Capítulo 8

9.4K 672 13
                                    

"Nem sempre uma linda cara traduz encanto no mundo. Há mil fontes d'água clara cheias de lodo no fundo."

O dia amanheceu, acordei com uma baita dor de cabeça. Era uma segunda feira, mas eu não consegui acordar cedo, e pelo jeito minha mãe não fez o menor esforço pra que isso acontecesse. Também, dormi muito tarde, fiquei rolando na cama a maior parte do tempo. Fiquei pensando em tudo que aconteceu na noite passada. Senti um medo absurdo, mesmo não querendo. Ao mesmo tempo me senti seca. Sabe quando choramos tanto que parece que nada sobra? Uma unica lagrima que parecia ter compactado tudo que passei rolou. Deixei. O meu relógio me avisava que era quase 10:30 hrs. Do lado do relógio tinha um post-it com recado da minha mãe.

"Se sua vida não tiver altos e baixos é sinal de que você morreu. ;)

Fui no pediatra com Gaby."

Entre uma frase e outra ela tinha tentado desenhar uma linha de batimento cardíaco, dessas que vemos naquelas maquinas próximo a camas de hospitais, sabe? Tive que rir. Dona Eva tinha esse dom. Bom, a casa estava vazia. Não sabia por quanto tempo e minha cabeça ainda doía muito.

Resolvi ligar para a Kamila, até que lembrei que tinha desligado o celular e ele provavelmente estava no fundo da bolsa. Como pensei, varias ligações dela e do André. Meu coração apertou quando vi o nome dele. 

- Finalmente você me ligou. Já não aguentava mais.

- Desculpe Kamila, eu realmente não estava bem.

- Tudo bem, precisamos conversar. Vou na sua casa.

- Te espero - Desliguei sem animação ou empolgação. Estava no completo modo automático. 

Desci e fui ver se tinha alguma coisa pra merendar. Café da manhã nunca foi meu forte, aquele dia menos ainda. Peguei um biscoito de chocolate, um achocolatado na geladeira e um analgésico . Vamos la, se dopar de açúcar. Resisti a tentação de conferir a secretaria eletrônica e fui direto pro meu quarto. Liguei o notebook sem esperanças de fazer algo útil. Facebook parado, twitter chato, skype vazio e sem inspiração para o tumblr. Tudo parece sem graça quando a gente ta sem graça. Tudo "sem sal". Me perguntei como eu conseguia passar tanto tempo na frente de todas aquelas redes sociais. Fechei todas as abas e substitui a ultima por um blog. Na verdade só pra ouvir a playlist que eu adorava. Ja tinha lido todos os textos. A blogueira sumiu, deveria estar passando por algum momento chato. Agora eu estava sobre a anestia de conhecer todos os sofrimentos alheios. Incrível como nos sentimos a padroeira dos maltratados quando algo nos incomoda. Mas os nossos sofrimentos ou "momentos chatos" nunca serão iguais. Eu nunca vou saber a dor que voce sente, mesmo que julgue saber. E ainda que eu passe pelo mesmo problema (como muitos afirmam), eu nunca vou conseguir saber o que voce sentiu, por que simplesmente somos diferentes, e nosso modo de ver a vida diz o quanto vamos mudar depois que algo importante acontece.

"Estava em pedaços o meu coração

Sonhos cancelados, planos pelo chão

Ouvindo só o medo sustentando as águas

Dentro do meu barco sem ver a solução

Mesmo eu sabendo que recomeçar é tão difícil

Clamei a Deus somente com o que restou de mim"

Esse foi o trecho que estava tocando. Recomeço. Tudo que senti em um trecho. Não sabia como aquilo era possivel, mas era. Despertei quase derrubando o pacote de biscoito quando a campainha tocou. Mila, minha amiga. Desci correndo e a abracei assim que abri a porta. Subimos e ela me contou o que acontecia la fora - exatamente na casa do André - enquanto eu estava no meu mundo fechado e impenetrável.

"Quem pode entender o coração humano? Não há nada mais enganador; está demasiado doente para ser curado."

Jeremias 17:9

Você ainda vai me amar? [Em revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora