Capítulo 32

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Kane despertou de um sonho confuso. Andava pela escuridão, completamente perdido, e tinha a sensação de ter perdido tudo. Não havia Ambarys, ou família real, era somente ele, sem rumo, até que ela o encontrou. A princesa ydheranesa o havia salvado de um destino terrível. Iria entrar em um portal no meio da escuridão e não lembrava de mais nada. Acordou com uma dor de cabeça infernal, mal conseguindo abrir os olhos, e sentia-se cansado, como se estivesse em batalha a noite toda. Num esforço, abriu os olhos e percebeu que não estava em seu quarto. Tentava reconhecer que lugar era aquele, que perfume era aquele, mas sentia-se atordoado, e muito lentamente algumas lembranças iam voltando. O príncipe notou que estava nu, e claro, lembrou quem esteve com ele na noite anterior. Não poderia ter feito isso, era o acompanhante de Lyra na noite passada. Levantou-se, procurando pela roupa, e foi vestindo-a rapidamente. Sua mãe não iria perdoá-lo pela desfeita, e não gostava nem de pensar no que teria que escutar do Rei. Vestiu a jaqueta vermelha por cima da camisa ainda meio aberta e saiu apressado do quarto da princesa, e começou a lembrar de detalhes da noite anterior. Não entendia porque passou a noite com Maya, quando deveria estar com Lyra no baile. Sentia um gosto amargo na boca e sua cabeça voltava a doer cada vez que pensava em Lyra. Precisava de um curandeiro, pois tinha a sensação de que algo muito errado estava acontecendo. Encontrou Noah e Lorde Rupert enquanto tentava se lembrar de qual torre era do curandeiro. Estava perdido em seu próprio castelo, se aquilo era possível. Viu o olhar furioso que Noah lhe deu, e achou que seria pior se não fosse ter com ele. Seu irmão disse a Lorde Rupert que havia esquecido de enviar uma mensagem, e que o Rei já o aguardava. Puxou Kane pelo colarinho, e não rosnava, praticamente rugia.

- O que eu faço com você, Kane?

- Eu posso explicar, irmão. - A verdade é que não poderia nem que tentasse.

- Você pode? Porque Maya deu a entender ao reino inteiro que vocês estiveram juntos na noite passada! Nathan saiu cedo daqui. Tivemos que mantê-lo preso durante horas e enviá-lo escoltado a Koholt, pois ele queria acertar as contas com você. - Noah soltou-o e pareceu estar se acalmando.

- Eu nem deveria perguntar, mas Lyra já sabe disso? - Kane viu Noah respirando fundo.

- Você acha mesmo que Maya não iria querer contar isso a Lyra pessoalmente... - Noah olhou sério para Kane, que baixou a cabeça, decepcionado consigo mesmo. - Temos que ir. Vou contar a Lorde Rupert quem temos em nossa masmorra, e discutir qual será a sentença do rapaz.

Aquilo parecia dar um novo ânimo ao príncipe mais jovem, afinal, foi ele quem rastreou e capturou o prisioneiro. Já o haviam interrogado, mas ele era resistente, teimoso. E parecia querer irritar Kane. Noah não o interrogou porque haviam começado uma amizade no pouco tempo que passaram juntos. Era considerado duro e por vezes cruel, mas desta vez, Kane havia surpreendido. O príncipe assassino não o matou por interferência dos oficiais, mas esteve próximo de fazer isso. O líder graime estava curado de seu ferimento e parecia muito feliz nos últimos dias. O Rei estava satisfeito em vê-lo bem e apreciava a companhia de seu velho amigo. Por sua vontade, ele já teria deixado o Castelo Ambar e estaria trabalhando como Conselheiro. Mas o mago era completamente dedicado à Ihgraime, e a família. Duvidavam muito que ele fosse exigir alguma pena ao dono do arco que disparou a flecha que o feriu, mas Kane estranhou a reação do mago ao ouvir Arthur.

- Arthur... - disse ele, andando pela torre, pensativo. - Você não saberia me dizer a idade desse arqueiro?

- Acho que deve ter a idade de Kane. - Noah observou a troca de olhares entre o graime e seu pai, sem entender nada, mas com uma impressão que carregava consigo desde que vira o arqueiro graime pela primeira vez. - Lorde Rupert, o senhor é quem sabe, se quer ou não descer à masmorra. Fizemos questão de caçá-lo porque ele traiu a nossa confiança. Principalmente a de Lyra.

- Lyra o conhece? - Ele pareceu surpreso.

- Acho que até demais - Kane resmungou, demonstrando estar passando mal, bebendo mais água.

- Meu irmão quis dizer que eles parecem ter se aproximado muito no mosteiro, como amigos - Noah respondeu. - Ele é zeloso com ela, e ela parece... eu não sei explicar. Parecem se conhecer há muito tempo.

Lorde Rupert pensou em como seria vê-los juntos, rindo e conversando; em como ele estaria agora com seus vinte e seis anos.

O peso que sentia em seu coração parecia ser menor agora, sabendo que ele estava bem. Tinha que ser ele, não poderia estar enganado. Um graime arqueiro, de cabelos loiros. Foi essa descrição que haviam dado do rapaz. Não achava que havia outro, pois graimes eram magos, e não arqueiros. Colin, o irmão de Miranda, era um habilidoso arqueiro.

Deve ter ensinado o garoto, pensou ele.

Queria tanto vê-lo, há quase vinte e seis anos. Kane o acompanhou, silencioso, à porta da masmorra, onde Sirius já o aguardava depois de ter trocado algumas palavras com Arthur. Os dois desceram juntos e o General manteve distância suficiente para não invadir a privacidade dos dois.

O líder graime parou diante da cela e viu um vulto negro em pé na escuridão, como se estivesse tentando se camuflar. De dentro da cela o prisioneiro viu um homem vestido com simplicidade, porem elegante, em sua túnica azul marinho, os cabelos mais escuros do que os seus. Ele o procurava na escuridão, e achava uma pena estar preso e desarmado, pois certamente poderia matá-lo naquele momento. Saiu das sombras e o mago o iluminou com a esfera que acabava de conjurar. Não havia dúvidas, ele era parecidíssimo com a irmã.

- Então você é Arthur - o mago disse, contendo suas emoções -, que por sorte minha não tornou-se meu executor.

- E milorde deve ser o senhor do Castelo Branco, nome pomposo para alguém desprezível. - As palavras e o jeito de falar duro foram uma impressão forte atirada na face do mago.

- Você sabe quem eu sou...

- Aparentemente os três reinos e os demais também. - Ele o encarou. - Antes de vê-lo eu achava que milorde seria mais impressionante de perto, mas não é, ao contrário de sua filha.

- Soube que vocês se conheceram, e ela gosta muito de você. - O lorde graime esperava que ela gostasse apenas como amigo, ou aquilo seria ainda mais complicado de explicar à Lyra. - E sim, sua irmã é impressionante.

- Ela não tem ideia do que você fez, não é? Ela não sabe que você deixou seu primogênito abandonado em Ullayn, sabe? Claro que não. - Arthur aproximou-se das grades e seu pai pôde ver os olhos em chama de raiva. Havia algo especial nele, apesar de não ter estudado magia. Se realmente quisesse, ele poderia se libertar daquelas correntes.

- Eu não abandonei você. Em nenhum minuto da minha vida nesses últimos vinte e seis anos. Você esteve presente em meu pensamento em cada portal que eu tentava abrir, em cada magia que eu executava para rastreá-lo. Mas parece que minha notoriedade não me precede - ele disse, querendo se aproximar da cela. - Você era o que faltava para que nossa vida fosse completa.

Arthur riu, e o riso virou uma gargalhada que ecoou pela masmorra. Ele devia estar achando que agora ficaria tudo bem, que simplesmente esqueceria os anos de dificuldade que viveu em Ullayn. Miranda, a mulher que o criou, morreu quando ele mal havia completado sete anos. E Colin ainda jovem assumiu a responsabilidade de criá-lo. Estava noivo, de uma linda moça, e ela não gostou nada de começar a vida a dois com a responsabilidade de criar um filho que não era seu. Com o tempo, foi assim que as coisas foram se tornando. Somente ele e Colin, que lhe ensinou a caçar já que tinha origens heracs e nada sabia de magia. Não tinham muito, apenas uma pequena casa em Barav, comiam o que caçavam, e vendiam pele e carne de alguma presa para que pudessem manter a casa e a eles próprios. Porém, Colin adoeceu há alguns anos e a sobrevivência dos dois dependia somente de Arthur. Senão fosse pelas poções que ele precisava tomar para sentir-se melhor, Arthur poderia continuar caçando, mas as poções eram caras, e então ele foi recrutado pela Guarda de Kael. E lá ele aprendeu que os líderes de Ambarys pouco se importavam com o restante de Thaanator. E ele entendeu que seu pai o havia abandonado em sacrifício para acabar com a chance dele, Kael, o rei legítimo de Ambarys, retornar e reinar, como deveria ter feito há muito tempo. Lorde Rupert não conseguia sequer se defender das acusações do filho. Tentava se colocar no lugar dele, e seu coração partia em mil pedaços diante da peça que o destino lhe pregava. Arthur claramente o odiava, e talvez isso durasse para o resto de suas vidas.

Loyalty - Reclamada Pela Realeza - Duologia AmbarysOnde histórias criam vida. Descubra agora