Capítulo 02 - Dependente

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Levantei da minha mesa e caminhei até a copa, precisava de um café, o cliente estava me tirando do sério. Meses refazendo o projeto dele, nada do que eu sugeria estava bom. Estava quase entregando-o para outra pessoa.

Trabalho em um renomado escritório de arquitetura. É uma empresa com grande influência na cidade. Campinas é uma praça onde se testa vários produtos. O lema é: "Se os clientes de Campinas aceitarem – os demais aceitarão também." São pessoas mais exigentes. Isso é bom, pois eleva a qualidade dos serviços e produtos oferecidos, porém, as vezes tenho vontade de "socar a cara" de um. Dei uma longa golada no café e soltei os ombros, inclinei a cabeça para trás, com olhos fechados.

— Nada ainda? — perguntou meu chefe, entrando na copa e colocando um sachê na cafeteira. Neguei, suspirando.

Minha relação com as pessoas do trabalho é a melhor possível, embora tenha uns e outros que eu sei que torcem para eu me dar mau. Como eu sei que nada é perfeito, ignoro. Jonathas é o chefe. Um líder invejável. Ele nunca, jamais, dá ordens. Faz e diz: me siga. O que torna o ambiente agradável e calmo. Pressão tem em todos os lugares, porém a nossa provém, na maioria das vezes, dos clientes. São prazos pequenos, com incontáveis modificações nos projetos.

— Não sei mais o que oferecer ao cliente, Jon — confessei, desanimada.

— Vamos lá, pensar juntos, vou te ajudar. — Pegou minha mão e me arrastou de volta à mesa. Puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado. Abri o projeto na tela do computador e começamos a analisá-lo.


Eu sou completamente apaixonada pelo que eu faço. Segui meu sonho. Sempre digo as pessoas: "Nunca desista dos seus sonhos. Eles é que impulsionam suas ações." Posso dizer que sou uma pessoa realizada. Sempre tive apoio dos meus pais. Às vezes, me incomoda um pouco, o fato de eu ser filha única. Me sinto sufocada com tanta proteção. Ao mesmo tempo, penso que quando eu quis sair e viver a minha vida, só "quebrei a cara". Eles não me impediram, apesar de terem ficado extremamente tristes.

Tive uma criação cuidadosa. Sempre estudei nos melhores colégios e nunca me faltou nada. Meus pais não são ricos, entretanto, são bem controlados, garantindo estabilidade. Desde que me conheço por gente, moramos no mesmo lugar. Meu pai se aposentou em uma multinacional e minha mãe como psicóloga. Exerceram tão bem a função deles, que até hoje, mesmo aposentados, são requisitados. Minha aventura de querer mostrar a eles que era capaz de me virar sozinha, só serviu para balançar o orçamento dos meus pais. Precisaram se desfazer de um imóvel, que tinham locado, para me ajudar a sair do enrosco em que me enfiei.

Mês que vem vou "trintar", nem acredito. O tempo passou muito rápido, parece que foi ontem que estava começando a fazer faculdade. Agora, com praticamente trinta, resolvi fazer uma pós-graduação. Depois que minha mãe decidiu montar uma floricultura, me vi tão envolvida. Quis engrenar na área de paisagismo. Passo horas com ela, dentro da estufa, cuidando das orquídeas. Os braços dos meus pais é o meu refúgio. Nunca me sinto sozinha. Eu sei que em qualquer situação eles estarão ao meu lado. Chego a sentir medo dessa dependência.


Fiquei em pé e me espreguicei, zonza. Olhei no relógio e verifiquei que já se passava das dezoito horas. Mais da metade das pessoas já tinha ido embora. Vesti o blazer e comecei a juntar meus pertences. Vinicius se aproximou, afastou meus cabelos e beijou minha nuca.

— Que tal um chope? — ofereceu e passou os braços pela minha cintura. Dei uma empertigada e o encarei, com meu sorriso.

— Estou muito cansada. Vamos deixar para sexta? — sugeri, disfarçando meu incômodo.

Me tornei arredia com os homens. Ricardo conseguiu me mudar. Sempre fui calma, paciente e apaziguadora, porém, me custou caro a mania de confiar, cegamente, nas pessoas. Agora, não consigo ter um relacionamento sério, com ninguém. O máximo que ofereço é umas saídas, ou seja, sou a famosa "ficante". Não me importo com o que as pessoas acham do meu comportamento. Mantenho uma postura profissional no ambiente de trabalho e não fico divulgando o que eu faço com os "caras" – que saio – pra ninguém. Faz muito tempo que não apareço com um namorado. Meus pais ameaçaram me questionar, quando perceberam minha reação, não tocaram mais no assunto.

Não Posso Ficar |DEGUSTAÇÃO|Onde histórias criam vida. Descubra agora