Capítulo 1

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— O cabelo dela está horrível hoje. Não que isso seja novidade — alguém disse. Reconheci a voz de imediato. A garota popular, cabelos longos e loiros? Na minha escola ela também atende por Marizza. Me virei para encará-la. Ela tinha uma expressão de desgosto me fitando.

— Ao menos não saio de casa parecendo uma cacatua — retruquei, mesmo não podendo deixar de admitir que meu cabelo não estava realmente nos seus melhores dias. Eu tinha saído atrasada — o que não era novidade nenhuma —, e não tive tempo para me arrumar dignamente.

— Você falou comigo? — rerguntou Marizza, que me olhava com uma expressão que indicava claramente o que ela pensava de mim. Que eu era louca. Congelei no lugar, o coração subitamente batendo forte e os olhos arregalados a fitá-la. Foi um engano. Eu estava ferrada.

— Foi comigo. — Disse Luci, minha salvadora, também conhecida como melhor amiga. Ela passou a mão pelos meus ombros e sorriu amigável — coisa que sou incapaz de fazer. Marizza contorceu o rosto em uma careta e se afastou sem dizer mais nada.

Luci voltou-se para mim mais uma vez — Você tem que tomar mais cuidado, Sam.

— Eu sei! Foi um acidente. — Olhei ao meu redor. Não havia ninguém por perto. O sinal estava perto de bater e qualquer um que precisava de algo no corredor dos armários já tinha passado por ali. Eu normalmente esperava até o último segundo para entrar na escola, assim eu conseguia pegar os corredores mais vazios.

Vendo que a barra estava limpa, sussurrei — Eu não pretendia ler a mente dela.

Luci riu, revirando os olhos enquanto abria o armário dela.

Isso era o que acontecia comigo. Eu não tinha culpa de poder ler os pensamentos das pessoas. Quer dizer, na maioria das vezes. Nunca soube de onde vinha esse poder, apenas que me metia em várias encrencas, principalmente quando se tem que ouvir coisas do tipo "Ela está gorda!", "Ela é feia!" ou "Seu cabelo é horrível!". Já estava acostumada, mas não era nem um pouco agradável. Normalmente era capaz de canalizar apenas o que queria ouvir, se me concentrar bastante, mas exigia uma força imensa e a distração sempre foi meu forte.

Houve aquela vez que escutei, sem querer, que a médica da enfermaria do colégio estava de caso com um professor. Detalhe que era ela casada. Não vou nem dizer a confusão que foi quando o marido dela apareceu lá fazendo o maior escarcéu. Eu juro, a culpa não foi minha... Eu não disse nada.

Para ele. Mas tem aquela coisa de que paredes têm ouvidos. Agora a pessoa responsável pela enfermaria é um homem e idoso. Tento ao máximo não ouvir o que ele pensa, já que ando muito por lá.

— Então, quando você vai conhecer 'o noivo' da sua mãe? — perguntou Luci. Fechei o armário com violência e me adiantei na frente dela.

— Não sei. Se dependesse de mim, nunca. — Não era de todo verdade. Eu gostava de ver minha mãe feliz e, no caso, o feliz dela significava estar com o noivo — o qual eu ainda não tinha conhecido. Aparentemente, o relacionamento tinha avançado com certa rapidez e não houve tempo o suficiente para apresentações. Mas pelo que pude ouvir dela — e seus pensamentos — ele parecia um homem bom.

Luci sorriu. — Não deve ser tão ruim.

Revirei os olhos. Não, não ia ser tão ruim. Só teríamos um estranho morando conosco. Não sei se me acostumaria com isso um dia.

— Só espero que seja suportável. — Abri a porta da sala. Precisei espantar algumas pessoas se aproveitando de nossas mesas vazias antes de nos sentarmos.

Foi preciso um esforço imenso para ouvir apenas as pessoas falando, e não pensando. As primeiras horas do dia sempre pareciam as mais difíceis, e as últimas as mais cansativas. Senti o olhar de Luci em mim. Ela sempre foi a única que sabia da minha... Habilidade. Sorri, tentando dizer apenas com o olhar que eu estava bem.

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