A Vingança - 1

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A lua inteira, branca, bem no meio da janela do palácio do governador, jogava seus raios pelos vidros.

Recostado numa cadeira confortável, Antônio de Souza, com os pés repousados num coxim, contemplava vagamente os reflexos na mão de prata, pensando em coisas distantes. Seu criado, o Mata, lia em voz alta.

— Portanto estamos aqui, lastimosos com as muitas perdas que temos sofrido. Na noite antecedente se resolveu no colégio a dita morte
e Antônio Vieira foi um dos consultores com outros padres e seu irmão com outros seculares. Isso se provará facilmente com muitas
testemunhas. Gonçalo Ravasco acompanhou a Antônio de Brito no
homicídio, estando ele ao mesmo tempo no colégio onde havia muitos
dias se tinha retirado por eu o ter mandado prender. Mata olhou o
governador.

— Está bem assim, senhor?

— Sim, está bem, disse Antônio de Souza. Podes continuar.

A voz do Mata perdia-se na sala ampla pouco mobiliada. Terminou de ler a carta.

Antônio de Souza assinou-a.

— Ah, que alento. Intrigas, intrigas e mais intrigas. Lá e aqui. Ficou pensativo por alguns instantes.

— Vossenhor quer que releia, senhor governador?
— Não. Já basta. O Antônio Teles vai passar por aqui. Quando
chegar deixa-nos a sós.
Espero que seja breve. Estou muito cansado, mal dormi esta
noite.
Ouviram baterem à porta.
— O alcaide Teles, anunciou o mordomo.

Sentando-se de maneira mais ereta na cadeira, Antônio de Souza arrumou o braço de metal, compondo sua figura.

O alcaide entrou com um leve sorriso.

— Trago boas notícias, Antônio, ele disse. — Conseguimos.

— A porta, disse Antônio de Souza. Mata saiu e fechou-a.

O alcaide Teles tirou o casaco que trazia sobre as costas e sentou-se ao lado de Antônio de Souza.

— Pois bem, prosseguiu o alcaide, — Antonio de Brito enfrentou bravamente os tormentos, todavia assustou-se quando ameaçamos acabar com a vida de Bernardo Ravasco e falou tudo que sabia.

— Realmente? Antônio de Souza tinha um brilho nos olhos. — O que pensávamos era verdade?

— Algumas coisas. O secretário Bernardo Ravasco não sujou mesmo as mãos de sangue. Mas tudo foi tramado às suas vistas e com a conivência dos padres do colégio, como havíamos pensado. Bernardo
Ravasco esteve na junta do colégio logo depois do crime. Em seguida o velho foi para a igreja, encontrou-se com o irmão, partiram para a quinta dos padres mas antes passaram na Secretaria para pegar os escritos. O resto já sabes.

— Bem, de qualquer forma os Ravasco estão envolvidos.

— Quem esfaqueou meu irmão foi mesmo o Antônio de Brito, como pensávamos. Surpreende-te, Antônio, com o que direi agora: Luiz Bonicho era um dos oito encapuzados, assim como o mestre de esgrima louro.

— O vereador? Ao contrário do que pensas, Teles, não me surpreendo nem um pouco. Parecia estar do nosso lado mas não estava. Nunca esteve do lado de ninguém, só do demo. Aquele sodoma de leque! Ignora a pragmática que proíbe o leque aos homens e anda como uma fidalga. Em Portugal já estaria preso. E deve ter sido Luiz Bonicho quem mandou o mestre de esgrima acabar comigo.

— João de Couros era outro. O seguinte foi Diogo de Souza, o Torto. Foi ele quem retirou a cruz de rubis do peito de Francisco. Parece que a cruz fora do velho pai dele, deve tê-la perdido numa mesa de jogo. O outro matador é o escrivão Manuel Dias. E finalmente o Moura Rolim, primo do satirista Gregório de Matos.

Boca do Inferno (Ana Miranda) (1989)Onde histórias criam vida. Descubra agora