Capítulo 21- Chantagem

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Nos dias seguintes fomos retomando a rotina. A impressão que tive foi de que havia um acordo entre o Sr. B. e as crianças para não se tocar no assunto do meu desaparecimento. Por estar ainda bastante fraca, evitei qualquer tipo de compromisso profissional fora da fazenda e mesmo em casa só me ocupei das atividades mais simples. Era evidente a satisfação das crianças pelo meu retorno, mas, em todas as ocasiões em que eu tentava conversar sobre aqueles dias, o assunto morria logo.

Por mais que a vida tivesse uma aparência de normalidade, havia muitas questões a serem solucionadas. O autor das fotografias e sua motivação continuavam sendo um mistério para mim. E a maneira como elas foram parar nas mãos do Sr. B. também. Tinha medo de abordar esse assunto com ele e por a perder a harmonia recém conquistada. No entanto, no fundo tinha consciência de que aquela harmonia se sustentava em bases frágeis. Ao mesmo tempo temia pelo nosso futuro. O fato é que eu tinha um inimigo que poderia voltar a atacar, uma vez que não conseguira atingir seu objetivo, considerando que esse objetivo fosse por um fim ao meu casamento.

A evidência seguinte surgiu do mesmo modo das anteriores, sutil e inesperado. Abri a gaveta e lá estava ele, o bilhete. Poucas palavras, abundância de perguntas. Quem teria escrito aquele recado para mim?

"Como você pode ver, sei de tudo. Quer conservar sua família perfeita? Pague o preço. Pensando bem, nem é tanto assim."

A mensagem terminava com a menção de uma quantia escandalosa para o meu padrão financeiro. Não tinha data e seu teor demonstrava que não era a única. Certamente viera acompanhada de uma das fotos. Então, era isso: eu estava sendo chantageada. No entanto, os envelopes foram parar nas mãos do Sr. B. Como foi que isso aconteceu? Desde quando? Quem era o chantagista?

Só havia uma maneira de esclarecer tudo: conversando abertamente com o meu marido. No entanto, ele evitava a todo custo uma conversa séria. Era evidente o esforço que ele fazia para criar uma atmosfera de normalidade entre nós.

Nos últimos meses os nossos negócios haviam sido negligenciados, impactados que foram pela minha ausência inesperada e turbulenta. Desse modo, os nossos dias eram totalmente tomados pelo esforço para retomar o ritmo anterior. Era preciso reorganizar a produção, retomar o contato com alguns fornecedores e buscar novos mercados. Quando a noite chegava, estávamos exaustos.

Por outro lado, minha ausência recente e demorada despertou nas crianças uma enorme carência. Desde então, elas passaram a me demandar muito mais que antes. Eu me sentia tão culpada que procurava satisfazer todos os desejos de cada uma delas. Consequentemente, sobrava pouco tempo para o casal. E, como esse tempo era tão pouco, afirmava o Sr.B., não convinha gastá-lo de forma displicente quando havia tantas carícias para serem trocadas.

Em outras circunstâncias, eu certamente me sentiria lisonjeada por tantas demonstrações de afeto. No entanto, aquela fuga do meu amor começou a me incomodar. Pela primeira vez em muito tempo, eu queria estabelecer um ambiente de total transparência entre nós e ele colocava empecilhos. Aquela desconfiança, que antes era só um fiozinho, começou a se salientar aqui dentro: será que meu amor estava por trás de todo aquele cenário de ameaças e chantagem? Se isso fosse verdade, quais seriam as suas intenções? Eu não poderia conviver com uma perversidade dessas!

Eu precisava manter a minha sanidade mental e, por isso mesmo, decidi não dar asas a esses pensamentos insanos. No entanto, permanecia a necessidade de esclarecer tudo e me livrar de quaisquer ameaças. Ficaria atenta a qualquer sinal, por mais sutil que fosse e no mais, trataria de aproveitar aquela que eu acreditava ser a última oportunidade de aproveitar a vida ao lado da minha família. Tomada essa decisão acreditei que viveria dias de calmaria. Ledo engano! Não seria ainda dessa vez que encontraria paz de espírito.

Conheço a maioria dos habitantes da cidade onde vivemos. E conheço ainda mais os funcionários da Cooperativa de Produtores Rurais. Nos últimos tempos, porém, estive afastada de tudo e de todos, de modo que não percebi quando uma nova contratação foi efetivada. E, embora a essa contratação tivesse ocorrido algum tempo antes daquela viagem fatídica à Serra do Cipó, não tivera ainda a oportunidade de conhecer o novo engenheiro agrônomo da Cooperativa.

Naquela manhã, como em muitas outras, deixei as crianças na escola e fui me dedicar às compras de insumos para a fazenda. Era para ser um evento breve e corriqueiro, mas, um dos diretores estava no armazém e me pegou de prosa, como se diz no interior. Quis compartilhar comigo os avanços recentes, mostrar-me o salão de convenções recentemente reformado, trocar informações sobre o mercado, enfim, falar de nossos interesses em comum. Acabei me distraindo e demorando-me nas compras por mais tempo do que o planejado.

Quando já colocava alguns itens no porta malas do carros (a maior parte dos artigos comprados seriam entregues na fazenda mais tarde), o diretor voltou, acompanhado do novo funcionário para fazer as apresentações. Quase caí de susto! Quem era a nova aquisição da Cooperativa? Ele mesmo, exatamente quem vocês estão pensando...

Era destino meu pagar por todos os meus pecados. Meu passado não me daria tréguas enquanto não acertasse todas as contas. Pensando dessa maneira, era até bom que caísse toda tempestade de uma vez, para que, quando eu experimentasse dias de sol novamente, fosse de modo pleno e definitivo.

Tentei recuperar rapidamente meu equilíbrio. Por mais que estivesse fervendo por dentro, por fora uma máscara de impassividade cobria meu rosto quando estendi minha mão para apertar aquela que algumas vezes tinham acariciado meu corpo em um distante congresso de agricultura orgânica. Por mais respostas que desejasse naquele instante, meus olhos não transpareceram nenhuma pergunta. Arrisco-me a dizer que até mesmo o meu jovem ex-amante acreditou que eu não o havia reconhecido naquele reencontro.

Também ele não esboçou nenhuma reação inesperada, respondendo ao meu cumprimento com um interesse polido e impessoal. Mas, eu percebi o brilho em seus olhos. Não consegui, porém, decifrar o significado daquela chama e confesso que isso me deixou bastante inquieta.

Para piorar a situação, o diretor passou a tecer elogios ao meu espírito empreendedor e resolveu ressuscitar um projeto antigo que vez ou outra vinha a tona: o desejo que ele e outros fazendeiros alimentavam de que eu viesse a assumir algum cargo de gestão na cooperativa. A conversa parecia não ter fim e o gestor, empolgado, não percebia que ela havia se tornado um monólogo, enquanto seus interlocutores não mais conseguiam disfarçar o desconforto.

No caminho de volta para casa tive dificuldade em manter o foco na direção do veículo. Minha vida continuava a ser o que havia sido nos últimos tempos: um monte de perguntas sem respostas. E o pior é que o número e a complexidade das perguntas aumentavam a cada dia. Agora eu tinha mais um problema para administrar: a proximidade daquele rapaz, da qual não escaparia impune. Como ele fora parar em minha cidadezinha, com tantas opções de emprego em todo o país? Por que ele teria aberto mão da tal carreira acadêmica promissora?

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