Capítulo 12 - Correspondência

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Correspondências circulam o tempo todo de um lado para outro. Algumas encontram destinatários ansiosos por elas. É o caso de quando encomendamos um livro pela Internet, por exemplo. Outras são recebidas com desdém ou até mesmo são indesejadas. Quem por exemplo, gosta de receber uma notificação judicial?

A fotografia seguinte chegou pelos Correios, em um envelope endereçado ao Sr. B. Nossa correspondência chega em uma caixa postal, pois, moramos na fazenda e os Correios não fazem entrega de correspondência lá.

Para minha sorte, naquele dia fui eu a responsável por buscar as crianças na escola. Aproveitei a viagem para pegar a correspondência. Entre vários os envelopes de malas diretas e outras correspondências comerciais, destacava-se aquele envelope pardo, cujo remetente era "um amigo" e o destinatário, o Sr.B. Verifiquei que fora postado na cidade vizinha.

Aprendi com minha mãe que correspondência alheia é algo inviolável. E que a privacidade do outro deve sempre ser respeitada, seja o outro quem for. Em toda a minha vida, jamais li qualquer escrito que não me pertencesse, desconheço o conteúdo da carteira do meu marido e nunca espionei seu celular. Mas, agora eu estava prestes a tomar uma atitude que sempre abominei: violar uma correspondência que pertencia a outra pessoa. O que não faz uma consciência pesada!

Não deu outra. Minha suspeita se confirmou e o conteudo do envelope era o que eu previa: outra fotografia. Dessa vez, ela fora tirada em frente ao armazém da Cooperativa justamente no momento em que meu amante se aproximava de mim para tirar satisfações. Sua mão segurava o meu braço, sua expressão era zangada e eu me mostrava atônita. Não era, nem de longe, uma situação usual entre duas pessoas que mal se conhecem.

O fotógrafo era alguém dentre as pessoas que estavam presentes naquela manhã. Tentei buscar na memória quais seriam aquelas pessoas. Os funcionários da loja, com certeza. E esses eu os conhecia a todos. Mas, haviam os clientes também. E outras pessoas que eventualmente passavam pela praça naquele instante. Enfim, não seria fácil descobrir quem era o espião.

Por um bom tempo fiquei examinando aquela imagem, imaginando quais seriam as razões que levam a pessoa a agir de modo tão torpe. Gastar tempo e recursos para espionar, fotografar, preparar e postar uma correspondência com a finalidade única de destruir, de modo bem requintado, uma família. Não, eu não negava minha culpa. Em minha insensatez tinha dado munição para uma mente cruel. Mas, se eu era a vilã, aquela pessoa também agia de modo nada edificante.

Eu não tinha nenhum inimigo. Não que eu soubesse. E aquela minha suspeita sobre o meu amante se mostrou infundada. Afinal, ele aparecia em duas fotos. Ainda que ele tivesse um cúmplice, nosso último encontro foi totalmente inesperado, não tinha como colocar em prática nenhuma ação planejada. Descobrir quem era o meu algoz também não adiantaria muito, pois, eu não tinha como neutralizá-lo. A única saída era abrir o jogo com o Sr.B.

Pelo menos eu tive a oportunidade de destruir aquela foto. Mas, havia as outras. E talvez existissem mais outras das quais eu ainda não tomara conhecimento. Não tinha outro jeito, tinha que chamar o meu amor para uma conversa. Comecei a alimentar a esperança de que, se eu tomasse a iniciativa de contar tudo, talvez houvesse uma chance remota de perdão. É claro que eu não iria contar que sabia das fotos. E mesmo que o Sr.B. me perdoasse, as coisas nunca mais seriam as mesmas entre nós. Esse seria o preço a pagar pela minha burrice.

Ensaiei mil vezes para o momento em que diria: "meu amor, precisamos ter uma conversa". A partir daí tudo poderia acontecer. Mas, quaisquer que fossem as consequências dessa conversa, nenhuma seria favorável a mim. Nem ao Sr.B. ou aos nossos filhos. Todos sairíamos perdendo. Minha culpa cresceu a um nível insustentável quando me conscientizei disso.

Passei noites e noites em claro pensando em uma solução. Meu sofrimento já estava impactando seriamente a minha vida. Aos poucos fui perdendo o vigor para o trabalho e era com muito esforço que conseguia cumprir minhas tarefas diárias. Pela primeira vez, desde que nos casamos, o sexo deixou de ser uma prática quase cotidiana e meu marido, percebendo meu abatimento, se desdobrava em carinho e atenção.

Meu descontrole chegou ao ápice quando me esqueci de pegar as crianças no colégio. Naquela manhã tinha agendado uma reunião com o executivo de compras de uma rede de supermercados para negociar o fornecimento de nossas geleias para suas lojas. Seria nossa oportunidade de ampliar a produção e gerar novos empregos na fazenda. A reunião começou pontualmente às nove horas e como houve acordo imediato na maioria dos itens discutidos, não se estendeu como previsto. Em razão disso enviei uma mensagem ao meu marido informando que chegaria a tempo de pegar as crianças na escola e almoçarmos todos juntos.

Embora estivesse eufórica pelo resultado da negociação não pude me furtar a ocupar o pensamento com os meus problemas enquanto dirigia no caminho de volta. Quanto mais eu me esforçava em encontrar em solução menos traumática, mais me convencia de que havia feito uma besteira grande demais. Quando me divorciei do meu ex-marido foi sofrido, mas, sem complicações. Afinal, já não dividíamos muita coisa e a questão patrimonial era bem mais simples e já.

Agora, eu e o Sr. B administrávamos juntos uma fazenda e tínhamos muitos planos em conjunto para o futuro. Mas, nada disso pesava mais para mim do que perder o meu amor. Não podia nem imaginar a hora de ir para a cama sem ele. Como dormir sem sentir seu braço sobre o meu corpo? Como acordar pela manhã com um beijo seu?

Quando dei por mim entrava no pátio da fazenda. O rosto banhado de lágrimas e os dedos doloridos tal a força com a qual segurava o volante. Entrei em casa nesse estado. O Sr.B. adiantava os preparativos para o almoço e ao ouvir o carro se aproximando foi nos encontrar. Levou tamanho susto ao perceber que estava só e chorosa. O que poderia ter acontecido às crianças? Foi nesse momento que me dei conta de que havia me esquecido de passar na escola.

Enquanto um funcionário saía para cuidar dos nossos filhos, meu marido me pegava nos braços, me levava para o nosso quarto e tirava minhas roupas, enquanto a banheira enchia. Naquele dia as crianças almoçaram na rua e passaram a tarde sozinhos na piscina. Enquanto isso eu recebia os mais atenciosos cuidados de meu marido. Em todo o tempo em que estávamos juntos ele nunca me vira perder o controle, então, compreendeu que a situação era muito grave. Não me fez perguntas, apenas cuidou de mim.

O Sr. B. atribuiu aquela minha crise nervosa ao ritmo acelerado que vínhamos imprimindo à nossa vida, com os trabalhos na fazenda e os cuidados com a filharada. Então, sugeriu que fizéssemos uma viagem curta, à dois, para darmos um tempo da lida diária e termos um tempinho só para a gente. Será que eu estava ouvindo bem? Afastar-me daquele ambiente de suspeitas e apreensão era tudo o que eu precisava. Ainda mais em uma viagem romântica! 

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