Capítulo 7 - O confronto

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O tempo estava propicio para ficar em casa, um friozinho gostoso. Mas minha mãe teimava em me colocar para fora. Segundo ela eu estava antissocial demais nos últimos meses. Agregado ao fato de André ter chamado os amigos – que se resumia a mim, Camila e o Sérgio. Era uma ótima oportunidade para socializar. 

Quando cheguei no carro vi a Mila e o Sérgio no banco de trás. Aquilo parecia um encontro de casais, só que sem muito amor envolvido. O plano inicial era ir numa sorveteria. Mas o tempo não parecia que ia melhorar. Depois de alguns comentários eles chegaram a conclusão mais esperada: pizza. Tudo sempre termina em pizza. Fomos para a casa do André. Ele parecia morar sozinho, tudo tinha a cara dele. Nenhum sinal de mãe ou pai, apenas um cachorro husky siberiano, muito lindo por sinal e super carinhoso.
— Ted, fica quieto mocinho. Não assuste as visitas. 
 André falava enquanto fazia carinho no mascote. Notei que a sala tinha um sofá preto em L, uma mesa de centro com algumas revistas. Percebi também que não havia nenhum enfeite no rack, com motivo, lembrei quando senti duas patas sobre meu quadril: Ted, o possível demolidor, sorri. Acho que a Gabi gostará de ter um mascote quando crescer. Depois de uma longa discussão pra saber qual filme assistir, acabamos sem assistir nenhum por completo. Camila só queria terminar a pizza dela enquanto falava mal de todos os filmes que escolhíamos. Uns eram caretas, outros era "modinha", outros eram sem nexo. Nossa noite de filme acabou sendo uma noite de resenhas criticas. Fui pegando os pratos que eles usaram e levantei pra ir lavar e tentar limpar a bagunça que eles fizeram. Porque como se não bastasse, eles "limparam" a geladeira do André. Resto de mousse, brigadeiro que eu acabei fazendo, e salgadinhos. Acabei me acostumando com essa mania de limpeza. Não me considerava uma psicopata por manter tudo intacto, mas se eu poderia fazer isso. Acho que durante um tempo esse foi o meu escape, uma forma de descarregar energia acumulada.
— Finalmente te encontro sozinha.
Sérgio chegou com as caixas das pizzas que eu não tinha conseguido levar e passou direto, amassando e colocando numa lixeira próxima de onde eu estava. Sua aproximação me causava um misto de sensação, mas a principal era amargura. Conseguia disfarçar enquanto estavam todos reunidos. Fingia que ele não estava la. Ele se encostou na pia, ficando ao meu lado enquanto me concentrava em tirar não só o excesso, mas todo resquício de água que estava se acumulando.
— Não pensei que pudesse te encontrar novamente nessa escola. Acho que te devo um pedido de desculpas, Marina.
Pedido de desculpas? Ele estava louco? Seu cinismo parecia exalar. Senti meu estômago embrulhar, enquanto ria nervosamente.
— Pedido de desculpas? Pelo que? Não precisa pedir desculpa por ser quem você é. Muito menos por eu não ter percebido isso antes. O que você quer agora? 
Precisava cochichar por que a cozinha não era tão distante da sala, e a qualquer momento o André poderia aparecer.
— Não foi assim, Mari. Sei que errei mas você entendeu tudo errado. Eu não estava no meu juízo perfeito. Você lembra era uma festa, e eu tinha bebido muito. Mas tenta olhar o lado bom, eu não te maltratei.
Aquilo foi o cúmulo pra mim. Não consegui me conter, minhas pernas tremiam, me voz já estava embargada.
— Não? Você acha pouco eu ter perdido minha virgindade com você e depois descobrir que tudo não passava de uma brincadeira? Eu fui seu brinquedo, Sérgio. Eu ouvi toda aquela conversa com seus amiguinhos.
As lembranças vinham como uma cachoeira de informações. Uma noite supostamente maravilhosa, apesar dele ter bebido um pouco além. Tudo se apagou. Quando despertei no mesmo quarto ele estava saindo para pegar mais alguma bebida. Tentei levantar e me senti tonta. Um copo no criado mudo, uma cama bagunçada. Bebi mais um gole, estava com muita sede. Saí me segurando e tentando me mostrar uma pessoa apresentável. Eu não havia bebido tanto, nunca bebia assim. A visão continuava turva, e um pressentimento de que tudo poderia mudar ainda rondava. Quando desci as escadas me apoiando no corrimão e já sem os sapatos de salto, vi o Thiago, um amigo do Sérgio. Onde estava um estava outro. Segui ele, os olhares vindo em minha direção em alguns momentos. "É, essa daí teve sua primeira ressaca". Comentários seguidos de risinhos que eu ouvia, mas não tinha disposição para contrariar. Do lado de fora dos muros da casa vi Sérgio e os amigos. Me aproximei me encostando no muro e ouvi tudo.

— Tenho que assumir, você é um canalha. — Sim sou, mas consegui o que queria. Você apostaram comigo, não foi? Amanhã mesmo vou no banco com vocês. — E ai, ela é gostosa? — Não tanto quanto a Sofia. Essa semana então ela estava maravilhosa. Mas a Marina chega la. É só questão de treino. — Foi fácil assim? - um deles perguntava entre muitas gargalhadas. — Se não fosse o seu remédio, cara... Ela queria desistir na hora. Mas depois de mais um gole ela foi se soltando. — Ela ainda acha que você é fiel? — Com certeza, mas já tive o que queria. Qualquer dia desses ela fica com ciumes da Vanessa, ou da Sofia - mais risos - e termino tudo. Não conseguia mais escutar nada. Tentei correr, mas todos os sentidos se perderam e quando acordei naquela noite eu estava na casa da Camila. Voltei a realidade, a atual realidade. Meus olhos fitando os de Sérgio. — Você é um animal, Sérgio. Você não tem noção do quanto me senti suja e do quanto isso repercutiu depois. Toda minha vida mudou. As pessoas ao redor não sabiam de nada, alem dos seus amiguinhos nojentos. Mas eu sabia e isso bastava. Porque você me enganou? Por que durante tanto tempo? Porque brincar com minha cara. Fui uma imbecil e você ainda me pede meras desculpas? Sérgio olhava para a porta atrás de mim. — O que esta acontecendo? André estava olhando abismado para nós, eu acabei me exaltando um pouco, ele provavelmente tinha ouvido o final da historia. Camila estava atrás dele, com aquela cara de quem tentou impedi-lo de chegar até ali. Não consegui responder, passei correndo por eles, com o rosto banhado em lagrimas, peguei minha bolsa e sai daquele apartamento. Entrei no elevador apertando o botão para o térreo freneticamente. Não tinha um pensamento especifico, tudo parecia muito confuso. Uma avalanche sobre mim. Eu ensaiei varias vezes dizer tudo isso - e um pouco mais – para o Sérgio, mas eu sairia vencedora, daria um tapa nele e iria embora. Agora era bem diferente, me sentia derrotada. Peguei um ônibus que estava passando no momento exato. Por causa do horário o coletivo estava vazio, pra minha sorte. Me perguntava o que poderia acontecer daqui pra frente. Meu celular vibrou, era o André. Desliguei sentindo que estava encerrando uma conexão com ele na vida real. Adeus André. Pensei.

Você ainda vai me amar? [Em revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora