O CRIME

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Os conspiradores conheciam bem os hábitos de Francisco de Teles de Menezes. Sabiam que, certos dias da semana, ao nascer do sol, o alcaide-mor da cidade da Bahia costumava sair de casa para fornicar uma barregã. Comentavam com sarcasmo que o alcaide era impotente e queria aproveitar sua ereção matinal. Ou talvez precisasse, para excitar-se, do silêncio das ruas, naquela hora em que todos, mesmo os boêmios e os vagabundos, dormiam. Ou então, quem sabe, gostasse do hálito morno e da carne combalida que as meretrizes tinham ao final da noite.

Na verdade Teles de Menezes levantava-se muito cedo e sobrava-
lhe tempo, àquela hora inútil, para satisfazer sua lascívia. Não que
passasse o resto do dia na sala de despacho com seus auxiliares; o
alcaide-mor costumava ausentar-se constantemente, todavia para beber
aguardente e jogar tabolas com alguns comparsas de sua confiança.

Ia à casa da amante com apenas alguns escravos desarmados. Depois despachava rapidamente com o governador e saía para suas arruaças. Naquela manhã, encontraria seu triste destino.

O sexo com prostitutas, ou ex-prostitutas, como era o caso da amante do alcaide-mor, assim como as ciladas de inimigos, eram atividades associadas às sombras da noite, quando Deus e seus vigilantes se recolhiam e o Diabo andava à solta, as armas e os falos se erguiam em nome do prazer ou da destruição, que muitas vezes estavam ligados num mesmo intuito. Os furtos, passatempos da cidade, também ocorriam à noite. De dia as missas se sucediam interminavelmente, às quais o povo comparecia para expiar suas culpas e assim poder cometer novos pecados: concubinatos, incestos, jogatinas, nudez despudorada, bebedeiras, prevaricações, raptos, defloramentos, poligamia, roubos, desacatos, adultério, preguiça, paganismo, sodomia, lesbianismo, glutonaria.

Boca do Inferno (Ana Miranda) (1989)Onde histórias criam vida. Descubra agora