Na adolescência...
Procurava meu tênis pelo quarto e não o encontrava. Já tinha levantando tudo, olhado embaixo da cama e nada. Estava atrasado, era meu primeiro dia de estágio em uma multinacional. Não podia, de maneira alguma, chegar atrasado. Que impressão eu daria? "A primeira impressão é a que fica". A frase me consumia.
— Mãe — gritei, na esperança de que ela pudesse ter pegado para limpa-lo. Muito difícil! Se eu quisesse andar com sapatos limpos, eu mesmo tinha que fazê-lo. Talvez isso fosse bom, para eu dar valor. Porém, não era só nisso que eu era boicotado. Sem contar que os meus calçados, quase não davam mais para serem limpos, de tão desgastados. Era compreensível, já que tínhamos uma condição financeira complicada.
— Ela já foi — disse Clara, com os braços cruzados, encostada no batente da porta. Ergui os olhos.
— Deixou dinheiro para eu pegar o ônibus? — perguntei, apavorado com a possibilidade de a resposta ser negativa. Era muito longe a empresa, eu não tinha um "puto" no bolso. Como poderia ter? Com apenas dezessete anos. Era a primeira vez que eu conseguia um estágio.
Minha irmã meneou a cabeça e fez uma expressão complacente. Sentei na beirada da cama e coloquei a cabeça entre as mãos.
— E agora, Clara? Não posso perder essa oportunidade. Seu pai está em casa?
— Mesmo que estivesse, acho que não ajudaria — afirmou entortando os lábios.
Clara é filha do segundo casamento da minha mãe. Até que temos uma boa relação, diante de tudo o que acontece em nossa casa. Pelo menos ela nunca fica contra mim – nem a favor – prefere se omitir. Puxei o ar dos pulmões e fechei os olhos com força. Olhei no relógio de pulso e me desesperei.
— Onde ela está trabalhando hoje? — Nossa mãe é diarista, minha esperança era que ela estivesse em uma casa perto, assim eu poderia correr lá.
Clara deu de ombros e estreitou os olhos.
— Acho que na Dona Joana — disse e me encarou. Fiz um gesto para ela continuar. — Na rua de cima. — Apontou com a cabeça.
Nem esperei ela terminar. Peguei em seu braço e a arrastei comigo até a rua de cima. Como não achei o tênis, coloquei um sapato social, que tinha para ocasiões especiais. Estava muito cafona, calça jeans, camiseta e sapato social. Precisava muito daquele estágio, era o meu bilhete da sorte. Só quando eu tivesse minha independência, poderia me livrar das garras do meu padrasto. Clara mostrou a casa pra mim e se recusou a me acompanhar, voltou correndo.
Apertei a campainha e fiquei chutando o canto da parede, detonando a ponta do meu sapato de bico fino – ridículo –, com a cabeça baixa e as mãos no bolso da calça. A casa era a mais bonita da rua. O bairro não era nobre, mas tinha um prestígio, acredito que pelo tempo que as pessoas moravam ali. Eram todos amigos uns dos outros. Aos finais de ano juntavam-se para festejar, assim como em outras datas comemorativas. A rua de cima, que era a que eu estava, era a mais famosa. No ano anterior havia tido copa do mundo, os moradores pintaram toda ela, não dava para dizer qual o desenho ficara melhor. Nossa rua – a de baixo – as casas foram construídas praticamente no morro. A maioria delas eram de dois, até três andares, para chegarem ao nível da rua. A nossa, ainda estava só com a parte de baixo, tínhamos que descer mais de dez degraus para chegarmos à cozinha. A parte de cima, no nível da rua, só tinha a garagem.
— Oi. — Uma voz feminina me chamou a atenção. Ergui os olhos e na hora me encantei. Era uma linda garota. Branca, mas muito branca, com sardas no nariz e nas bochechas. Cabelos castanhos escuros, assim como seus olhos. Os cabelos eram cacheados e alguns caíam sobre seus olhos. Contive-me para não passar a mão pelas grades do portão e coloca-los atrás da sua orelha. Seu olhar era meigo, os lábios carnudos e vermelhos, como se tivesse passado batom. Os cílios... engraçado, nunca achei que repararia nos cílios de alguém, mas os dela... Nossa... Ela é linda! A cada piscada eles encostavam-se às pálpebras, quase chegando às sobrancelhas. Pigarrei.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Não Posso Ficar |DEGUSTAÇÃO|
RomanceThomas, um homem gentil e carismático, daqueles que não tem quem não se apaixone. Fruto de violência doméstica. Entrou para o mundo das drogas, onde viveu por vários anos. Um acontecimento o trouxe de volta... Com ajuda dos seus amigos, conseguiu es...