Capítulo 10

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No dia seguinte, acordaram cedo o suficiente para vestirem capas sobre as camisas leves que vestiam aquela manhã. Tanto Vivian quanto Lyra usavam as cores dourada e azul de Ihgraime, que lhe caíam muito bem. Ambas haviam prendido os cabelos. A Arquimaga parecia ter descansado bem depois do sonho com o príncipe, acordara com fome e bem-disposta. Vivian, por sua vez, não havia dormido direito, pensando na experiência que teve, e com medo do que sua amiga desconfiasse disso. Após o chá e alguma fruta no café da manhã na hospedaria, seguiram para a antiga casa de Arnon. Levaram alguns minutos para chegar até lá, pois a casa ficava num local mais tranquilo, com poucas residências vizinhas. Era uma casa típica graime, com uma varanda, plantas, flores e algumas árvores no jardim. Fora pintada de um amarelo claro e janelas brancas.

Lyra seguiu na direção da casa quando percebeu magia antiga onde estava pisando. Parou por um instante, sentindo seus olhos marejarem. Eram feitiços de proteção e de boas-vindas. Ela havia lido sobre como Arnon fazia até mesmo o mais ardiloso tirano baixar a guarda com seus feitiços de boas-vindas. Era como se desarmasse quem estivesse chegando, trazendo à tona emoções há muito contidas, e harmonizando tudo ao seu redor. Diziam que o próprio Kael baixava a guarda na presença do Arquimago, mas que depois de ser tomado pelo mal, Arnon não pôde fazer mais nada. E aquela magia permanecia lá, deixada pelo mago mais poderoso que pisou em Ihgraime, mesmo depois de centenas de anos. Vivian também sentiu suas emoções de maneira que há muito tempo não sentia, e que talvez tivesse que começar a ser honesta consigo mesma. Havia uma senhora cuidando das plantas, que sorriu quando viu as duas jovens graimes se aproximando.

- Bom dia, senhorita - ela cumprimentou Vivian. - Arquimaga. - Ela fez uma breve reverência.

As jovens responderam ao cumprimento e a senhora, que se chamava Loihva, as convidou para entrar na casa. Ela explicou que a casa de Arnon estava sendo preservada desde o desaparecimento do herói, por gerações de famílias da região, e que para ela era uma honra poder cuidar da casa que foi o lar de um graime tão ilustre e amado. Sentaram-se à uma mesa e ela lhes ofereceu chá, dizendo que era raro, jovens graimes irem até lá e que parecia que haviam esquecido quem fora Arnon Eldriast. Ali, naquela casa, estavam parte dos pertences pessoais do Arquimago, e havia muita coisa, mas ela disse nunca ter visto o cetro, e que realmente gostaria de saber alguma pista que pudesse levar Lyra a encontrá-lo.

Antes mesmo de Lyra perguntar se poderia olhar pela casa, a senhora disse para ela ficar à vontade. Vivian sabia que aquela era uma busca inútil para ela, já que era um momento em que Lyra precisava de toda concentração possível, então fez companhia à senhora, tomando outra xicara de chá.

Lyra foi andando pela casa, e era como se estivesse voltando no tempo. Ver objetos pessoais do Arquimago, seus livros e anotações, era fascinante. Poderia passar dias ali. Havia detalhes em tudo, runas entalhadas no corrimão, quadros que ele mesmo pintou e até mesmo frascos de poções. Era muita coisa. Lyra lançou encantamentos de revelação, mas não obteve sucess. Depois de quase duas horas ela concluiu que o que quer que pudesse ser o cetro, não deveria estar ali. Ela ainda ficou um tempo esperando Vivian conhecer a casa, e sentiu que a vontade que teve de chorar quando chegou, estava voltando.

- Arquimaga, se me permite. - Loihva se aproximou dela. - A senhorita é tão jovem para carregar esse título tão importante. Mas saiba que Arnon também era quando recebera o mesmo título.

- Eu tenho certeza que ele não tinha tantas dúvidas. - Ela suspirou.

- Você está enganada. Ele tinha muitas dúvidas sobre estar ou não fazendo o que era certo, basta ler os diários do Arquimago para saber que esse privilégio não é seu. Confie no julgamento do seu pai. Ihgraime espera grandes feitos da senhorita.

Lyra agradeceu silenciosamente, com um tímido sorriso, e logo que Vivian voltou, despediram-se de Loihva. Vivian vinha comentando sobre o festival em homenagem ao herói graime, e como muitos só lembravam do herói naquela época do ano. Na verdade, ela estava ansiosa pelo festival, pois ao contrário de Lyra, que era Arquimaga do Castelo Ambar, ela havia estudado apenas até conseguir sua varinha. Não se considerava uma maga talentosa, fazia o que todo mago era capaz de fazer. Ainda não havia descoberto nenhum talento ou vocação, e ao contrário de Lyra, que nunca havia pensado em casamento, ela queria sim, se casar. E o festival era um ótimo evento para conhecer homens do reino todo. Ela comentava que esperava que Noah trouxesse algum amigo e que Sirius apresentasse alguns dos seus também. Lyra divertiu-se com a conversa da amiga, mas estava mais preocupada com a segurança de Ihgraime diante de tudo que estava acontecendo.

- Claro que a senhorita Arquimaga não está nem aí para o festival. - Vivian revirou os olhos. - Você tem um príncipe aos seus pés, e eu não conheço ninguém interessante.

- Um príncipe? - Lyra olhou para ela, desconfiada, e viu a amiga corar de imediato.

- Hum, bem, é que você me contou sobre o príncipe Kane e seu passeio com ele. E sobre como ele surgiu no calabouço, e ele parece interessado, e ainda tem meu irmão sorrateiro da madrugada, se preferir um plebeu - ela falou, ainda vermelha.

- Você quer me contar algo, Vivian? - Lyra parou de frente para a amiga.

- Não, claro que não. - Ela tentou sorrir. - Desculpe-me se falei algo que a ofendeu, Lyra. Eu me empolguei e falei sem pensar.

- Não, sou eu quem devo me desculpar. Minhas últimas semanas têm sido difíceis. Mal cheguei a Ihgraime e já tive que partir.

Ela sabia que Lyra andava atarefada desde que que voltara do mosteiro, e que tinha uma forte ligação com Lady Marian e talvez aquilo fosse motivo suficiente para deixá-la impertinente. Não seria uma boa hora para falar do sonho, talvez nem do festival.

- Vivian, escute. - Lyra parou de repente. - Estamos sendo seguidas, fique atenta.

Viu quando ela alcançou a insígnia de Ihgraime que estava presa a sua capa, e não acreditou quando viu que estavam cercadas por homens da Guarda de Kael.

- Arquimaga. - Um holt dirigia-se a ela. - Estamos em maior número, eu sugiro que não tente nenhum truque e nos acompanhe.

Truques?

Ela suspirou, inconformada. Olhou ao redor e pensou que aquele holt deveria achá-la uma completa inútil ao pensar que apenas sete homens seriam suficientes para detê-la. Lyra sorriu para ele e convocou seu cajado enquanto o holt viu, embasbacado, parte dos seus homens desviando de esferas elementais. Ela abriu a palma da mão e uma esfera de fogo apareceu dela, transformando-se numa fênix dourada, que ao seu comando voou, formando um círculo de fogo em volta das duas jovens graimes. Então, com um gesto simples, ela sussurrou aleenthuun e seis deles caíram num sono profundo, voltando suas atenções ao holt, que àquelas alturas já estavam paralisadas de medo diante da facilidade como ela havia cuidado da situação. Lyra parou em frente ao cavaleiro.

- Seu líder o enviou para me capturar? - Ela sorriu. - Não, claro que não. Você estava provavelmente indo saquear algum vilarejo, achou que poderia levar algo mais valioso ao seu... hum... líder.

- Talvez eu tenha sido ambicioso demais, Arquimaga, mas eles virão atrás de você, e vai precisar de mais do que truques para vencê-los.

- Estarei esperando. - Ela apontou o cavalo. - Vá, leve essa mensagem à Guarda. E diga para enviarem coisa melhor.

Vivian enviou um rastreador à vila, pedindo que os responsáveis pela segurança fossem até lá e providenciassem o transporte dos prisioneiros para Koholt e Maherac. Lyra ordenou que as vilas próximas fossem avisadas dos invasores e que ao menor sinal de que a guarda estivesse por perto, as seguranças das vilas deveriam ser avisadas. Se a situação se agravasse, que pedissem reforços à Cidade de Ihgraime. Voltaram para a hospedaria e partiram de Zaher logo depois do almoço para Luz Doremmai. Lyra queria ter uma conversa com um Elder, e lá residia Elder Phranor.

Assim que Kane havia se recuperado, os príncipes e Sirius partiram para Maherac. Demoraram mais tempo do que normalmente fariam o trajeto para que Kane tomasse suas doses da poção feita pelo curandeiro, e descansasse um pouco. O príncipe parecia ainda abatido apesar de seguir a viagem no ritmo dos demais. Quase dois dias depois, cruzaram os portões do Castelo Branco, e Noah parecia aliviado por estar em casa. Kane não estava totalmente recuperado, e ele esperava não se deparar com nenhuma invasão até que estivessem em Maherac.

- Vocês três. - Ele se referia aos filhos e Sirius. - Descansem hoje. Amanhã conversaremos.

O Rei estava pensativo, sozinho na sala do trono. Rastreadores e mensageiros chegavam todos os dias desde que os príncipes foram a Koholt, onde quase perderam Kane. Noah estava aprendendo como um rei deveria agir, e colocou Nathan no seu devido lugar, mas Koholt não ficaria impune pelo descaso a respeito dos selos ou das criaturas que estavam confinadas em sua velha mina. Ordenou a permanência de Nathan em Koholt durante o festival, a fim de conter qualquer tipo de ataque. Magos estavam a caminho para ajudar no que fosse preciso. A coroa lhe parecia mais pesada nos últimos dias e tinha pressentimentos ruins sobre o que estava por vir.

Loyalty - Reclamada Pela Realeza - Duologia AmbarysOnde histórias criam vida. Descubra agora