Capítulo 07 - Quero você

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Alguns dias se passaram e eu ainda não assimilei tudo o que aconteceu. Completamente alcoolizado e passado, com a visão dela a minha frente, foi impossível uma comunicação. O que ela fez foi o mesmo que antes, cuidou de mim. Desde então, não nos vimos mais. Sei que mora no mesmo prédio que eu – mais nada. Ameacei, algumas vezes, perguntar ao porteiro, porém, por que eu a colocaria em risco? Por mais que meu corpo peça por ela, meu cérebro me avisa – como antes – que não posso.

Faz dias que não recebo ameaças. O senhor Garcia continua me ajudando, colocou a polícia a par dos acontecimentos e estão tentando rastreá-los. Talvez seja por isso que não me incomodaram. Não sei se me sinto aliviado... ou apavorado. O silêncio faz mais barulho na minha cabeça do que qualquer outra coisa.

— Sua vez, Thomas — chamou minha atenção, Tania.

Empertiguei-me e abri um sorriso amarelo. Rastreei a sala com o olhar e reparei que tinham muitas pessoas novas. Fiquei triste em pensar que decepcionaria minha madrinha. Levantei-me e peguei, de cima da mesa, uma ficha amarela – representando o início ao programa. Tania arregalou os olhos e eu só meneei a cabeça, respirando fundo. Acomodado novamente, no círculo, baixei a cabeça e comecei, com a voz baixa:

— Meu nome é Thomas, estou neste grupo há cinco anos. Só tenho a agradecer por tudo o que foi feito por mim, aqui. Minha madrinha, Tania... — Peguei em sua mão e apertei de leve. — Tem sido meu anjo. Mas... — Fechei os olhos e passei a mão pela nuca. — Eu tive uma recaída. — Parei um pouco e segurei os lábios, sem abrir os olhos. A vergonha me consumia.

— Thomas — balbuciou pertinho do meu ouvido —, está tudo bem, ninguém vai te julgar — confortou-me minha madrinha, passando o braço pela minha cintura.

Levantei-me e fui até as vidraças do galpão. O lugar é cedido por um empresário. É grande e arejado. Não tem luxo. Uma mesa de escritório encostada à parede e várias cadeiras de aço, dobráveis. As reuniões são realizadas todos os dias, com grupos diferentes. A instrução é para frequentarmos, ao menos, uma vez por semana. Fazia algumas semanas que eu não conseguia ir. O galpão é um pouco afastado da cidade, em uma área industrial. Esse fato tem colaborado com a frequência, as pessoas sentem-se à vontade, com privacidade. A maioria tem vergonha de sua situação.

— Pessoal, vamos fazer um intervalo. Tem água, suco e algumas bolachinhas, sirvam-se. — Tania comunicou o grupo, não demorou muito para eu sentir sua mão pegar na minha e me puxar para a sala dela.

Os fundadores do grupo de apoio adaptaram o local. Fizeram algumas salas, com divisórias de MDF, para poder atender melhor os participantes. Acomodamo-nos, um de frente para o outro. Tania pegou em minhas mãos e ficou me olhando, esperando uma explicação. Não escondo nada dela, é a primeira instrução que recebemos, quando entramos.

Nunca me senti tão incomodado como dessa vez. Fazia um bom tempo que eu não tinha uma recaída e das outras vezes foram feias. O olhar de Tania demonstrava o quanto estava preocupada.

Ela é uma mulher bonita. Seus olhos são claros e os cabelos os acompanham. Sua estatura é mediana. Apesar de estar sempre de calça jeans, camiseta e cabelos amarrados, percebe-se sua sensualidade. Tem a mesma idade que eu e decidiu se dedicar a causa depois que perdeu o pai para as drogas. É muito profissional e dedicada no que faz, contudo, de uns tempos pra cá, tenho notado uma mudança no modo com que me olha. Não costumava me tocar tantas vezes, como agora. E... sempre a pego me olhando de canto de olho. Quando a encaro, desvia o olhar e enrubesce. Sem contar às vezes que arruma o cabelo e a postura, ao falar comigo, coisa que não acontecia antes.

— Estou esperando sua explicação, Thomas — alertou-me, franzindo a testa.

Tirei minha mão da dela e passei o polegar pelas rugas que se formaram em sua testa, com um sorriso de canto.

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