito mais do que poderia parecer. Logo aquele homem tão doce, tímido, que aparentava ser virgem, como poderia imaginar?

Perguntei seu nome algumas vezes nos intervalos entre os gemidos, pedi que me contasse sobre si, porém sua boca não falava mais do que o necessário, que era gemer. Com alguns pedidos estranhos, o tal homem e eu fomos para um beco mais escuro, onde, por suas próprias palavras: "Me faria sentir algo inesquecível".

Pondo-me de joelhos aos seus pés, sacou as roupas que ainda me cobriam e segurou minha face com suas mãos enluvadas. Fez-me um carinho antes de agachar-se e apertar meu pescoço, impedindo-me que respirasse, enquanto que com a outra mão tocava-me nas intimidades mais baixas. Senti algo realmente inesquecível... senti sua mão adentrando-me com brutalidade, rasgando-me o útero e me causando uma dor inebriante, porém sem ar, como chamaria ajuda? Quem ouviria meu socorro e viria acudir-me?

Senti sua mão sair de mim e a mesma tocou-me o rosto, sujou-me com o meu próprio sangue e me fez chupar-lhe os dedos enluvados. Com tamanho medo o fiz sem pestanejar, achando que iria embora após o ato hediondo.

Quão tola fui...

Aquele foi só o começo da longa noite que tivemos juntos... que ele teve com meu corpo...

Erguendo-me do chão com brutalidade a partir do pescoço, prensou meu corpo contra a parede e me tirou do chão, erguendo uma de minhas pernas e pondo-a sobre seu ombro. Ele buscou algo em seu pesado casaco, parecendo não encontrar e ficando irritado. Pude encarar seus olhos frígidos e sombrios pela primeira vez.

Logo então ouvi sua voz, como uma doce serra de ossos, que rasga a pele e te arranca o membro: "És demasiadamente linda para ir-te dessa vida desfigurada, no entanto, porém teu carrasco vos fala: Não és tão pura para ir-te sem açoite, minha pequena Deboráh".

Deboráh? Quem seria essa mulher a quem me destina o nome? Seria seu alvo real? Fora eu, tão somente um erro neste jogo de poder?

Fatalmente, aquele homem doce jogou-me contra o chão, subiu sobre meu tórax e começou a apertar meu pescoço com mais força do que antes. Senti minha vida ser sugada por aquelas jeitosas mãos e por aqueles flamejantes olhos.

"Se não a possuo, ninguém possuirá!" ele exclamava enquanto via meus olhos saltando das órbitas. Tentava, em vão, debater-me e tirá-lo de cima de mim, eu queria viver e certamente lutaria para tal. Foi quando, em total desespero, puxei o cachecol que cobria seu rosto e finalmente pude vê-lo como realmente era.

Eu já o conhecia! Tantas foram as vezes que me ajudou a voltar para casa quando maltratada pelos clientes, muitas outras foram aquelas que pagou o médico para me tratar e incontáveis foram seus sorrisos encantadores para mim quando me enxergava. Aquela alma tão caridosa e humilde podia ser esse monstro que se regozijava em minha dor?

Agora, com a face descoberta, ele perdera completamente o juízo, se é que ainda o tinha antes. Soltando meu pescoço, buscou o cachecol enquanto eu, fiel a continuar tentando respirar, tentava libertar-me de seu calabouço físico.

Foi aí que ele voltou, pior, mais cruel, sem se importar com meu belo rosto e silhueta. Enfiou os dedos em meus olhos lentamente enquanto mandava-me gritar por socorro. "Grite, finja que o mundo sentiria sua falta!", ele disse-me rindo enquanto arrancava meus olhos. Aquele foi seu aviso para mim, assim como para todas, de que seu rosto não deveria ser visto nem tocado. Ele queria ser imaculado.

Mas... assassinos podem ser imaculados?

Se já não fosse o bastante, enfiou meus olhos em minha boca e ali ficaram.

Pois agora, sem mais força para lutar, com o sangue jorrando das órbitas onde deveriam ser meus olhos e formando uma poça de mortalidade ao meu redor, ouvia-o se vangloriar para si mesmo, sentia minhas pernas sendo quebradas por pisadas. Meu peito fora afundado porcamente. Dando fim àquela noite de horror, felizmente, após tanta dor e luta por viver, desfiz-me em alma, vendo-me de cima, carregada por algo além...

Mas...

Por que não me deixas ir? Para que viraste meu corpo e colocaste-me em posição tão comprometedora? Oh, não! Não o faça, gentil senhor... não me toque aí... já não basta o que me causaste em vida? Ainda deseja violar-me em morte?

Você... tão tímido e fervoroso... o cristão que salvou-me tantas vezes...

Aguardou o momento perfeito vir de boa vontade para fazer-me pagar pelos pecados que cometi e aqueles que não poderei cometer?

Este é o seu porco senso de justiça?

És o que, afinal?

Um anjo da morte ou a salvação dos podres?

JACK - Livro Um [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora