Capítulo 08 - Vou provar

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Estiquei os braços e joguei os lençóis ao chão, me espreguiçando.

— Bom dia mundo — murmurei, sentindo meu corpo reclamar da noite mal dormida. Caminhei até o banheiro e apoiei as palmas das mãos na pia de mármore. — Hum! Domingo... Eu poderia ficar na cama até tarde, mas não... Aqui estou, em pé, com essa cara lavada, me olhando no espelho e indignada — continuei minha lamentação, agora com o meu reflexo.

Passei horas, à noite, escarafunchando as redes sociais atrás de uma migalha de informação sobre o Thomas. Completamente frustrante a minha busca. Os anos só o deixaram mais enigmático. Para o meu desespero se tornou pragmático. Ele não pode estar falando sério. Sou uma mulher de trinta anos, não tenho mais dezesseis. Como pode achar que se afastando de mim está me fazendo bem?

— Vou enlouquecer sozinha nesse apartamento — lamuriei-me e comecei a tirar as camisetas da gaveta, jogando-as no chão.

Não sou uma pessoa muito organizada, apesar de não gostar de sujeira, meu apartamento sempre tem coisas espalhadas pelos cantos. Não fosse a dona Maria, a senhora que cuida de vários apartamentos, do prédio, inclusive do meu, estaria perdida. Ela praticamente etiqueta as coisas para eu encontrá-las. Pelo menos uma vez na semana meu apartamento está apresentável. Minha mãe fica muito brava quando vem me visitar. A fala é sempre a mesma: "Filha, passou da hora de você aprender a cuidar das suas coisas."

Perdida em pensamentos, ouço meu celular tocar em algum lugar do quarto. Comecei a levantar tudo do chão: lençol, travesseiro, pijama, calça jeans, sandálias, regata e nada de achar o bendito. Vasculhei embaixo da cama, em cima do criado-mudo e não conseguia achá-lo.

— Que droga... Calmaaaaa... — gritei para o celular, como se a pessoa estivesse me ouvindo. Olhei em cima da cômoda e vi uma luz piscando embaixo do pano de prato, que estava jogado junto ao pote de iogurte natural e a embalagem vazia da barrinha de cereal. — Ahrá! Achei — comemorei, afastando os itens que o estavam escondendo. O nome no visor me animou. — Oie — cumprimentei minha amiga.

— E aí, tem planos pra hoje? — Melissa seria minha salvação, estava prestes a rumar para a casa dos meus pais. Não estava sendo fácil cortar o cordão umbilical.

— Agora tenho — respondi entusiasmada. Sabia que Melissa teria algo para preencher meu domingo.

Os domingos não são fáceis para mim, mantenho minha mente ocupada, nos outros dias. Ricardo roubou anos da minha vida, me sufocando e fazendo outras coisas, que poucos sabem. Meus pais nem sonham com o mal que ele me causou. Nunca quis perturbá-los, com as consequências da minha péssima escolha. Deixe que pensem que foi apenas financeiro.

— Então, coloca uma roupa de malhar que estamos indo para a Lagoa — avisou-me, pois ela tem esse poder de decidir as coisas.


Assim que o elevador passou pelo terceiro andar meu coração deu uma batida forte. Tinha esperança de que ele parasse e que Thomas adentrasse. Infelizmente o elevador não foi meu camarada.

— Bom dia Sr. Mané — cumprimentei o porteiro e caminhei até as portas de vidro da recepção do prédio. De longe, avistei minha amiga fazendo alongamento, na calçada, não se importando, nem um pouco, com as pessoas que passavam e a encaravam. Assim que a pessoa ficava de costas ela fazia uma careta e mostrava a língua.

Moro num bairro nobre da cidade, onde as pessoas são meio fechadas e inaptas às sensações. Essa é a definição que minha amiga dá a elas. Incomoda-me, principalmente pelo fato de ter passado a vida no bairro, no qual todos se conhecem e se tratam como família. A facilidade de estar perto do trabalho me obriga a ficar onde estou.

Não Posso Ficar |DEGUSTAÇÃO|Onde histórias criam vida. Descubra agora