Na adolescência...
Contei o dinheiro no saquinho e descobri que só dava para aquele dia. Antes de me desesperar, pensei em meus amigos, eles me ajudariam. Havia dias que ninguém da minha casa falava comigo, nem mesmo a Clara. Acostumei-me a sair sem tomar café, a chegar e encontrar as panelas vazias. Sem opção, comecei a preparar meu próprio jantar. No primeiro dia dava para jogar o arroz na parede, no terceiro ele ficou comestível. Comentei com a Duda, a respeito, me deu algumas dicas. Foi até a horta do fundo do seu quintal e me entregou várias verduras e legumes, o que complementou meu arroz com ovo. Insistia para eu jantar em sua casa, mas eu não poderia. Seus pais já estavam sendo super compreensíveis em deixá-la passar um tempo comigo.
Estava me adaptando bem no meu emprego, o que me dava esperança de logo poder sair da casa da minha mãe. Passando pela cozinha, minha mãe me parou.
— João precisa falar com você — anunciou, sem me olhar.
— Agora não posso, estou indo trabalhar, não posso me atrasar — respondi e continuei andando. Trombei em um peito de aço, parado na porta, fechando a passagem.
— Onde conseguiu dinheiro? — indagou, jogando seu bafo de cigarro na minha cara. Franzi o cenho e fiz uma expressão questionadora. — Pensa que eu não vejo você contando, todos os dias, antes de sair? — completou. Suspirei e busquei uma resposta plausível.
— Alexandre. — Foi a única coisa que me ocorreu na hora.
— Ele está mentindo — bradou minha mãe, da mesa.
João pegou na gola da minha camiseta e me levantou do chão, me fuzilando com os olhos – vermelhos de pinga.
— Eu quebro a sua "cara" moleque. Fale logo, onde conseguiu dinheiro? — gritou e me jogou longe. Caí no chão e ralei a palma das mãos, na tentativa de amortecer a queda. Não contente, veio até mim e começou a me chutar. — Você roubou moleque? Eu mesmo te entrego à polícia, não vou acobertar ladrão!
Chacoalhei a cabeça, negando, desesperado... O tempo estava correndo e eu não poderia chegar atrasado. Olhei minha camiseta e vi que ele a tinha rasgado, teria que trocá-la, o sangue gelou nas minhas veias. Era a única que estava limpa, só tinha cinco camisetas que dava para trabalhar, mesmo surradas. Era sexta-feira e eu só conseguiria lavá-las no sábado.
— Foi o Alexandre, pode ligar para ele confirmando — garanti, sabendo que meu amigo me acobertaria. Jamais poderia confessar que a Duda tinha me emprestado. Ele me mataria de tanto bater.
— Mentiroso — bradou minha mãe e puxou o saquinho do meu bolso. As beiradas do saquinho eram rosas e tinham algumas estampas de porquinhos. Não me preocupei em trocá-lo. — Isso aqui é da Duda, têm vários deles no quarto dela — disse e jogou o saquinho de volta pra mim. Arregalei os olhos e fiquei estático. Qualquer coisa que eu dissesse, não resolveria.
Ele partiu com chutes pra cima de mim, fui me arrastando pra trás, com o braço em frente ao rosto. A cada pancada, sentia meus ossos reclamarem. Estava muito magro. Chegando à parede me encolhi e esperei. João me pegou pelo braço e me colocou em pé. Comecei a ver bolinhas coloridas, no momento em que ele acertou meu olho. Nem tive tempo de absorver a dor, o soco no estômago – foi fatal. Perdi o fôlego e caí de joelhos.
— Vagabundo, ladrão! Eu falei pra você que ele viraria esse "merda". Pudera, com o pai que tinha. Àquele covarde. Levanta fracote, vamos, me enfrenta. Ou vai fazer como seu pai, hein? — Continuou me chutando. Eu não conseguia respirar. A dor me deixou zonzo.
A menção do meu pai acabou comigo. Ele flagrou minha mãe na cama com meu padrasto e cometeu o maior ato de covardia de todos. Depois de alguns minutos meu fôlego voltou e consegui respirar. Como não o enfrentei, ele desistiu. Praguejou e saiu para trabalhar. Minha mãe fez o mesmo, sem olhar pra trás, e Clara permaneceu sentada na cadeira da cozinha, sem se manifestar. Levantei-me com dificuldade, peguei uma camiseta suja, no sexto do meu quarto, e me troquei. Olhei no espelho e comecei a chorar. Meu chefe não me deixaria trabalhar com o olho roxo, de novo. Se eu dissesse que era meu padrasto – me levaria à delegacia – o que seria de mim? Apesar dos pesares, eu tinha onde dormir e o que comer.
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Não Posso Ficar |DEGUSTAÇÃO|
RomanceThomas, um homem gentil e carismático, daqueles que não tem quem não se apaixone. Fruto de violência doméstica. Entrou para o mundo das drogas, onde viveu por vários anos. Um acontecimento o trouxe de volta... Com ajuda dos seus amigos, conseguiu es...