Capítulo 04 - Reencontro

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Limpei minha conta bancária, na verdade, peguei outro empréstimo, mesmo assim ainda faltava muito dinheiro. Consegui despistar o Renan, fazia alguns dias que "os caras" não ligavam. O silêncio me assusta. Converso com minha filha todos os dias – por telefone, ainda assim, fico apavorado em pensar que eles podem chegar perto dela. Eu fiz muita "merda" nessa vida e a única que não foi eu, está colocando a vida da minha filha em risco. Eu poderia esclarecer a situação aos avós dela, porém, eles não me deixariam nem me aproximar. Caramba, foi a filha deles que aprontou, não posso pagar o pato!

Levantei a foto pelo grampo e a coloquei em frente à luz vermelha, fraca, instalada na parede do meu laboratório. Analisei uns instantes a imagem surgindo e um sorriso surgiu no canto dos meus lábios. Perfeita! Pendurei-a no varal e me dediquei às demais, ainda imersas no tanque, com fixador. Ouvi uma leve batida na porta e antes que estragassem minhas fotos, caminhei rapidamente – até ela.

— Sim — disse, sem abrir a porta.

— Thomas, preciso falar com você — solicitou Alexia.

— Alexia, pode esperar uns minutos? Estou no meio de uma revelação?

— Tudo bem, só não demora.

Apressei o processo e logo saí à procura da minha assistente. Meus dias são bem agitados, quase não tenho tido tempo pra nada. Quando as sessões de fotos são externas, aí a coisa complica. Tenho que me preparar para todos os tipos de incidentes. O clima, o local, as modelos, os figurinos, enfim, são muitos detalhes. Preciso sair com planos A, B, C e, às vezes, até o Z. Por vezes, fiquei em hotel, pois a campanha era de verão e choveu o dia todo. O custo nem sempre é repassado ao cliente, têm alguns que compreendem e se responsabilizam, enquanto outros, preferem ignorar.

De longe vi Alexia conversando com um dos donos da agência. Ela virou o rosto em minha direção e não gostei da sua expressão. Gesticulava bastante e o Sr. Garcia passava a mão pela nuca.

— Bom dia — cumprimentei – receoso.

— Thomas — suspirou Alexia. — O Sr. Garcia tem algo a te passar. — Seu rosto se contorceu um pouco.

Considero-me um "cara" calmo. Dificilmente eu explodo. A vida me ensinou muita coisa, uma delas foi que: "Quando estamos nervosos falta oxigênio no cérebro e não conseguimos pensar direito." Procuro não tirar conclusões precipitadas. Gosto de analisar a situação como um todo, sempre há uma saída, pode ser que não seja agradável, porém, a situação é finalizada. Pela expressão dos dois, eu sabia que algo estava errado.

— Sou todo ouvidos, Sr. Garcia. — Cruzei os braços no peito e aguardei.

Ele me observou por uns instantes.

— Estamos com problemas, Thomas — comunicou e baixou a cabeça. Continuei aguardando, tentando descobrir onde eu me encaixava no problema. — Pode vir ao meu escritório? — Concordei e o acompanhei. Alexia deu uma batidinha em minhas costas e sussurrou:

— Vai dar tudo certo. — Franzi o cenho e endureci o corpo. Ao que indicava, não era um probleminha e com toda a certeza estava ligado a mim.


Acomodamo-nos nas cadeiras e ele começou a coçar o queixo, sem olhar pra mim. Apoiou os antebraços na mesa e cruzou os dedos.

— Bom, vamos lá... — iniciou finalmente, olhando nos meus olhos. — Sabe Thomas, eu gosto muito de você. No começo fui o primeiro a ficar com o pé atrás em fazermos uma parceria, pelo seu histórico, mas depois, reconheci que você é um excelente profissional...

Meu coração deu uma saltada no peito, àquele papo estava me parecendo uma dispensa. Eu tenho uma vasta experiência em ser dispensado. Ajeitei o corpo na cadeira e levei os dedos à boca, para arrancar as cutículas. Uma mania horrorosa que só piora com os anos. Quem olha nas minhas mãos sente pena, as unhas são comidas até quase metade e as cutículas estão sempre em carne viva.

Não Posso Ficar |DEGUSTAÇÃO|Onde histórias criam vida. Descubra agora