Capítulo 22 - Tudo em pratos limpos, finalmente

30 11 8
                                    

Em momento algum eu cogitei que o engenheiro pudesse ter se candidatado àquele emprego e escolhido a cidade para morar pensando em se aproximar de mim. Afinal, por mais que ele tivesse me perseguido inicialmente nas redes sociais, muito tempo já havia se passado. Ele é um jovem e bem sucedido rapaz e eu fora apenas um casinho de congresso.

Nos dias seguintes, porém, evitei ir à cooperativa. Não tinha a menor vontade de reencontrá-lo. Não porque ele representasse alguma coisa para mim, sentimentalmente falando, mas, sim, porque sua pessoa representava uma evidência contundente do ser humano desprezível que eu fora até recentemente.

Uma mensagem no WhatsApp me fez perceber que não adiantaria ficar inventando desculpas para não ir à cidade. As mensagens desse aplicativo chegam sem que a gente dê permissão. Basta que a pessoa conheça o nosso número de celular para que se intrometa em nosso dia, nossos pensamentos, nossa vida. Sempre há o recurso de bloquear, mas isso só é possível depois que pelo menos uma mensagem foi recebida.

E dessa vez não cometi o mesmo erro de quando bloqueei o amante. Observei bem a foto do perfil para não restar dúvidas, li a mensagem com atenção uma, duas, três, incontáveis vezes e passe a pensar em uma resposta. Dizia assim:

"Desta vez certifiquei-me de não errar o número do seu celular. O cadastro da Cooperativa é bem confiável. Você já sabe quem sou eu e não vai negar o pedido de um amigo que sabe tanto sobre você"

A mensagem seguinte seguinte mencionava uma quantia semelhante àquela do bilhete. Tudo ficou claro para mim. Como eu não havia pensado nisso antes? Quem era a única pessoa com condições de produzir uma fotografia de dois corpos nus em determinado quarto de hotel tempos atrás?

Desde o primeiro momento a destinatária das mensagens era eu. Como elas foram parar nas mãos do Sr. B. era um mistério para mim. Mas, agora eu sabia quem era o meu algoz. E precisava encontrar uma maneira de pará-lo. Ainda que fizesse um sacrifício enorme e pagasse o que ele pedia, isso não garantiria que ficaria livre de seus achaques.

A primeira decisão que tomei foi que não encararia aquela situação sozinha. Dessa vez não deixaria que o Sr.B. inventasse uma desculpa qualquer para fugir da nossa conversa. Afinal, se tinha alguém devendo ali, esse alguém era eu e pela primeira vez em muito tempo, agiria como a pessoa adulta que era, encarando e corrigindo meus erros.

Quando finalmente chegou o momento em que pudemos ficar a sós naquela noite, aproximei-me e com toda delicadeza que consegui reunir, disse:

-Meu amor, há uma conversa que não podemos mais adiar.

-Não temo tanto essa conversa quanto às suas consequências.- Foi a resposta um tanto enigmática que ele me deu. Mas, seu olhar me encorajava, então, disparei a falar. Falei do caso rápido vivido durante o congresso, falei da breve reconciliação com o antigo amante, falei das fotografias, bilhetes, do reencontro recente com o engenheiro agrônomo e finalmente mostrei a mensagem recebida recentemente no aplicativo de mensagens e a qual eu ainda não dera qualquer tipo de resposta. Falei de arrependimento, de angústia e de medo de perdê-lo e à nossa família.

À medida em que falava experimentava um alívio crescente, ia perdendo aquela sensação de peso nas costas e a dor onipresente do estômago ia perdendo sua força. Eu falava como se fala a um terapeuta, sem amarras e sem esforço para mascarar a situação. Nunca antes eu fora tão transparente, nem comigo mesma. Não procurava dar explicações, não fazia nenhuma súplica, apenas relatava os fatos e sentimentos.

Quem tudo perdeu e não tem esperanças não precisa maquiar qualquer situação. O que me restava era recuperar minha dignidade e me livrar da chantagem, preservando talvez a amizade e algum respeito do Sr.B. Quando terminei de falar estava aliviada, mas tamb'm desesperada.

Mas, o Sr.B. tomou a minha mão entre as suas e beijou a minha testa. Por um breve momento esteve de cabeça baixa e quando a levantou e olhou em minha direção, seu rosto estava banhado de lágrimas. Lágrimas essas que se juntaram às minhas que já desciam há algum tempo, quando nos juntamos em um abraço intenso. Por um longo tempo só se ouviu o som de nossos soluços.

As palavras seguintes do Sr.B. me surpreenderam:

-Eu sempre soube que não seria suficiente para você. Desde o primeiro instante tinha a consciência de que mais cedo ou mais tarde você procuraria outros afagos. Eu a conheço bem. Mas, ainda assim, quis construir essa história com você. E não me arrependo, você me fez muito feliz.

E continuou:

-Por isso, considerei muita sorte ter tido acesso ao primeiro envelope antes de você. E nem era para eu ter visto nada, afinal, não sou de violar correspondência alheia. Mas, abri o envelope por engano e a imagem me intrigou. Então, li a mensagem anexa.

Assim como ele fizera comigo antes, agora eu o deixei falar. E ele foi contando tudo. Falou do esforço para impedir que qualquer envelope suspeito chegasse em minhas mãos e para fingir que nada havia mudado. De como tentou identificar e neutralizar o autor da chantagem sem que eu tomasse conhecimento. Do desespero naquela noite em que desapareci na Serra do Cipó, da angústia das buscas, longas e infrutíferas. Quando a polícia desistiu, ele continuou retornando à serra por conta própria.

E falou, sobretudo, do sofrimento de encarar a minha ausência e cuidar sozinho das crianças. De como, mesmo tendo perdido a alegria de viver, teve que encontrar forças para cuidar daqueles cinco órfãos. Mas, depois venho a alegria suprema de receber notícias minhas depois de tanto tempo e, ao mesmo tempo, o medo do reencontro, de as coisas não voltarem a ser como foram antes.

Tanto sofrimento desnecessário e uma única culpada: eu. Impossível consertar tanto estrago. Ajoelhei a seus pés implorando o seu perdão. Mas, ele me fez levantar. Tomou minhas mãos e pediu:

-Por favor, faça  tudo ser como antes.

Nós havíamos feitos votos no dia do nosso casamento. Prometemos permanecer juntos na saude e na doença, na alegria e na tristeza, nas dificuldades e no sucesso até o último dia de nossas vidas. Mas, também havíamos prometido fidelidade e eu havia quebrado esse voto, de modo que não merecia mais nada. No entanto, aquele era um momento de tristeza e decidimos ficar juntos e juntos superar aquela dificuldade.

Meu amor me deu o seu perdão e eu não ia desperdiçar aquela oportunidade. Daquele dia em diante seria só abnegação em prol do meu casamento e da minha família. E ali, naquele quarto, na presença apenas um do outro, refizemos nossos votos. Recomeçamos naquele instante nossa história, dessa vez, baseada em vínculos ainda mais fortes e mesmo que meu amor não tenha exigido eu fiz minha a minha promessa.

-Meu amor, a partir de hoje, lhe devotarei algo ainda maior do que fidelidade. Eu lhe serei leal até que a morte nos separe. 

Novas Confissões da Trintona DescoladaOnde histórias criam vida. Descubra agora